Acórdão nº 4195/19.1T8ALM.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Março de 2021
Magistrado Responsável | NÉLSON CARNEIRO |
Data da Resolução | 25 de Março de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. RELATÓRIO NUNZIA …intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra GAB… OLIVEIRA…, pedindo a condenação deste no pagamento de uma indemnização no valor de € 90 000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo e integral cumprimento.
Foi proferida sentença que condenou o réu a pagar à autora uma indemnização por danos não patrimoniais, resultantes da violação de deveres conjugais, no valor de € 1000,00 (mil euros), acrescida de juros de mora, contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento, à taxa legal.
Inconformada, veio a autora apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentou as seguintes CONCLUSÕES[3]: 1. A Recorrente não se conforma que o R. tenha apenas sido condenado a pagar à A. uma indemnização no valor de € 1000,00, manifestamente aquém dos danos efetivamente sofridos pela Recorrente.
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Ressalta da matéria de facto provada que o R. proferiu diversas expressões e acusações ofensivas da honra e consideração da A. (factos provados n.º 6, 15, 16); violou integridade física da A. (facto provado n.º 19); o dever de fidelidade (factos provados n.ºs 10 e 13); utilizou linguagem imprópria para com a A. (factos provados n.º 8, 20 a 24) e perturbou o direito ao descanso e sossego da A., violentando-a psiquicamente, ao mudar a fechadura da casa de morada de família e ao cortar os serviços essenciais, para que fosse obrigada a abandonar a casa de morada de família (factos provados n.º 14, 17, 18, 26 a 29).
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Estes últimos dois factos foram praticados pelo R. (em 04 de março de 2019 e 07 de maio de 2019) bem sabendo que a A., já havia requerido, no âmbito da ação de divórcio, a atribuição da casa de morada de família, conforme resulta da prova documental junta aos autos, pelo que o facto provado n.º 37 deverá ser alterado, passando a ter a seguinte redação: “pelo menos desde janeiro de 2019 que A. requereu, na ação de divórcio, a atribuição da casa de morada de família, sendo em 21.05.2019, a A. instaurou, por apenso à ação de divórcio, um incidente de atribuição de casa de morada de família, o qual não tem ainda decisão final” 4. Tal alteração é relevante pois permite acentuar o grau de ilicitude dos comportamentos do R. que, bem sabendo da pendência do pedido de atribuição da casa de morada de família formulado pela A. (onde residia com a filha), e sem aguardar a respetiva decisão judicial, não se coibiu de cortar os serviços essenciais de água e eletricidade e, posteriormente, de mudar as fechaduras da casa de morada de família.
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Condenar o R. a pagar à A. uma indemnização no valor de € 1000,00, perante os diversos comportamentos demonstrados nos autos, remete os direitos da A. para segundo plano e leva a crer, salvo o devido respeito, que o douto Tribunal fez tábua rasa das considerações que inicialmente teceu acerca dos deveres conjugais, em especial do dever de respeito.
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Não poderá merecer acolhimento a tese do Tribunal de que apenas os factos constantes dos pontos 6, 16 e 19 da matéria de facto provada são aptos a fundar a responsabilidade do R.
pois todos os demais comportamentos, igualmente provados, acabam por conduzir a uma violação dos direitos de personalidade/direitos absolutos da A., corporizando, designadamente, ofensas à sua integridade física e moral, ofensas ao seu bom nome e violações do direito de respeito.
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Ou seja, os comportamentos que, nos termos da douta Sentença, são imputados ao R. no plano da violação dos deveres conjugais, não deixaram de ter impacto e de ser lesivos da integridade psíquica da A., inscrevendo-se, portanto, também, na esfera da tutela dos seus direitos de personalidade.
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Deste modo, e ainda que se adira à tese do douto Tribunal, de que apenas há direito a indemnização quando o direito conjugal ofendido coincidir com um direito de personalidade, todos os comportamentos praticados pelo R. caem nesta condição.
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De qualquer modo, e mesmo que assim não se entenda, a verdade é que salvo melhor opinião, esta exigência não decorre do regime legal (artigos 1792.º e 483.º do Código Civil).
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Deste modo, a violação de deveres relativos aos cônjuges, como seja a violação do dever de fidelidade, igualmente evidenciado nos presentes autos, também está acoberto do citado regime legal, independentemente dessa violação constituir simultaneamente uma violação dos direitos de personalidade.
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Face ao exposto, e ao decidir como decidiu, a sentença recorrida amputou à A. o direito de ser integralmente ressarcida pelo que considerou ser violador dos seus direitos, sejam direitos de personalidade absolutos, sejam os direitos conjugais que não podem deixar de merecer a tutela do direito.
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Por conseguinte, pelos comportamentos desrespeitosos da sua integridade física e moral assumidos pelo R. e a violação pelo mesmo dos deveres conjugais, deve a A. ser indemnizada, pelos danos não patrimoniais sofridos, na quantia de € 30 000,00, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 483.º do CC.
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A decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente o disposto no artigo 1792.º, bem como os artigos 483.º e 496.º, ambos do Código Civil.
Nestes termos e no demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência, ser parcialmente revogada a douta Sentença, devendo o R. ser condenado a pagar à A. uma indemnização no valor de € 30 000,00, só assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA! O réu não contra-alegou.
Colhidos os vistos[4], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[5],[6] Emerge das conclusões de recurso apresentadas por NUNZIA…, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões: 1.) Reapreciação da matéria de facto.
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) Saber se a responsabilidade civil entre cônjuges decorrente do art. 1792º/1, do CCivil, abrange a responsabilidade contratual por violação dos deveres conjugais, ou, apenas a responsabilidade extracontratual decorrente da violação de direitos de personalidade.
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FUNDAMENTAÇÃO 2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA[7] 1. A A. e o R. contraíram casamento entre si, no dia 25.04.1993, sob o regime da separação de bens.
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O R. intentou ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, a qual correu termos sob o nº …/18.3T8ALM, no Juízo de Família e Menores de Almada, tendo sido julgada procedente por Sentença proferida a 25.03.2019.
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No dia 22.08.2017 o R. saiu da casa de morada de família.
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Desde essa data A. e R. nunca mais voltaram a coabitar, comer, dormir juntos ou a conviver como marido e mulher.
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Em julho de 2014 o pai da A. faleceu, e esta viajou para Itália, a fim de assistir ao serviço fúnebre, e quando regressou a Portugal o R. não lhe deu as condolências.
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Com frequência o R. dirige-se à A. nos seguintes termos: “badameca, meia-leca, não mprestas para nada”.
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Por volta de abril de 2017, o R. continuou a fazer refeições em casa, mas dormia todas as noites fora, no outro apartamento de que é proprietário e que se situa no mesmo prédio e andar da casa de morada de família.
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A A. e a filha C…viajaram para Itália em julho de 2017 e quando regressaram a Portugal, a 19 de agosto, o R. foi buscá-las ao aeroporto, não dizendo uma única palavra durante todo o trajeto até casa, e aí chegados, quando a filha estava a dar de comer ao gato, o R. disse “que nojo, que nojo”.
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Nessa noite a A. recebeu um SMS do R.
[8], com o seguinte teor: “Boa noite amor. Falei, disse e conversei. Tudo muito cordato. Amanhã conto-te. 1 bj e mão cheia. xxx”; 11. O R. queria enviar tal SMS a outra pessoa, mas enganou-se e enviou-o à A..
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A A. veio a saber, pouco tempo depois, que o R. vem mantendo uma relação extraconjugal com uma pessoa com quem é visto em público.
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No dia 22.08.2017, a A. teve uma conversa com o R., dizendo que não o queria em casa nestas condições e que deveria sair.
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O R. entrou na casa de morada de família por mais do que uma vez e retirou objectos desta, tal como a almofada da cama do casal e a aparelhagem de música.
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O R. perdeu as chaves da casa onde mora agora e veio ter com a A. a dizer que as tinha roubado, perdeu a cópia das chaves do carro e veio ter com a A. a gritar, sendo que depois as encontrou no bolso das calças, na máquina de lavar roupa.
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Numa conversa com a filha Chi..., referindo-se à A., o R. afirmou que “as prostitutas são mais honestas, porque pedem o dinheiro no início, não no final”.
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Em março e abril de 2018, o R. entrou por diversas vezes na casa de morada de família, de onde retirou todos os quadros.
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O R. disse que prefere incendiar a casa de morada de família, do que permitir que a A. e a filha lá permaneçam.
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Em data não concretamente apurada, durante o primeiro semestre de 2017, o R. deu um pontapé à A., com o pé descalço, atingindo-a na zona dos glúteos.
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No dia 23.05.2018, a A. ligou ao R. por volta das 20 horas, pedindo que lhe desse o cartão da ADSE da filha, que se encontrava doente, para se poderem deslocar ao Hospital.
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O R. respondeu que daria o cartão no dia seguinte, mas a A. insistiu que dada a gravidade da situação pedia que fosse ter com ambas ao Hospital Garcia de Orta.
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O R. foi ter à casa de morada de família, bastante exaltado, e começou a gritar “foda-se, foda-se”.
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A A. chamou um médico, que demorou duas horas a chegar, e durante este tempo, o R. continuava a gritar com a A., dizendo “dá-me o telefone que vou ligar ao médico outra vez, esta merda não pode ser assim». Quando o médico chegou, concluiu que se tratava de uma infeção na garganta e receitou um medicamento, que o R. foi, de imediato, comprar à farmácia.
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O R. retirou da mesma casa todos os talheres, deixando apenas 2 garfos, 2 colheres e 2 facas.
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No dia 04.03.2019, o R. mandou cortar a eletricidade e a água da casa de morada de família, onde residem a A. e sua filha Chi..., e no dia 27 desse mês fez o mesmo quanto ao gás.
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O objetivo do...
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