Acórdão nº 161/21 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução19 de Março de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 161/2021

Processo n.º 316/2020

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vieram A., B. e C., ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do despacho proferido pela Conselheira Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 21 de fevereiro de 2020, que indeferiu os incidentes de reclamação, deduzidos nos termos do artigo 405.º do CPP, por cada um dos aqui recorrentes.

2. Releva, para melhor compreensão, que o presente recurso de constitucionalidade é incidente de processo criminal, nos quais os três recorrentes são arguidos, juntamente com outros.

2.1. Realizado o julgamento, o arguido/recorrente B. foi absolvido da prática, como autor, de um crime de burla qualificada, o mesmo sucedendo ao arguido C., com referência à prática de um crime de burla qualificada e de um crime de abuso de confiança. Por seu turno, o arguido A. foi condenado como autor de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, 218.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do CP, na pena de 5 anos de prisão; de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e e), do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; e de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.ºs 1, alíneas a) e c) e 104.º, n.º 2, alínea a) do RGIT, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, foi o arguido A. condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

2.2. Os arguidos condenados e o Ministério Público recorreram dessa decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnação julgada por acórdão proferido em 16 de outubro de 2019, com o seguinte desfecho, no que aqui releva:

2.2.1. O recurso apresentado pelo arguido A. foi julgado improcedente.

2.2.2. O recurso apresentado pelo Ministério Público, tendo como objeto o juízo de absolvição do arguido B., foi julgado parcialmente procedente, sendo alterada a matéria de facto e condenado o arguido pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º e 218.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do CP, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 5 anos, com a sujeição a regime de prova, estipulando-se como condição a entrega ao Estado, em igual prazo, de 200.000,00€.

2.2.3. O recurso apresentado pelo Ministério Público da absolvição do arguido C. foi julgado parcialmente procedente, sendo alterada a matéria de facto e condenado o arguido pela prática de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelo artigo 103.º, n.º 1, alínea c) e 104.º, n.º 1, alíneas a) e g), do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de, em igual prazo, pagar ao Estado a quantia de 10.000,00€.

2.3. Os três arguidos recorreram (em peças autónomas) do acórdão proferido pela relação para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), impulsos que não lhes foram admitidos pela Desembargadora relatora no Tribunal da Relação de Lisboa. Inconformados, deduziram reclamação para o STJ, ao abrigo do artigo 405.º do CPP, as quais, reunidas num único apenso, foram julgadas improcedentes pelos despachos aqui recorridos.

2.3.1. No que se refere à reclamação apresentada pelo arguido A., foi decidido que o recurso por ele interposto não era admissível, face ao disposto nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f) e 432.º, nº 1, alínea b), ambos do CPP, com os seguintes fundamentos:

«5. O arguido apresentou reclamação, nos termos do artigo 405.º do CPP, invocando, no essencial, que ao contrário do que se decidiu no despacho reclamado, no caso, não houve dupla conforme, tendo em conta a divergência na qualificação jurídica levada a cabo pelo Tribunal da Relação, ainda que tenha aplicado, a final, as mesmas penas parcelares e a mesma pena única.

Mais refere, que o Tribunal da Relação ao alterar a qualificação jurídica dos factos provados concluindo que os mesmos preenchem a o crime de falsificação na forma qualificada abrangidos pela previsão do n.º 3 do artigo 256.º do CPP, decidiu em seu desfavor, não tem a natureza de acórdão confirmativo.

Suscita ainda a inconstitucionalidade do artigo 432.º, n.º 1, alínea b) do CPP, por violação do princípio da legalidade em direito processual penal, uma vez que se trata de um recurso de um acórdão da Relação que o condenou na pena de 6 anos e 9 meses de prisão, devendo nesta matéria ter-se em conta os princípios consagrados nos artigos 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1, da CRP, que vedam a interpretação restritiva da na norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP.

6. O critério de admissibilidade do recurso para o STJ reporta-se à pena concretamente aplicada, ou seja, a pena em que o arguido foi condenado na decisão recorrida.

A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432.º do CPP, dispondo a alínea b) do n.º 1 que se recorre “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º“.

E deste preceito destaca-se a alínea f) do n.º 1 que estabelece serem irrecorríveis os “acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de Ia instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

No caso concreto, não afasta a dupla conforme que o referido artigo consagra, com a correspondente irrecorribilidade da decisão, a circunstância de o acórdão em causa considerar o crime de falsificação de documento, pelo qual o arguido fora condenado, como um crime de falsificação de documento qualificado, tendo em conta que manteve a pena parcelar aplicada a este crime e a pena única de 6 anos e 9 meses de prisão que lhe fora aplicada na 1* instância.

O recurso não é, assim, admissível (artigos 432.º, alínea b), e 400º, n.º l, alínea f), do CPP).

7. E esta interpretação está conforme ao artigo 32.º, n.º 1, da CRP, que inscreve o direito ao recurso como uma garantia de defesa do processo criminal, que é de considerar exercido para efeitos constitucionais com o julgamento em segundo grau de jurisdição, como ocorreu no caso dos autos.

E também a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP na interpretação adoptada não desrespeita o princípio da exigência do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), que, pai*a o ser, não implica a admissão do recurso para o tribunal de revista.

8. Por outro lado, o reclamante suscita a inconstitucionalidade do artigo 432.º, n.º 1, alínea b) do CPP, por violação do princípio da legalidade em processo penal.

Ora, o princípio da legalidade, com inscrição constitucional no artigo 29.º, n.º 1 da CRP, é uma norma que se reporta ao direito substantivo, pressupondo a condenação por crime não existente na lei penal ao tempo da prática dos factos, e não a disposições processuais sobre o regime dos recursos.

9. Pelo exposto, indefere-se a reclamação deduzida por A..»

2.3.2 . Por seu turno, quanto à reclamação apresentada pelo arguido B., decidiu-se que o recurso interposto pelo mesmo não era admissível face ao disposto nos artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, nº 1, alínea b), ambos do CPP, nestes termos:

«(...)

5. O arguido apresentou reclamação, nos termos do artigo 405.º do CPP, onde começa por referir os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 353/2020 e 595/2018, concluindo que a jurisprudência deles constante não consubstancia fundamento bastante para que se afaste o direito ao recurso, assim como o disposto no artigo 402.º, n.º 2, alínea a), do CPP, não sustenta qualquer irrecorribilidade de acórdão proferido, para depois invocar, em síntese, os seguintes fundamentos:

- Foi-lhe aplicada a pena de prisão de 4 anos e 8 meses de prisão, tendo o cumprimento da mesma sido suspensa, suspensão que, no entanto, ficou condicionada ao pagamento ao Estado a regime de prova, tendo a referida pena sido aplicada como consequência da condenação pelo Tribunal da Relação após absolvição em 1.ª instância.

- A circunstância de terem sido fixadas condições para a manutenção da suspensão do cumprimento da pena de prisão agrava o risco de posterior revogação da referida suspensão, desde logo, por se encontrar subordinada à condição de pagamento ao Estado de €200.000,00.

- Não pode merecer julgamento favorável quanto à sua conformidade constitucional o entendimento que considere que a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena o arguido em pena de prisão não superior a cinco anos, suspensa na sua execução mediante o cumprimento de obrigações.

- Refere novamente o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 595/2018 para dizer que também nele se equaciona o grau de inovação que a decisão da Relação possa representar, constituindo uma inovação relevante o facto de se condenar o arguido, pela primeira vez em pena de 4 anos e 8 meses de prisão, ainda que suspensa na sua execução.

- Suscita a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 29.º, n.º 1, da Constituição, sem esquecer que, no caso em apreço, sempre resultaria a violação do direito ao recurso e ao direito a ter uma reapreciação do conteúdo da única decisão condenatória proferida, tal como previstas no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.

6. O acórdão da Relação revogou a decisão absolutória da 1.ª instância condenando o arguido em pena de prisão, suspensa na sua execução.

Assim:

O critério de admissibilidade do recurso para o STJ reporta-se à...

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