Acórdão nº 1343/17.0T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução23 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: Nos autos de processo comum perante tribunal colectivo do Tribunal da Comarca de Santarém, já identificado em epígrafe, acusado e condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006, de 23-02 na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 5, 5 €, o que perfaz a quantia global de 880 €.

Mais foram declaradas perdidas a favor do Estado a arma e as munições apreendidas.

*** Inconformado, recorreu o arguido da sentença lavrada, com as seguintes conclusões:

  1. Os elementos fornecidos pelo processo impõem claramente decisão diversa daquela que foi proferida nos autos uma vez que em sede de audiência de julgamento não foi produzida prova bastante da prática de todos os factos de que o arguido vinha acusado.

  2. A sentença recorrida padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova, e a prova produzida em audiência impunha decisão diversa quanto a alguns factos .

  3. Na verdade existem elementos de facto no processo que impõem decisão diversa da proferida na decisão quanto à matéria de facto.

  4. Decidindo como decidiu, o douto tribunal a quo não fez uma correcta interpretação dos factos.

  5. Antes de mais deveria ter sido dado como provado que: F) A espingarda de calibre 12mm, de tiro a tiro, de marca “manufatare liegeoise d’armes a feu” nº 1999 originária da Bélgica, de dois canos e dois tiros, e constante do nº 1 dos factos provados, havia sido propriedade do já falecido pai do arguido.

  6. Porquanto com a sua contestação arguido juntou aos autos prova documental de que a referida arma fora pertença do seu falecido pai (…), nomeadamente a autorização vitalícia de simples detenção de arma no domicilio com nº 20932 emitida pelo Serviço de Segurança do Ministério da Administração Interna , Comando de Santarém da PSP, junta como doc. nº 1 com a contestação do arguido .

  7. Sendo que consequentemente, pela sua morte integrou a herança aberta por óbito de (...), pai do arguido.

  8. Deveria ter sido também dado como provado que: o arguido, á data dos factos, vivia com a sua mãe na casa que era desta e do seu pai na Rua (…).

  9. Tal é do conhecimento funcional do tribunal, uma vez que o presente processo (tal como consta da conclusão de 22-03-2019 - sob a epigrafe arquivamento prévio) teve início com uma comunicação dando conta que a Sra.(…) (mãe do arguido) era vítima de violência doméstica, exposição ao abandono e sequestro por parte do arguido.

  10. Ora sendo a arma da herança era responsabilidade do cabeça de casal, mãe do arguido, dar um destino à mesma nos termos do artigo 37º do regime jurídico das armas e munições, pelo que sendo a mãe do arguido a cabeça de casal era a esta a quem competia dar um destino a arma, independentemente do arguido ter contacto ou não com a arma.

  11. Porque a ser como o tribunal a quo pretende, qualquer um que residisse naquela morada e eventualmente mexe-se na arma era responsável pela prática do crime de detenção ilegal de arma.

  12. Sem prescindir sempre se dirá que o arguido vinha acusado, como autor material, da prática de um crime de detenção ilegal de arma p.e p. pelo artigo 86º nº 1 da Lei nº 5 /2006 de 23 de fevereiro.

  13. A lei 50/2019 de 24 de julho, procedeu à sexta alteração da lei 5/2006 de 23 de Fevereiro e estabeleceu no seu nº 1 do artigo 8º que os possuidores de armas de fogo não registadas ou manifestadas dispõem de um prazo de 6 meses após a entrada em vigor da lei para fazer a sua entrega voluntária ao Estado, não havendo nesse caso lugar a procedimento criminal .

  14. Tal prazo terminava no dia 22 de Março de 2020.

  15. Sendo em 27-01-2020, que quando deu entrada em juízo da sua contestação, o arguido requereu que fosse levantada a apreensão da arma e que a mesma lhe fosse entregue para este poder proceder à sua entrega voluntária no Posto da PSP e consequentemente poder juntar aos autos o respetivo comprovativo, extinguindo-se subsequentemente o procedimento criminal .

  16. E como não obteve qualquer despacho sobre o requerido, em 26-02-2020, o arguido dirigiu novo requerimento ao Tribunal, a que foi atribuída a ref. citius 6684219, tendo mais uma requerido o levantamento da apreensão da arma a fim de poder proceder à sua entrega voluntaria e beneficiar da Lei l50/2019 de 24 de julho.

  17. Tendo o tribunal por despacho de fls . datado de 05-03-2020 decidido que: S) “As questões suscitadas pelo arguido (...), quer na contestação apresentada, quer no requerimento que antecede, serão apreciadas após a produção de prova a realizar em sede de audiência de discussão e julgamento, nada havendo, por ora, a determinar quanto ao requerido.” T) Em sede de sentença decidiu o tribunal a quo que: [Transcrição de parte da fundamentação de direito da sentença recorrida].

  18. Não podemos concordar com o Tribunal à quo uma vez que a apreensão de objetos é um dos meios legais de obtenção de prova (artigo 178º, nº 1 do CPP). A suscetibilidade de “servir a prova” é condição essencial da apreensão, quer no que diz respeito aos pressupostos para a sua efetuação, quer no que respeita à sua manutenção.

  19. A finalidade probatória da apreensão não se confunde com outras finalidades do processo penal e também não se confunde com a finalidade preventiva (evitar a prática de actos ilícitos).

  20. O acto de apreensão priva o proprietário, possuidor ou detentor dos direitos inerentes, designadamente uso, fruição, disposição, exercício do comércio, mas não o priva do direito de propriedade nem da posse e a suscetibilidade de um objecto ser declarado perdido a favor do Estado não constitui, por si só, fundamento para a apreensão.

  21. Ao contrário do que refere a sentença o arguido não perde a posse da arma com a sua apreensão, tal só sucede quando a mesma é declarada perdida a favor do estado na sentença.

  22. Aliás o artigo 178º nº 6 do CPP confere aos titulares de bens ou direitos objecto de apreensão o direito de requerer a modificação ou revogação da medida.

  23. Assim não é pelo simples facto de a arma estar apreendida que o arguido perdeu a sua posse e como tal não pode beneficiar do artigo 8º da lei 50/2019.

    A

  24. Esta lei é manifestamente mais favorável ao arguido do que aquela ao abrigo da qual foi acusado e da qual foi julgado pelo que deveria ser-lhe aplicada e o procedimento criminal deveria ter sido extinto.

    BB) Estranho será que se alguém tiver uma arma ilegal em casa e não tiver sido “apanhado” pode entregar voluntariamente a mesma e não é sujeito a um processo crime e a uma condenação, contudo se já foi “apanhado” mas não foi ainda julgado , e pese embora o prazo de entrega voluntária esteja em curso e o arguido manifeste interesse na entrega voluntária da arma, não pode beneficiar da lei e é julgado e condenado.

    CC) O art. 2º, n.º 4 do C. Penal impõe que, entre duas ou mais leis penais que se sucedam no tempo, aplicáveis (ou potencialmente aplicáveis) à mesma pessoa ou ao mesmo facto, prevalece a de conteúdo mais benévolo, isto é, aplica-se a que menos comprima direitos, liberdades e garantias. Que no caso era o artigo 8º da lei 50/2019.

    DD) Deste modo o tribunal a quo” incorreu numa violação dos direitos constitucionalmente consagrados, mais precisamente, do disposto no n.º 4 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa o qual dispor que “Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respetivos pressupostos, aplicando-se retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido” EE) É Ainda de salientar que a pena aplicada ao arguido é manifestamente excessiva atentas as suas capacidades económicas e quando se provou que o arguido vive com o RSI no valor de 186,66 € e se condena o mesmo numa pena de multa de 880 €, e quando o arguido nem tem antecedentes criminais e a sua culpa a existir, o que se concebe sem conceder, é diminuta.

    Termos em que devem as presentes conclusões proceder e por via disso ser dado provimento ao presente recurso, sendo revogada a decisão recorrida, com as legais consequências.

    * O Sr. Procurador da República junto do tribunal recorrido pugnou na sua resposta pela manutenção na íntegra da decisão recorrida, com as seguintes conclusões: I – Atenta toda a prova (documental, pericial, testemunhal e declarações do Arguido) produzida em audiência de discussão e julgamento, estão cabalmente demonstrados na decisão judicial, os factos e o “iter“ cognitivo que levou o Tribunal “a quo“ a considerar os factos provados e não provados.

    II – Considerando os factos dados como provados, verifica-se que estão preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do crime pelo qual o Recorrente foi condenado.

    III - O Tribunal “a quo“ efectuou uma correcta aplicação da lei na subsunção legal que efectuou e na respectiva condenação, não tendo violado qualquer dispositivo legal, pelo que o recurso não deverá merecer provimento, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.

    A Sentença judicial recorrida efectuou uma correcta interpretação e aplicação da lei, não tendo violado qualquer dispositivo legal, pelo que o recurso interposto pelo Recorrente não deverá merecer provimento, mantendo-se a decisão judicial recorrida nos seus exactos termos.

    * O Exmº Procurador-geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    Foi dado cumprimento ao...

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