Acórdão nº 2216/19.7BELRS-A de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução25 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I-RELATÓRIO J….., com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto a sentença, exarada no âmbito do procedimento cautelar intentado contra a Autoridade Tributária (AT), deduzido contra o indeferimento tácito de reclamações graciosas apresentadas, identificando vários atos tributários de autoliquidação, constantes de declarações aduaneiras (DAU), que foram objeto de correção do valor aduaneiro e de notificação para cobrança, e que o julgou improcedente.

A decisão recorrida foi proferida na sequência de Acórdão prolatado por este Tribunal datado de 25 de junho de 2020, que revogou a sentença recorrida, e ordenou a baixa dos autos para a produção de prova testemunhal relativamente ao periculum in mora.

*** O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “Conclusões: 1ª Nos presentes autos é pedida a abstenção da cobrança coerciva de liquidações de direitos e imposições aduaneiras devidas pela importação, quanto às diferenças entre o valor declarado às autoridades aduaneiras e o valor por estas fixado, findo o procedimento estabelecido no art. 74º do CAU, ou, em alternativa, a remessa dos títulos de dívida ao serviço de finanças para acertos de garantia, sustentando que as liquidações em cobrança estão garantidas pela anterior caução global de desalfandegamento.», como reconhece a douta sentença recorrida.

  1. Quando requereu a providência e até à sentença proferida em 17/2/2020, o Requerente curava que as liquidações em cobrança estavam garantidas pela anterior caução global de desalfandegamento; até porque a Requerida, mantendo-a e emitindo o documento n.º 6 A, tinha a mesma convicção e nem a libertou; Só a partir dessa sentença ficou definido, à luz do Direito, o facto de ela não poder, afinal, ser aproveitada para esse efeito de caução. E nunca a Requerida, invocando o art. 45º do CAU, ou outro, intimou ou sugeriu ao Requerente que prestasse outra garantia; ou o informou que, nesse caso se absteria de avançar, suspendendo as contestadas cobranças; Pelo contrário, sem, ao menos, ter registado as liquidações, avançara decididamente para elas, o que motivou o pedido da providência sub juditio.

  2. O periculum in mora deve ser analisado em função dos factos, alegados, i.e., do risco, alegado no R.I., do Requerente ora recorrente cair em insolvência se a cobrança dos valores ilegalmente liquidados avançar, e não da necessidade de pagar uma caução, questão que, ao tempo, não se colocava; e que só se veio a colocar com a douta sentença de fls. de 17/2/2020.

  3. Para além de emergir do simples confronto dos valores em presença, a prova desse risco de insolvência, foi consistentemente produzida.

  4. Como correctamente registou a douta sentença recorrida, a testemunha A….., depôs, credivelmente, o seguinte no seu depoimento: 02:34:41: - Advogado: – O que é que aconteceria à mesa de despacho, aos vossos lugares de trabalho, etc., se porventura estes valores fossem cobrados? 2:34:47: - Testemunha - Seria mau, seria a insolvência, de certeza.

    Na nossa área dos despachos a concorrência é muito grande e… Sê-lo-ia para qualquer despachante! 1 Cfr. a gravação da audiência, indicando-se os tempos de registo.

    2:35:01: - Advogado: - Os despachantes podem ter prejuízos, e continuarem a actividade? 2:35:07: - Testemunha: - Não; É difícil.

    2:35:10: - Advogado: - Mas, legalmente, não sabe se legalmente podem mesmo estar em actividade com prejuízos? 2:35:11: - Testemunha: - Que eu saiba, que eu saiba, não.

    2:35:14: - Advogado: - Não podem!, Portanto, têm que, ter pelo menos uma situação de… solvibilidade.

    2:35:18: - Testemunha: - Exactamente! 2:35:25: - Advogado: Recorda-se se em 2019… ter existido uma preocupação, na empresa, no sentido de, no sentido da contenção de custos e de maior empenhamento para tentar salvar o negócio? 2:35:43: - Testemunha: - Ah, sim; pelo menos ir mantendo os, os clientes; …os que temos. Há sempre a preocupação de os manter… 2:35:55: - Advogado: - Portanto, …há uma especial atenção, aqui, aos custos e à continuidade, possibilidade de fazer novos negócios? 2:36:04: - Testemunha: - Sim.

    2:36:06: - Advogado: - Sente ainda o risco deste processo poder, poder pôr em crise tudo? 2:36:10: - Testemunha: - É claro, ...(imperceptível)...

  5. Face a esta prova, credível, não contrariada por outra e conforme à experiência da vida, o recorrente não pode conformar-se com a parte do julgamento de facto que considerou que «não se provou que o Requerente fique em situação de não conseguir fazer face aos compromissos financeiros normais da actividade, por efeito da cobrança das liquidações em crise.», pelo que impugna os factos não provados nessa parte. Este facto deve ser considerado provado, com substanciais consequências para o julgamento de Direito e a procedência da providência requerida; o que requer.

  6. Consequentemente, a conclusão de que «nada se comprova nos autos quanto ao justo receio de lesão irreparável, nem sequer logra o Requerente comprovar ficar numa situação de facto consumado ou a verificação de prejuízos de difícil reparação» deve ser revogada, porquanto a insolvência é a maior «lesão irreparável»; 8ª O risco existente de insolvência não é susceptível de quantificação pecuniária precisa, exactamente como o exige o douto Tribunal a quo, citando jurisprudência superior, não sendo facilmente avaliadas ou quantificadas as lesões – como do desemprego de trabalhadores, a perda da reputação comercial, etc. - que o requerente virá a sofrer se a cobrança prosseguir. Deve ser verificado o preenchimento do requisito do periculum in mora; o que pede.

  7. O pagamento da caução a que se refere o art. 45º n. 2 do CAU não é uma condição obrigatória ou imprescindível para, em sede judicial, ser decretada a providência requerida. Muito menos integra o julgamento do periculum in mora.

  8. Aliás, não só a Requerida nunca notificou ou comunicou ao Requerente para prestar essa caução, antes ou depois da anterior sentença, nem o douto Tribunal a quo o fez, quando poderia fazê-lo tanto por despacho anterior à sentença, como, sobretudo, depois de ter julgado a anterior caução inidónia, deveria fazê-lo na própria sentença, impondo essa condição para a produção de efeitos da providência decretada, concedendo um prazo para a satisfação dessa eventual condição, bastando, neste caso, ter concluído a sua hipotética decisão citando a referida norma legal; depois de explicitar, que não ficou comprovado com base numa avaliação documentada que essa garantia pode causar graves dificuldades de natureza económica ou social ao requerente.

  9. De qualquer modo, a questão decidenda não era se o periculum in mora havia de ser julgado à luz do prejuízo que o pagamento de uma nova caução causaria ao Requerente, como a douta sentença recorrida fez, indevidamente, matéria que nunca foi suscitada no R.I.; mas à luz das consequências da cobrança, propriamente dita, que a Autoridade recorrida pretendia(e) realizar (da totalidade das quantias liquidadas), ilegalmente; não só pelo que o douto Tribunal a quo muito doutamente decidiu no que respeita ao boni fumus iuris, mas, também, porque as liquidações não foram registadas. Foi esta cobrança que o Requerente quis obstar nestes autos.

  10. O prévio ou posterior pagamento da garantia para que a requerida providência cautelar possa ser decretada, ou produzir efeitos, não é uma questão de periculum in mora. A avaliação documentada de que a prestação da garantia prevista no art. 45º n. 2 do CAU pode causar graves dificuldades - que a sentença refere - exige-se, apenas, para a dispensa da própria garantia pela Administração, não para o Tribunal o avaliar. Portanto, não sendo uma questão que caia no âmbito da avaliação do periculum in mora, a exigência do pagamento de caução, a existir – e ela, portanto, é relativa -, seria, quando muito, um outro requisito, específico, a acrescer e complementar os outros já conhecidos.

  11. S.m.o., a de vossas Excelências, ela não é realmente imprescindível.

  12. O disposto no art. 45º do CAU aplica-se às Autoridades Aduaneiras, não se dirige directamente aos Tribunais de forma a tolher-lhes, limitativamente, a sua acção.

  13. Estes são órgãos de soberania que, subordinados à lei, a aplicam de modo diferente da Administração, já que a interpretam, autenticamente, sistematicamente, no seu todo, integrando lacunas, esclarecendo dúvidas, dizendo o Direito, impondo-o no caso concreto, com autoridade sobre os particulares e sobre ela. Onde esta se deixa guiar estritamente pela norma concreta e pelo Código e até, tantas vezes, por actos jurídicos sem valor legal, aqueles dizem o Direito tal qual ele deve ser aplicado nos casos concretos a partir do edifício jurídico, com toda a profusão por vezes dispersa de normas e de princípios, concatenando-os.

  14. O n.º 2 deste art. 45º do CAU, de acordo com a sua letra, dirige-se expressamente, não aos tribunais, mas às próprias autoridades aduaneiras e impõe-lhes a suspensão da execução da decisão recorrida em certas circunstâncias, que, de resto, se verificam in casu; E o n.º 3, que faz depender a suspensão administrativa da execução que o número anterior impõe às próprias autoridades aduaneiras está, expressamente, subordinado a este n.º2 – ao dispor: «Nos casos referidos no n.º 2…» -, que se lhes – às Autoridades Aduaneiras – dirige expressamente.

  15. O douto Tribunal a quo não estava a decidir apenas uma medida administrativa vinculativa para a Administração Aduaneira prevista no CAU, designadamente no seu art. 45º ns. 2 e 3; estava a dizer o Direito e a julgar o pedido de decretamento de uma providência cautelar, prevista, além do mais - incluindo este art. 45º do CAU - no C.P.P.T. e no CPTA, ex vi art. 2º c) daquele e ainda, subsidiariamente, ex vi art. 2º e) daquele código, no CPC, tendo sido violados, designadamente, os arts. 97.º i) do CPPT, o 120.º nº 1 do CPTA e os 362.º e 369.º n. 1 do CPC.

  16. O preenchimento dos requisitos do...

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