Acórdão nº 76/20.4BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelLINA COSTA
Data da Resolução18 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: A....., Lda.

e A....., Lda., devidamente identificadas como Autoras nos autos de acção de contencioso pré-contratual, instaurados contra o Centro Hospitalar do Algarve, E.P.E.

e R....., Lda., B....., Lda., I..... (I.....), S.A. e S....., Lda., na qualidade de contra-interessadas, inconformadas, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 14.8.2020, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que decidiu julgar a acção improcedente e, em consequência, absolveu a entidade demandada dos pedidos.

Na acção as ora Recorrentes peticionaram: «a) ser declarado nulo, ou caso assim não se entenda, anulado o Contrato para Fornecimento de Reagentes ao Centro Hospitalar do Algarve E.P.E. (Doc. 1).

  1. ser a Entidade Demandada condenada a praticar ato administrativo consubstanciado na declaração de caducidade da adjudicação da proposta das Contrainteressadas R....., B..... e I.....; c) ser a Entidade Demandada condenada a praticar ato administrativo, no qual, simultaneamente i) determine a exclusão da proposta da Contrainteressada S..... e ii) adjudique a proposta das Autoras.

  2. ser fixado o prazo de 10 dias para o cumprimento das condenações determinadas em b) e c).».

    Nas alegações de recurso as Recorrentes formularam as conclusões que seguidamente se reproduzem: “1.ª Os presentes autos respeitam a um concurso para a aquisição de “Reagentes para a Realização de Química Clínica e Imunoquímica”, desencadeado pelo CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DO ALGARVE, EPE., em que foi adjudicatário o agrupamento constituído pelas Contrainteressadas R.....

    , B.....

    e I.....

    ; 2.ª Não obstante, no “Contrato para Fornecimento de Reagentes ao Centro Hospitalar do Algarve E.P.E”, celebrado a 11/11/2019 na sequência dessa adjudicação, figura como contraente público o CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DO ALGARVE, EPE e como cocontratante, exclusivamente, a R.....

    , LDA. (cfr. Doc. 1 junto com a petição inicial); 3.ª Na sua contestação, as Contrainteressadas R.....

    , B.....

    E I.....

    vieram juntar aos autos um contrato – o “Aditamento a Contrato para Fornecimento de Reagentes ao Centro Hospitalar do Algarve E.P.E” (cfr. Doc. 2 junto com a contestação), celebrado em 19/02/2020 - através do qual a B.....

    E A I.....

    “declaram, para todos os efeitos legais, que se consideram vinculados a todos os termos do Contrato [“Contrato para Fornecimento de Reagentes ao Centro Hospitalar do Algarve E.P.E”, celebrado a 11/11/2019] desde a data da sua celebração”; 4.ª Na sentença recorrida, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra veio reconhecer que o “contrato para fornecimento de bens teria de ser assinado por todos os membros do consórcio, vinculando todos e cada um às prestações a efectuar ao Centro Hospitalar do Algarve no âmbito da execução contratual”; 5.ª Entendeu, contudo, que a invalidade daí resultante ficou sanada com o “Aditamento a Contrato para Fornecimento de Reagentes ao Centro Hospitalar do Algarve E.P.E”, que representa “a aplicação do instituto da ratificação, previsto no artigo 268.º do Código Civil”, considerando que esta norma é aplicável ao caso em apreço porque “o regime previsto no Código Civil é transversal ao ordenamento jurídico e nessa ordem aplicável a todos os negócios, desde que não expressamente afastado por regime especial”; 6.ª Assim, defendendo que o referido Aditamento configura uma ratificação do “Contrato para Fornecimento de Reagentes ao Centro Hospitalar do Algarve E.P.E”, celebrado a 11/11/2019, o Tribunal “a quo” concluiu que “não subsistem assim motivos para considerar que o adjudicatário não tenha comparecido no dia, hora e local fixados para a outorga do contrato, atendendo, desde logo, aos efeitos retroactivos da ratificação”; 7.ª Neste quadro, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra decidiu “que não subsistem fundamentos para a invalidação do contrato que, ratificado, é válido e, consequentemente, a adjudicação não caducou” e que “mantendo-se a adjudicação, ficam prejudicadas as questões referentes à exclusão da proposta apresentada pela S..... e à condenação no acto que adjudique a proposta apresentada pelas autoras”.

    8.ª Sucede que esta decisão – e os pressupostos em que assenta – padecem de um conjunto de erros de julgamento, que justificam que este Tribunal revogue a decisão recorrida; 9.ª Em primeiro lugar, a decisão recorrida erra ao considerar que a circunstância de o “Contrato para Fornecimento de Reagentes ao Centro Hospitalar do Algarve E.P.E” ter sido celebrado apenas pela Contrainteressada R.....

    – e não pode todos os membros do agrupamento de pessoas coletivas que apresentou a proposta adjudicada – configura um vício que pode ser sanado por aplicação do instituto da ratificação do negócio jurídico, previsto no artigo 268.º do Código Civil.

    10.ª A questão do direito aplicável aos contratos que configurem relações jurídicas contratuais administrativas – como é o caso do contrato que é objeto dos presentes autos – é regulada nos artigos 279.º e 280.º do CCP, dos quais resulta que: i) Os contratos administrativos são regidos, em primeiro lugar, “pelas cláusulas e demais integrantes do contrato que sejam conformes com a Constituição e a lei” (artigo 279.º); ii) Quando as cláusulas contratuais não resolvam a questão colocada, será aplicável o regime administrativo geral e, eventualmente, o regime administrativo especial que esteja previsto na Parte III do CCP (artigo 280.º, n.º 1); iii) Se estiverem em causa aspectos não regulados nesses regimes, será então convocada a “demais legislação administrativa ou lei especial” (cfr. artigo 280.º, n.º 4); iv) Se inexistirem outras normas administrativas aplicáveis, haverá que proceder à “aplicação dos princípios gerais de direito administrativo” (cfr. artigo 280.º, n.º 4); e v) Só por fim, num último escalão, de aplicação subsidiária, poderá haver lugar à aplicação, com as necessárias adaptações, do “direito civil” (cfr. artigo 280.º, n.º 4).

    11.ª Não é verdade, portanto, que, como referiu o Tribunal “a quo” o “regime previsto no Código Civil” seja “transversal ao ordenamento jurídico e nessa ordem aplicável a todos os negócios, desde que não expressamente afastado por regime especial”: as normas do direito civil não são aplicáveis primariamente aos contratos administrativos, no sentido em que só deixam de disciplinar estes contratos se existir alguma norma administrativa que expressamente o proíba ou afaste; as normas de direito civil são normas subsidiárias, que ocupam um último patamar de direito regulatório dos contratos administrativos, e que só devem ser convocadas se inexistir, em absoluto, qualquer regra de direito público – seja ele contratual ou geral – que possa ser aplicada; 12.ª Ora, no caso em apreço, essa regra claramente existe: com efeito, a situação jurídica que carece de regulação na situação vertente é, simplesmente, a de saber o que sucede quando, sendo o adjudicatário um agrupamento de pessoas coletivas, no momento da celebração de um contrato administrativo não comparecem todos os membros desse agrupamento (ou um deles com poderes para vincular os restantes); 13.ª Com efeito, a solução jurídica para esta situação está expressamente regulada no direito público, mais propriamente no artigo 105.º, n.º 1, alínea a) do CCP: se o adjudicatário não comparecer no dia, hora e local fixados para a outorga do contrato, por facto que lhe seja imputável (como é o caso), a adjudicação caduca; 14.ª Esta norma afasta em absoluto a possibilidade prevista no artigo 268.º, n.º 1 do Código Civil, que é a de alguém sem poderes de representação celebrar um negócio jurídico em nome de outrem, podendo esse outrem mais tarde ratificar esse negócio para que ele produza efeitos; 15.ª Sabendo a entidade adjudicante que a pessoa que comparece para celebrar o contrato não é o adjudicatário – como sabia o Centro Hospitalar no caso em apreço, pois só a R.....

    compareceu no dia 11/11/2019 para celebrar o “Contrato para Fornecimento de Reagentes ao Centro Hospitalar do Algarve E.P.E” e não invocou estar a representar os restantes membros do agrupamento (cfr. Doc. 1 junto à petição inicial) – aquela entidade adjudicante não podia fazer outra coisa que não declarar a caducidade da adjudicação; 16.ª O que certamente não podia – face ao disposto no artigo 105.º, n.º 1, alínea a) do CCP – era celebrar o contrato com a pessoa que não é adjudicatário – porque este é formado por várias pessoas e a que compareceu não representa todos os membros do agrupamento - e ficar dependente de os restantes membros virem posteriormente (se assim o pretenderem) ratificar o negócio; 17.ª Neste quadro jurídico, o instituto da ratificação – que serve, no direito civil, como uma legitimação superveniente do representante – é evidentemente inaplicável à celebração de contratos administrativos neste contexto, pela simples razão de que a lei não admite que o contraente público (e a prossecução do interesse coletivo prosseguido pelo contrato) fiquem submetidos a essa eventual legitimação superveniente, ou seja, não admite que esses contratos sejam celebrados vinculando apenas parte dos membros do adjudicatário, quando o adjudicatário seja um agrupamento de pessoas coletivas; 18.ª Em suma, o Tribunal “a quo” considerou, e bem, que o “contrato para fornecimento de bens teria de ser assinado por todos os membros do consórcio, vinculando todos e cada um às prestações a efectuar ao Centro Hospitalar do Algarve no âmbito da execução contratual”, mas errou claramente ao admitir que, no caso em apreço, o vício decorrente da ausência na data de celebração e falta de assinatura do contrato por todos os membros do agrupamento foi sanado por ratificação através do “Aditamento a Contrato para Fornecimento de Reagentes ao Centro Hospitalar do Algarve E.P.E”, celebrado em 19/02/2020; 19.ª Não sendo aplicável o instituto da ratificação, este Tribunal não poderá deixar de...

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