Acórdão nº 37/20.3BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução18 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O S... - Futebol SAD, interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Arbitral do Desporto, de 16.03.2020, proferida no âmbito do processo n.º 75/2018, que confirmou a decisão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, que havia sancionado o Recorrente pela prática das infrações disciplinares p. e p. pelo art. 182.º, n.º 2, do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional 2017/18 (RD LPFP2017), por agressões de adeptos sem reflexo, e no art. 35.º, n.º 1, alíneas b), c) e o), do RCLPFP2017, e bem assim no art. 10.º, n.º 1, alíneas i) e o) do Regulamento de Prevenção da Violência (Anexo VI do RCLPFP2017) Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 50 e ss., ref. SITAF: «(…) 1. Vem o presente Recurso interposto da Decisão proferida pelo Tribunal Arbitral do Desporto proferida no âmbito do processo nº 65/2018 que, considerando improcedente a acção de impugnação proposta pela ora Recorrente da Decisão proferida no Recurso interposto pela Recorrente da deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol - Secção Profissional, proferida sob a forma de Acórdão, a 3 de Julho de 2018, no âmbito do Recurso Hierárquico Impróprio n.° 02 - 18/19, oriundo do Processo Disciplinar n.° 62-17/18, que condenou a Recorrente pela prática de uma infracção disciplinar prevista e punida pelo n.° 2 do artigo 182.°, de uma infracção prevista e punida pelo artigo 186.° e de uma infracção prevista e punida pelo n.° 1 do artigo 187.°, todos do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 2017 (RD da Liga), na sanção única de multa no valor de 220 (duzentas e vinte) UC, ou seja, € 16.830,00 (dezasseis mil, oitocentos e trinta euros).

  1. Compreende-se, aceita-se e promove-se a necessidade de combater o fenómeno da violência no desporto - aliás, dificilmente se encontrará sociedade desportiva em Portugal que mais faça pelo combate a este fenómeno do que aqui Recorrente (não obstante a imerecida fama que detém nesta matéria), contudo, conforme se explanará de seguida, a Decisão Recorrida efectua uma errada e ilegal aplicação do direito, distorcendo regras jurídicas e transferindo os ónus probatórios todos para a Recorrente ao invés de para a entidade com poder de sancionar, a saber, a Recorrida.

  2. O Tribunal a quo valorou incorrectamente a prova produzida, quer porquanto introduziu em sede de matéria de facto provada conclusões por si extraídas, ainda para mais sem elencar em que factos alicerçam as suas conclusões.

  3. Mais concretamente, conforme resulta do exposto em sede de Alegações, os factos provados n.º 7 e 8 são conclusivos e, mais grave, estão em contradição com a prova produzida, motivo pelo qual devem ser expurgados da mesma.

  4. Nem a Recorrida, na Decisão Proferida pelo seu Conselho de Disciplina, nem nas suas peças processuais, nem mesmo o Aresto Recorrido oferece qualquer medida de suficiência das acções a adoptar pelos Clubes, SAD’s, SDUQs com vista a combater este fenómeno.

  5. Todos os dias somos confrontados, enquanto espectadores televisivos ou leitores da imprensa escrita, com a descrição de fenómenos associados à violência no desporto, sejam confrontos, uso de pirotecnia, etc. Não se trata de um problema exclusivo da Recorrente, não se trata de um problema exclusivo da Primeira Liga, não se trata de um problema exclusivo das competições Nacionais e por aí fora. Um pouco por todo o mundo este fenómeno faz-se sentir. Podemos ignorar esse facto e transferir as responsabilidades para os Clubes, SAD’s ou SDUQs, alijando (convenientemente) as responsabilidades da Federação Portuguesa de Futebol ou do Estado.

  6. É impossível chegar individualmente a todo e cada um dos adeptos presentes no Estádio (até porque se desconhece a identidade de cada um deles) sensibilizando-o para a necessidade do bom comportamento - mas, mesmo nesse caso, para a Recorrida seria insuficiente, pois o que esta sustenta, como se demonstrará, é a responsabilidade objectiva das SAD’s e SDUQ’s, ao arrepio da Lei e da Constituição.

  7. Por outro lado, conforme melhor se deu conta em sede de Alegações, o Tribunal a quo não valorou correctamente a prova produzida nos Autos, nomeadamente, desconsiderou a totalidade dos documentos juntos aos Autos com o memorial de defesa e os depoimentos prestados em sede de Audiência perante o Tribunal a quo.

    d) “a Arguida promove a divulgação sonora de mensagens antes dos jogos realizados no Estádio do S... a apelar para o comportamento desportivamente correcto dos adeptos e) “a Arguida desenvolve, através do seu oficial de ligação aos adeptos acções regulares de sensibilização junto dos sócios e adeptos da S... SAD para a adopção de conduta conforme ao espírito desportivo durante os espectáculos desportivos, com particular incidência nos denominados Adeptos de Risco": f) “A Arguida adopta uma postura de colaborante e franca com as forças da autoridade, acolhendo a esmagadora maioria das solicitações por esta efectuadas, de modo a potenciar o melhor e mais seguro espetáculo desportivo possívef g) “a arguida mantém uma postura de colaboração activa com as forças de segurança com vista à /dentificação/referenciação de comportamentos e adeptos de risco"; h) “A Arguida tem vindo a apresentar de propostas ao Ministério da Administração Interna e à Secretaria de Estado do Desporto para alteração da lei de combate à violência no desporto" i) “É preocupação permanente da S... SAD contribuir activamente para a identificação e combate dos fenómenos da violência associada ao desporto, como o comprovam a presença recente da S... SAD no amplo debate realizado na Assembleia da República sobre este tema, no qual se fez representar pelo Presidente do seu Conselho de Administração, L..., pelo seu Director de Segurança, R..., e pelo seu Oficial de Ligação aos Adeptos, N..., numa manifestação pública clara de preocupação com este fenómeno"', j) “a Arguida mantém sistema de videovigilância de som e imagem com mais de 400 câmaras; sistema esse que é superior a todos os demais instalados nos restantes estádios das competições profissionais k) “a Arguida adopta medidas de controlo e vigilância, e de acesso e permanência no recinto com recurso, em média, a mais de 400 assistentes de recinto desportivo, número superior ao presente nos demais estádios das competições profissionais l) “a Arguida dispõe de caixa de segurança destinada a adeptos das equipas visitantes, num investimento aproximado de 350.000,00€, instalada, em 2011, de forma pioneira em Portugal.

    m) “A Arguida recorre, a expensas próprias, à contratação dos serviços da Unidade Cinotécnica do Grupo de Operações Especiais da PSP para detecção de artefactos e engenhos pirotécnicos nas bancadas, no dia do jogo, antes da abertura de portas n) “a Arguida criou um conjunto de medidas com vista a assegurar o enquadramento familiar, designadamente através da criação da denominada bancada família, a qual possui um sistema de ingressos com preçário mais favorável e um conjunto de animações especificas, mais incidentes no público mais jovem": o) “a Arguida criou condições para o bom ambiente e a sã convivência entre adeptos, nomeadamente um espaço reservado para o convívio, denominado, fan zone, dotado de animações, venda de produtos alimentares e actividades múltiplas": p) “a Arguida prestou toda a informação relevante as forças de segurança q) “as medidas referidas supra são realizadas antes de todos os jogos disputados pela Arguida, incluindo o jogo em causa nos presentes Autos".

  8. Nos termos do artigo 79.° da Constituição da República Portuguesa (CRP), a todos deve ser assegurado o direito à cultura física e ao desporto, incumbindo ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto.

  9. No mesmo sentido, prescreve o artigo 3.° da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (constante da Lei n.° 5/2007, de 16 de Janeiro - LBAFD) que “a actividade desportiva é desenvolvida em observância dos princípios da ética, da defesa do espirito desportivo da verdade desportiva e da formação integra de todos os participantes” (n.º1) e, bem assim, que “incumbe ao Estado adoptar as medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas, designadamente a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo, a xenofobia e qualquer forma de discriminação" (n.° 2).

  10. E é natural que assim seja na medida em que é ao Estado e à Polícia, em primeira linha, que compete garantir a segurança interna do país, nomeadamente de pessoas e bens - cfr. o n.° 1 do art. 272.°, da CRP; função essa que, obviamente, inclui a esfera desportiva (cfr. o n.° 2 do artigo 79.°, da CRP e n.° 2 do artigo 3.° da LBAFD).

  11. Complementarmente, por razões compreensíveis, é consabido que, para além da responsabilidade do Estado, no quadro do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança, impedem sobre o organizador da competição, os promotores dos espectáculos desportivos e os proprietários dos recintos deveres de formação e de vigilância sobre adeptos, de modo a evitar o recurso por parte destes a práticas antidesportivas. Esses deveres estão plasmados, designadamente, na Lei n.° 39/2009, de 30 de Julho (Lei do Combate à Violência, ao Racismo, à Xenofobia e à Intolerância nos Espectáculos Desportivos), no Regulamento de Competições da LPFP (em particular, no Anexo VI) e no Regulamento Disciplinar.

  12. No entanto, como é evidente, esse combate está longe de estar ganho, como o reconhece o Estado, que se prepara para rever a Lei do Combate à Violência...

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