Acórdão nº 1354/17.5BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução18 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O Centro Hospitalar de Setúbal, EPE e a R........, Lda.

, devidamente identificados nos autos, vieram, cada um por si, interpor recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 30/05/2018, que no âmbito da ação administrativa instaurada pela R........, Lda.

contra o Centro Hospitalar de Setúbal, EPE, julgou a ação totalmente procedente e condenou o Réu a pagar à Autora o montante das faturas no valor de € 558.680,33, descontando a quantia de € 5.140,94, acrescidas dos juros de mora, no valor de € 4.071,48 correspondentes ao período entre 01/08/2017 e 09/09/2017 e a pagar juros vincendos até integral pagamento, mais condenando o Réu ao pagamento das respetivas custas.

* Formula o Réu, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “A.- A sentença, sob recurso condena o réu ora recorrente a pagar à autora juros de mora à taxa comercial no valor de € 4.071,48 e os vincendos à mesma taxa até integral pagamento.

B).-Tal decisão tem como fundamento de direito o disposto no Dec.-Lei 62/2013 artºs 5º nº 4 e 5º.

C).- O recorrente ao abrigo do disposto na Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso das Entidades Publicas (Lei 8/2012 de 21 de Fevereiro) veio alegar que a assunção de qualquer obrigação de pagamento depende da de compromisso nos termos do nº 3 do artº 5º da citada lei, o que relativamente aos juros não ocorreu; D).- Pelo que nos termos do nº 3 do artº 5º da Lei 8/2012 in fine a obrigação do seu pagamento é nula, não podendo proceder ao peticionado pagamento, nem a requerente reclamar o mesmo pagamento nos termos do nº 1 do artº 9º da mesma Lei E).- Tal matéria não foi objecto de apreciação no saneador sentença, o que integra nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da al. d) do nº 1 do artº 615º do CPC.

F).- Com efeito, por força do estatuído no artº 660º do CPC a sentença deve apreciar todas as questões de fundo ou de mérito que, no caso o Réu, suscite quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado e que agora em sede de recurso deve ser objecto de apreciação.

G).- Perante o disposto na Lei 8/2012 de 21 de Fevereiro- Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso das entidades Publicas, a não emissão de compromisso relativamente aos juros a obrigação do seu pagamento é nula, não pode o recorrente proceder ao peticionado pagamento, nem a autora reclamar o mesmo pagamento.

H).- O Decreto-Lei 62/2003, no seu artigo 2º nº 3 al. b) dispõe que o presente diploma não prejudica as regras relativas à assunção de compromissos e aos pagamentos em atraso das entidades publicas nos termos da Lei 8/2012 e demais legislação complementar pelo que, a aplicação das disposições do regime de compromissos se sobrepõe ao disposto no citado decreto-lei em matéria de juros; I).- Assim o recorrente encontra-se obrigado ao cumprimento das condições previstas em tal regime e só ao abrigo de tais regras pode a autora reclamar do réu os juros.

J).- A sentença recorrida na sua decisão violou, pois o nº 3 do artº 5º e nºs 1 e 2 do artº 9º , Lei 8/2012 de 21 de Fevereiro e o artigo 2º nº 3 al. b) do Decreto-Lei 62/2003.

L).- Não havendo compromisso emitido, a obrigação do pagamento e juros é nula, pelo deve o réu ora recorrente ser absolvido do pedido relativamente ao pagamento dos peticionados juros no valor de € € 4.071,48, como é de Justiça.”.

* Notificada a Autora, ora Recorrida, veio contra-alegar o recurso, assim tendo concluído: “A.

No recurso interposto pelo Centro Hospitalar de Setúbal, EPE, vem impugnado o saneador-sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, com data de 30.05.2018, na parte dispositiva do mesmo referente à condenação em juros de mora vencidos e vincendos, por o Recorrente considerar que, por um lado houve omissão de pronúncia e, por outro, erro de julgamento.

B.

Compulsado o teor do Despacho Saneador-Sentença, é evidente que foram apreciadas e decididas todas as excepções e questões do Recorrente, aliás, na parte referente à decisão do direito, o Tribunal a quo fez uma detida leitura e aplicação dos preceitos legais, pois não só elencou todas as bases jurídicas que permitem indeferir a posição expressa pela Recorrente, como responde textualmente à sua posição dizendo que a mesma não colhe, indicando que a legislação nacional, influenciada pela legislação comunitária, é clara na imposição de juros de mora e cita, anteriormente, a legislação nacional que determina que a obrigação de pagamento de juros não possa ser afastada ou condicionada, designadamente por outra legislação, regulamentação ou decisões das entidades públicas, menos ainda pelas próprias devedoras-incumpridoras, como quer fazer consagrar o Recorrente inadimplente.

C. A decisão judicial está, pois, fundamentada e bem fundamentada, com o que nenhuma violação do dever de omissão existe. Apenas se verifica a omissão de pronúncia quando as últimas não sejam respondidas em absoluto, e não quando os primeiros não tenham resposta individualizada.

D. In casu, o juiz apreciou e decidiu a questão sobre a existência e exigibilidade dos juros de mora formulada pela Recorrida, e contestada pelo Recorrente, sem aplicar as regras jurídicas que este último entendeu serem aplicáveis, ou seja, a Lei dos Compromissos, mas isso não significa que estamos perante um caso de nulidade por omissão de pronúncia. Apenas que o juiz, no âmbito dos seus poderes, entendeu aplicar regras de direito diversas das invocadas pelo Recorrente para decidir a questão colocada.

E. O Recorrente vem ainda alegar que não pode proceder ao pagamento do montante devido a título de juros de mora por não existir um compromisso e que, sem esse mesmo compromisso, a obrigação de juros de mora é nula e a Recorrida não pode exigir o seu pagamento, cfr. o disposto no artigo 5.º, n.º 3 e artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, da Lei dos Compromissos.

F. O Recorrente quer fazer crer que a existência e exigibilidade da obrigação de juros de mora apenas se constitui após a assunção de compromisso por parte da entidade pública, porém, esses preceitos têm como destinatários os agentes, funcionários e órgãos da Administração e não um Tribunal, e em causa estão juros, direitos gerados por via de uma regra legal que pune a mora, logo, esses preceitos não podem ser aplicados, visto que o dever de prestar juros não nasce de qualquer contrato de fornecimento de bens ou serviços, mas sim do incumprimento da data de liquidação de pagamento dos mesmos.

G. A Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso das Entidades Públicas não determina a inexistência e a inexigibilidade da obrigação substantiva de pagamento de juros de mora, apenas veio estabelecer os procedimentos que as entidades públicas, incluindo as entidades do Serviço Nacional de Saúde têm de observar para cumprir a obrigação de pagamento de capital que se encontram em dívida há mais de 90 dias aos seus fornecedores.

H.

A obrigação do pagamento de juros de mora decorre da Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril, que veio reforçar e clarificar o que já resultava da lei geral, ou seja, que o Estado e demais entidades públicas (onde se incluem as EPE’s), estão obrigados, desde 1 de Setembro de 2010 (embora tal, também já resultasse de legislação anterior), ao pagamento de juros moratórios pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária, independentemente da sua fonte, não se podendo recusar a fazê-lo, e decorre também do Código dos Contratos Públicos, bem como da lei civil supletiva, sendo ainda imposto por instrumentos legais de direito comunitário na origem das normas nacionais.

I.

Assim, não pode o Recorrente vir alegar que o pagamento dos juros de mora não pode ser realizado por uma causa da sua responsabilidade e que apenas a si é imputável, muito menos que a Lei dos Compromissos que visa os pagamentos de bens e serviços também se aplica à obrigação de pagamento de juros que é imposta por outros diplomas não afectados por essa.

J.

O Recorrente alega, sem razão, que o Despacho Saneador-Sentença violou o disposto no artigo 2.º, n.º 3, alínea b), do Decreto-Lei n.º 62/2003, de 10 de Maio, o qual estabelece que este diploma legal não prejudica as regras vigentes na Lei dos Compromissos, porém, tal não significa que os juros de mora não sejam devidos e exigíveis, pois a partir do momento em que o Recorrente se encontra numa situação de atraso no pagamento dos fornecimentos à Recorrida, no âmbito, ou não, da Lei dos Compromissos, os juros de mora são- lhe exigíveis nos termos do disposto na Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril e ainda pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, com remissão para o Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, que aplica a taxa de juro comercial.

K. Atento o exposto, não pode deixar de se concluir no sentido de manifesta ausência de fundamento do Recurso interposto pelo Recorrente.”.

Pede que o recurso seja julgado improcedente, mantendo-se o saneador-sentença recorrido.

* A Autora, ora Recorrente, inconformada, interpôs igualmente recurso, tendo formulado as seguintes conclusões: “A.

Na acção administrativa instaurada pela ora Recorrente, foi requerida a condenação do Centro Hospitalar de Setúbal, EPE, ora Recorrido, no pagamento do valor total de € 675.455,17 (seiscentos e setenta e cinco mil, quatrocentos e cinquenta e cinco euros e dezassete cêntimos), o qual inclui € 112.550,36 (cento e doze mil, quinhentos e cinquenta euros e trinta e seis cêntimos) a título de valores de procuradoria condigna, incluindo todas as custas e todos os honorários que a Requerente suporte com a representação judiciária, incluindo aqueles que pagar aos seus mandatários, conforme admitido na jurisprudência dos tribunais administrativos.

B.

O Despacho Saneador-Sentença proferido em 30.05.2018 julgou totalmente procedente a presente acção, e condenou o ora Recorrido, Centro Hospitalar de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT