Acórdão nº 171/21 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução24 de Março de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 171/2021

Processos n.ºs 347/20 e 364/20

Plenário

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Um grupo de 11 deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (ALRAM), do Partido Socialista (PS), veio requerer «a declaração, com força obrigatória geral, de inconstitucionalidade ou ilegalidade do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, alterado pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 85, de 30 de abril de 2020», dando origem ao Proc. n.º 347/2020.

Outro grupo de 6 deputados à ALRAM, do partido Juntos Pelo Povo (JPP), do Partido Socialista (PS) e do Partido Comunista Português (PCP), veio requerer a «declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade e ilegalidade das normas contidas nos artigos 63.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2 e 3 do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M de 30 de abril de 2020», dando origem ao Proc. n.º 364/2020.

2. O pedido formulado no Proc. n.º 347/2020 tem o seguinte teor:

«I - Enquadramento

Como é sabido, a emergência de saúde pública de âmbito internacional, declarada pela organização Mundial de Saúde, no dia 30 de janeiro de 2020, e a classificação do vírus como uma pandemia, têm motivado a adoção de medidas excecionais e temporárias de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID -19.

A declaração do estado de emergência pelo Presidente da República, conforme previsto no artigo 19.9 da Constituição da República Portuguesa, permitiu a suspensão de direitos, liberdades e garantias protegidas pela Constituição, suspensão, ainda assim, limitada pelos Princípios da adequação e da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

Entretanto, admitindo-se o paulatino levantamento das restrições impostas, esta situação excecional não pode servir de pretexto para que sejam postos em crise outros princípios e normas com assento constitucional.

O Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira foi aprovado pela Resolução da Assembleia Legislativa Regional nº 1/2000/M, de 12 de janeiro, e alterado pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 5/2012/M, publicada no Diário da República, série I, de 17 de janeiro de 2012, pela Resolução da Assembleia Legislativa da Madeira n.9 9/2015/M, publicada no Diário da República n.9 180/2015, Série I de 15 de setembro de 2015 e pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16- A/2020/M, publicada no Diário da República, IA Série, n.º 85, de 30 de abril de 2020.

No seguimento de uma proposta sustentada na pandemia da COVID-19 e na necessidade de adaptação da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira às condicionantes do distanciamento social. O artigo 104.º, sob a epígrafe "requisitos da votação", passou a ter a seguinte redação:

"1 - Salvo nos casos previstos na Constituição, no Estatuto da Região ou no Regimento, todas as deliberações são tomadas à pluralidade de votos, estando presente a maioria do número legal de deputados, na última reunião de cada semana, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 74.º.

2 - As deliberações sem eficácia externa, tomadas sobre aspectos circunscritos à coordenação de trabalhos ou seus procedimentos, são válidas desde que verificado o quórum de funcionamento.

3 - Nas deliberações tomadas nos termos dos números anteriores, não se encontrando presentes todos os Deputados em efetividade de funções, os votos expressos serão contados como representando o universo do respetivo Grupo Parlamentar, sem prejuízo do disposto na parte final do nº3 3 do artigo 106.º..

4 – As abstenções não contam para o apuramento da maioria.

5 – O resultado de cada votação é imediatamente anunciado pela Mesa.”.

De acordo com o artigo 11.º da Lei Eleitoral para a Assembleia da Região Autónoma da Madeira (Lei Orgânica n.9 1/2006, de 13 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.9 1/2009, de 19 de janeiro), o Parlamento tem 47 deputados eleitos num círculo regional único.

Atualmente, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira é constituída por:

21 deputados do PPD/PSD;

19 deputados do PS;

3 deputados do CDC-PP;

3 deputados do Juntos pelo Povo;

1 deputado do PCP-PEV.

O PSD-Madeira e CDS-Madeira assinaram acordo para Governo de Coligação após as Eleições Regionais de outubro de 2019, sustentada numa maioria no parlamento regional.

A agora atual redação do artigo 63.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, que permite que a mesma funcione em reunião plenária, achando-se presente 1/3 dos seus membros. As deliberações são tomadas à pluralidade de votos, estando presente a maioria do número legal de deputados, conforme o n.º 1 do art. 104.º que não sofreu alterações. No entanto, as alterações efetuadas no n.º 3 do art. 104.º permitem que as deliberações sejam tomadas por uma minoria, com os deputados presentes a representar o universo do respetivo Grupo Parlamentar, incluindo os ausentes.

Assim, a título de exemplo, basta que estejam presentes 1 deputado do PSD- Madeira, 1 do CDS-Madeira e 23 dos restantes partidos que compõem a oposição, e que aqueles primeiro votem a favor de alguma proposta, para que a mesma seja aprovada.

Não se pode admitir que a regra geral passe a ser a de que a maioria dos deputados, a quem foram confiadas funções com interesse público, delegue ope legis num deputado o seu papel na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.

Isso seria admitir a função de deputado “nas horas vagas”, em clara distorção das regras que regiam a organização do poder político, em particular, no que toca às Regiões Autónomas.

Seria aproveitar uma situação temporária e excecional para inserir um modo de funcionar duradouro na Assembleia Legislativa, dificilmente alterável, que tornaria a realização da democracia, a vontade popular, um mero formalismo, desprovido de qualquer significado digno de tutela - a dignidade cívica e política da representação parlamentar, em nome do tempo livre da maioria dos deputados a quem cabe o papel de representar a população que os elegeu e a quem o povo incumbiu o desígnio de construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Se necessário é garantir o funcionamento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, enquanto órgão de soberania, e„ concomitantemente, adotar medidas destinadas a evitar o risco de transmissão de COVID-19, necessário é, também, que se garanta o normal funcionamento da democracia, em tempos que, reclamando uma intervenção assertiva do Estado, reclamam um escrutínio rigoroso dessa mesma intervenção, tornando ainda mais importante o papel de deputado - o que a alteração ao Regimento acima referida veio trucidar.

II - A violação do Estatuto-Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira e da Constituição da República Portuguesa

Conforme determina o artigo 232.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, "Compete à Assembleia Legislativa da região autónoma elaborar e aprovar o seu regimento, nos termos da Constituição e do respectivo estatuto político- administrativo".

Ou seja, a elaboração e, bem assim, as alterações do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira conter-se-ão necessariamente dentro de dois limites: o respeito pela Constituição e do respectivo Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

O artigo 231.º da Constituição da República Portuguesa, no seu n.º 7, determina que "O estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos".

Os Estatutos regionais têm de ser aprovados pela Assembleia da República, cabendo a iniciativa dos respectivos projetos às Assembleias Regionais (artigos 161.º alínea b), 164.º, alínea m), 168.º, n.º 6, alínea f), e 226.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).

A Constituição não deixa, assim, margem para dúvidas de que a aprovação dos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas e, bem assim, a alteração dos mesmos, se encontram abrangidos pela competência indelegável da Assembleia da República.

O Estatuto há-de versar sobre os "deveres, responsabilidades e incompatibilidades" dos titulares dos órgãos de soberania e, bem assim, sobre os respectivos "direitos, regalias e imunidades" (artigo 117.9, n.9 2, da Constituição da República Portuguesa).

Há, portando, uma reserva de lei estatutária que abarca as atribuições e o sistema de órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.

O mesmo é dizer que os estatutos são “leis organizatórias” das Regiões com competência material limitada nos termos do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa.

O seu âmbito normativo está estreitamente condicionado por esta natureza: na reserva do estatuto incluem-se as atribuições das Regiões Autónomas (artigo 227.9), a sua definição relativamente a outras pessoas coletivas territoriais (Estado e autarquias locais), formação, composição e estatuto dos respectivos titulares (artigo 231.º, n.º 7, da Constituição da República Portuguesa).

O estatuto dos deputados regionais da Madeira - único que agora importa considerar - consta, de facto, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, com as alterações introduzidas pelos seguintes diplomas: Leis n.ºs 130/99, de 21 de agosto, e 12/2000, de 21 de junho (artigos 20.º a...

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