Acórdão nº 535/20.9T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCRISTINA D
Data da Resolução25 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 535/20.9T8STB.E1 (1.ª Secção) Relator: Cristina Dá Mesquita Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1. (…) e (…), autores na ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum que moveram contra o Estado Português interpuseram recurso da sentença proferida pelo Juízo Central Cível de Setúbal, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o qual, julgando verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, declarou-se incompetente em razão da matéria para apreciar o mérito da ação e competentes os tribunais administrativos e, consequentemente, absolveu o réu da instância. O despacho recorrido tem o seguinte teor: «Da incompetência em razão da matéria O R. veio excecionar a incompetência em razão da matéria deste Tribunal. Para tanto invoca que pretendendo os AA a destruição retroativa de negócio de compra e venda de imóvel, celebrado entre os seus antecessores e o extinto Gabinete do Plano de Desenvolvimento da área de Sines, por este não ter destinado o bem à finalidade subjacente ao negócio, verifica-se a incompetência em razão da matéria dos Tribunais Judiciais, já que o prédio em causa se situava na "zona de atuação direta do GAS", nos termos do art° 2, n.º 2 do DL. 270/71 de 19.06, tendo aquele Gabinete a atribuição de proceder à aquisição de terrenos e outros imóveis necessários ... promovendo a sua expropriação, quando necessário, aI. j) do art° 3° do referido diploma; ou seja, a referida venda ocorreu no âmbito das competências administrativas atribuídas ao referido Gabinete, no desenvolvimento de uma relação jurídica administrativa com os particulares, na medida em que se os antecessores dos AA não tivessem concordado com a venda, o gabinete desencadearia ou poderia desencadear a respetiva expropriação, detendo, pois, poderes de autoridade com possibilidade de imposição de restrições de interesse público, face ao que serão competentes para apreciar a natureza e validade do contrato invocado, os Tribunais Administrativos. * Em resposta os autores defendem que as partes celebraram o aludido contrato no âmbito da liberdade contratual, motivo por que a exceção deve improceder. Cumpre decidir. A competência dos tribunais em geral é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fraciona e reparte o poder jurisdicional, que tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais – cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, págs. 88 e 89. À semelhança do que acontece quanto aos demais pressupostos, tem entendido a doutrina e a jurisprudência, que a competência do tribunal se afere, por regra, pelos termos em que a ação foi proposta e pelo pedido do autor (cfr., v.g., o Ac. STJ, CJ/8T J, 1997, I, 125), embora o tribunal não fique vinculado à qualificação jurídica atribuída pelo autor. Para além disso, de acordo com o disposto no artigo 38.º, n.º 1, da L0SJ e artigo 5°, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro), a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente. A Constituição da República Portuguesa estabelece que "os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais" – artigo 211°, n.º 1 – e que "compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas ou fiscais" – artigo 212.°, n.º 3. Segundo J.C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 1998, pág. 16, este preceito constitucional, introduzido na revisão de 1989, e mantido, com diferente numeração, com a revisão constitucional operada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, explica-se historicamente pela intenção de consagrar a ordem judicial administrativa como uma jurisdição própria, ordinária, e não como uma jurisdição especial ou excecional em face dos tribunais judiciais, na linha de alteração do artigo 211.° (atual 209.°), que deixou de considerar os tribunais administrativos como tribunais facultativos. E Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, 3.ª ed., pág. 814, afirmam que os tribunais administrativos são agora os tribunais ordinários da justiça administrativa. Na senda destes princípios programáticos, também o legislador ordinário, nos artigos 64.° do Código de Processo Civil e 40.°, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – LOFTJ), estabeleceu que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. Já os tribunais administrativos, como se referiu, têm a sua competência limitada às causas que lhe são especialmente atribuídas nos termos do artigo 212°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e artigo 1.° do ETAF, cingindo-se tal competência ao julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. De acordo com o Acórdão do STJ, de 26-03-2019, proc. n.º 2468/15.1T8CHV¬A.G1.S1, em www.dgsi. "O conceito de relações jurídico-administrativas deve ser entendido (...) como uma referência à possibilidade de alargamento da jurisdição administrativa a outras realidades diversas das tradicionais formas de atuação (ato, contrato e regulamento), complementando aquele critério. Pretende-se, com o recurso a este conceito genérico, viabilizar a inclusão na jurisdição administração do amplo leque de relações bilaterais e poligonais, externas e internas, entre a Administração e as pessoas civis e entre entes da Administração, que possam ser reconduzidas à atividade de direito público, cuja característica essencial reside na prossecução de funções de direito administrativo, excluindo-se apenas as relações jurídicas de direito privado. Trata-se de um conceito suficientemente dúctil e flexível para enfrentar os desafios do «novo direito administrativo», mas que não pode deixar de ser entendido como complementar da tradicional dogmática das formas de atuação administrativa". O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19.02 estabelece no n.º 1 do artigo 1.° que "os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais"; já nas alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 4.° do mesmo diploma, estatui-se que "Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto: e) Questões relativas à validade de atas pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público; f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objeto passível de ato administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos específicos do respetivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público". Conforme foi decidido no Acórdão do STJ, de 26-05-2015, proc. n.º 1798/09.6TBC8C.L1.8, em www.dqsi.pt, em entendimento a que aderimos «Ao invés do que se estabelecia na redação original do ETAF (aprovado pelo DL n.º 129/84, de 27.04), em que a competência da jurisdição administrativa era fundamentalmente definida em função do binómio gestão pública/gestão privada, em face da nova lei, a doutrina e a jurisprudência vêm destacando a utilização do conceito de relação jurídica administrativa, que, segundo Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, voI. III, pág. 439, "é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração", sendo pacífico que pelo menos um dos sujeitos tem de atuar nas vestes de autoridade pública, investido de ius imperium, com vista à realização do interesse público, como sufragam José Eduardo Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira, in Noções Fundamentais de Direito Administrativo, pág. 239». Seguindo, como vamos seguir, este entendimento, há que operar um juízo de articulação entre a cláusula geral do artigo 1°, n.º 1, e os critérios do artigo 4° do ETAF, em ordem a alcançar a natureza administrativa da relação jurídica ora em apreço. Nesse sentido, verificamos que os autores invocam que os seus antecessores celebraram com o extinto Gabinete do Plano de Desenvolvimento da área de Sines, um contrato de compra e venda, cuja validade põem em causa, pretendendo que o terreno lhes seja revertido. O DL n.º 270/71, 19.06 criou o Gabinete do Plano de Desenvolvimento da Área de Sines, destinado a promover o desenvolvimento urbano-industrial da respetiva zona (artigo 1°), conferindo-lhe personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira (artigo 2°), em ordem a de assegurar: a) O desenvolvimento equilibrado de todas as zonas suscetíveis de serem polarizadas pela implantação das atividades económicas na sua zona de atuação direta; b) O melhor ordenamento de todo o território das regiões de planeamento de Lisboa e do Sul; c) O mais conveniente e útil aproveitamento, em unidades industriais da área, de matérias-primas ou outros recursos existentes em qualquer parte do território nacional, de forma a contribuir para o mais fecundo e rápido desenvolvimento global (n.º 3), competindo-lhe, além do...

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