Acórdão nº 371/16.7PBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelJ
Data da Resolução22 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO: Nos presentes autos com o n.º 371/16.7PBGMR realizou-se instrução, por requerimento do assistente S. P.

, na sequência de decisão instrutória que não pronunciou a arguida M. M.

da prática de um crime um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148.º, n.º 1, do Código, Penal, incorrendo ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal, conforme acusação deduzida pelo Ministério Público.

*Inconformado com tal despacho de não pronúncia, o assistente interpôs o presente recurso, rematando a motivação com as conclusões, que a seguir se transcrevem.

2 – CONCLUSÕES 1ª Vem o presente recurso interposto da decisão instrutória que decidiu pela não pronúncia da arguida M. M. pela prática do crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível pelo artigo 148º n.º 1 do Código Penal.

2ª A decisão recorrida desvalorizou erradamente o auto de participação do acidente, as declarações do agente autuante e o relatório pericial quanto à dinâmica do acidente.

3ª É fora de dúvida que o agente policial que acorreu ao local do acidente e subscreveu aqueles elementos de prova, ao longo do processo retificou impressões e medições. Mas também é verdade que forneceu amplas e detalhadas explicações sobre tais alterações, ao contrário do que a decisão instrutória propugna.

4ª De facto, aquele agente procedeu a retificações quer no posicionamento do ponto inicial de embate do veículo (alterando-o duma via da faixa de rodagem para a outra), quer na distância do ponto 3 (mancha de sangue deixada no local pelo peão atropelado), alterando-a de 7,71 metros para 18,36 metros).

5ª Na verdade, tendo sido chamado à atenção para a incorrecção do auto de participação do acidente, o agente autuante, conforme o seu depoimento supra transcrito que aqui se dá por integralmente reproduzido, consultou os seus rascunhos do dia do acidente e corrigiu o referido auto, sendo certo que tal incorrecção decorria de o agente em causa ter feito copy paste de um anterior auto de acidente.

6ª Da consulta das folhas de medição por coordenadas cartesianas constantes de fls. 89 e de fls. 191, verifica-se facilmente, através da retificação operada, que na rubrica “outras medições de interesse” continua a haver 7 (sete) nºs, sendo que as “folha(s) de jornal aberta(s) no pavimento”, subiram um número para cima (na respectiva ordem) e que a “mancha de sangue no pavimento no local onde se imobilizou o peão atropelado” passou do nº 2 para o número 7, ou seja para o último número, ou último lugar, assim respeitando o croquis desenhado onde a mancha de sangue aparece indicada mais à direita no mesmo esboço (e portanto sempre a maior distância do que as folhas de jornal).

7ª Partindo do pressuposto que o referido auto se encontra errado, a decisão recorrida enveredou pela tese de que o primeiro impacto do peão no automóvel terá sido na parte esquerda do veículo, daí tendo sido projectado para o lado frontal direito onde produziu os danos descritos in item 18 dos factos indiciados.

8ª Ora, a verdade é que a viatura não apresenta nenhuma marca visível de impacto na sua parte frontal esquerda, para tanto bastando confrontar as fotografias do veículo constantes do relatório fotográfico de fls 39 e ss (cfr. Fotos 12 e 13 de fls.), quer ainda o Relatório de Peritagem da Seguradora ... de fls 98 e ss, onde não consta qualquer indicação de dano naquele lado da viatura (cfr. designadamente a Folha “Final de Reparação” de Fls 100, parte de localização de danos e o relatório fotográfico minucioso de fls 101 a 103).

9ª Mais, a fotografia inferior direita de fls. 103 (para choques da zona frontal direita) permite concluir, por se visualizar claramente a existência de um dano aí patente, permite concluir que esse terá sido o ponto inicial da colhida do peão.

10ª Acresce ainda que se se constatar, como aliás foi dado como provado, que a colhida do peão ocorreu quando este já tinha percorrido 1,5 metros da passadeira, para que o impacto inicial ocorresse na parte esquerda frontal do veículo, este teria que circular no meio das duas vias e não na via da esquerda, atendendo que cada uma das vias de circulação tem menos de 2,9 metros (cfr. item 2 onde se refere haver duas de vias de trânsito e que a faixa de rodagem tem uma largura de 5,80 metros). Tal circunstância (circulação a meio das 2 vias) não foi dada como provada, pelo que a percepção do agente / testemunha não é de todo errada, antes saindo reforçada a sua credibilidade.

11ª Por outro lado, não é verdade, ao contrário do que se diz na decisão recorrida que o agente em causa não tenha apresentado qualquer explicação concreta para a troca dos valores referentes às distâncias, uma vez que o agente em causa, como acima se referiu deu uma concreta explicação para o sucedido.

12ª Do depoimento do referido agente e também do depoimento do médico H. F. supra transcritos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos se constata que nenhuma outra mancha de sangue existia no pavimento que não a assinalada no croquis.

13ª Acresce ainda que não se percebe em que é que a circunstância de ter apresentado “um novo ponto de conflito, agora mais próximo do separador central, indo de encontro às declarações prestadas pela arguida e pelas testemunhas inquiridas nesta fase da instrução” (cfr. decisão – pag 13) possa representar uma incorrecção ou incongruência, uma vez que decisão não explica, nem desenvolve.

14ª Deveria, assim, a decisão recorrida ter valorado o auto de participação do acidente.

15ª Da mesma forma, a decisão recorrida desvaloriza por completo o relatório pericial realizado pelo assistente convidado do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade do Minho, indicado pela Escola de Engenharia do Departamento de Mecânica da mesma Universidade (cfr. fls 221).

16ª Como se pode ver do despacho de fls. 181 ao perito foram fornecidos todos os elementos constantes dos autos, designadamente fls. 19 (auto de denuncia), 22 (auto de participação de acidente), 23 (croquis), 31 (Inquirição da testemunha C. P.), 35 (auto de interrogatório da arguida), 39 a 49 (relatório fotográfico do agente autor da participação do acidente), 52 a 54 (Inquirição do assistente/ofendido), 98 a 120 (relatório de Peritagem e fotografias da viatura da Seguradora ...), 123 a 177 (informação clínica hospitalar sobre o assistente).

17ª Começa a decisão por dizer que: “importa salientar, porém, que para a obtenção do resultado apurado com recurso ao método do dano em função da velocidade utilizou o Sr. Perito a informação de que o impacto (único) ocorreu no canto superior direito da viatura”, para depois referir que “conforme se extrai das declarações da arguida, do depoimento da testemunha C. C. (cfr. fls. 31 e 150), dos esclarecimentos prestados pelo Agente autuante a fls. 188/189 e do segundo croqui apresentado nos autos, o impacto do veículo com a vítima ter-se-á dado no lado frontal esquerdo, sendo os danos visíveis na viatura explicados pela projecção do corpo.” (cfr. pag. 15 da decisão instrutória), sendo ainda que o impacto do lado direito não se mostra conforme com o ponto de impacto identificado no segundo croquis (cfr nota 12 de rodapé da decisão recorrida).

18ª Ora, no Relatório pericial não consta a expressão impacto único que teria ocorrido no canto superior direito da viatura.

19ª Ao contrário do que refere a decisão instrutória, o relatório toma em conta um impacto no capot (que vem evidentemente a seguir ao impacto no para–choques), sendo que o seu inferior comprimento é utilizado para diminuir a velocidade apurada (cfr. fls. 235).

20ª A afirmação constante da decisão de que o impacto do veículo com a vítima ter-se-á dado no lado frontal esquerdo, não tem apoio algum nos autos quer no que respeita às declarações prestadas pelo agente autuante, quer no segundo croquis que apresentou, quer no depoimento da testemunha C. P., quer ainda e decisivamente nas fotografias tiradas ao veículo no dia do acidente e que não foram postas em nenhum momento em causa.

21ª As incongruências que se apontam ao relatório pericial são inexistentes. Na verdade, o que se faz na decisão recorrida é lançar mão dos depoimentos da arguida e das testemunhas inquiridas, que apresentam versões incompatíveis, com a distância utilizada naquele método de cálculo de velocidade (designadamente quanto ao corpo ter ficado perto ou na passadeira).

22ª O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, pelo que relativamente ao relatório pericial “qualquer divergência relevante não se basta com uma apreciação genérica e pouco consistente, sob pena de se incorrer numa inadmissível valoração subjectiva ou na falta de fundamentação.” (António Henriques Gaspar, Código de Processo Penal Comentado. Coimbra : Almedina, 2014, p. 685).

23ª As objecções e cogitações levantadas na decisão instrutória e supra descritas não têm o nível ou valor cientifico, ou mesmo técnico equivalente ao da perícia realizada, como aliás se alcança supra no item análise do relatório pericial da decisão instrutória.

24ª Por outro lado, se efectivamente o Juiz de Instrução tinha dúvidas quanto às conclusões da perícia deveria ter chamado o perito a prestar esclarecimentos ou pedir a realização de nova perícia, nos termos do disposto nos 288º, nº 1 e 4, 289º, nº 1, 291º, nº 1 e 299º, nº 1 do Código de Processo Penal, mas nunca substituir o juízo pericial pelo seu próprio juízo sem que este se alicerçasse em bases no mínimo coincidentes com aquelas que fundaram a perícia.

25ª Independentemente dos atos de instrução em causa não serem obrigatórios no sentido formal do termo (pedido de esclarecimentos ou segunda perícia), uma vez que a lei, entre os actos de...

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