Acórdão nº 136/21 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução19 de Março de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 136/2021

Processo n.º 1076/2020

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 11 de novembro de 2020.

2. Pela Decisão Sumária n.º 36/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«5. O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade da norma «resultante da interpretação extraída do Art.º 401.º, n.º 1, al. b) do CPP, e as normas que lhe sejam consequentes ou dela decorram, por referência ao interposto recurso que antecede, como sejam o Art.º 414.º, n.º 2, Art.º 417.º e Art.º 420.º, n.º 1, al. b), do CPP, com a interpretação conjugada com que foram aplicadas no Acórdão recorrido, segundo a qual a legitimidade para recorrer pressupõe e limita-se à posição de arguido, nunca à de suspeito, e ainda que substancialmente a posição do recorrente nos autos evidencie ser a de arguido, assemelhe-se à de arguido, aliás, em rigor é pior do que a de arguido, e, simultaneamente, não admitir a interposição do recurso».

Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

No caso vertente, é manifesto que tal requisito não se mostra preenchido.

Ao analisar os pressupostos processuais do recurso interposto pelo ora recorrente do despacho do Juiz de Instrução Criminal, designadamente a legitimidade para recorrer, o Tribunal da Relação de Lisboa enquadrou a questão unicamente na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 401.º do Código de Processo Penal − «aqueles […] que tiverem a defender um direito afetado pela decisão» −, por ser um dado adquirido que o recorrente não tem a qualidade de arguido no processo em que o presente recurso se inscreve. Assim, o Tribunal a quo não aplicou, como ratio decidendi, qualquer norma extraível, singular ou conjugadamente, do artigo 401.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal. Também não considerou, em passo algum da decisão, que o ora recorrente tivesse neste processo uma posição de suspeito ou por qualquer forma equivalente à de arguido, desde logo porque não apreciou nem se pronunciou sobre o conteúdo da atividade investigatória que o Ministério Público estará a conduzir no inquérito pendente e respetivos intervenientes ou visados. Para considerar que o recorrente não tinha legitimidade para recorrer da decisão do Juiz de Instrução Criminal relativa à competência para decidir da devolução dos documentos em causa, o Tribunal da Relação aplicou apenas a norma do artigo 401.º, n.º 1, alínea d), segunda parte, do Código de Processo Penal, entendendo que a decisão em causa não afetava qualquer direito do recorrente.

Tal obsta ao conhecimento do objeto do recurso, nesta parte, justificando a prolação da presente decisão sumária, segundo o previsto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

6. O recorrente pretende também a apreciação da constitucionalidade da norma «resultante da interpretação extraída do Art.º 48.º, Art.º 53.º, n.º 2, al. b), Art.º 263.º, Art.º 264.º, Art.º 267.º, a contrário sensu,, Art.º 17.º, Art.º 86.º, n.º 7, Art.º 186.º, Art.º 268.º, Art.º 269.º, Art.º 278.º, Art.º 279º, todos do CPP, na concreta interpretação e aplicação que daqueles preceitos foi efetuada nos autos, de acordo com a qual, estando o inquérito encerrado / arquivado relativamente ao ora recorrente, é ao Ministério Público que cabe a competência para decidir da restituição ao ora recorrente da documentação bancária e fiscal recolhida como meio de prova no âmbito do inquérito então em curso e, simultaneamente, ao abrigo do disposto no Art.º 401.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do CPP, não admitir a interposição do recurso».

De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que deve ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Requisito que também não se pode dar como verificado nos presentes autos quanto a esta norma. De facto, na reclamação para a conferência, apresentada na sequência da decisão sumária da relatora no Tribunal da Relação de Lisboa, e que originou a prolação do acórdão de que ora se recorre, o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, mormente reportada aos preceitos legais indicados. E também não o fez na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, nem tampouco na resposta ao parecer do Ministério Público junto desse Tribunal.

A não verificação do requisito da suscitação prévia de uma questão de inconstitucionalidade normativa obsta ao conhecimento do objeto do recurso, neste segmento, justificando-se a prolação da presente decisão sumária, segundo o previsto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.»

3. De tal decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, apresentando a seguinte argumentação:

«A., recorrente nos autos em epígrafe, notificado da douta Decisão Sumária n.º 36/2021, de 12 de janeiro de 2021, que decidiu, ao abrigo do n.º 1 do Art.º 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do presente recurso, por não verificação de pressupostos de admissibilidade, dela vem, respeitosamente, no uso da faculdade prevista no n.º 3 da referida norma, apresentar

RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA

o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

I. A questão a decidir nestes autos é simples, designadamente, por a mesma já ter sido objeto de decisão anterior desse mui douto Tribunal, concretamente, no Acórdão n.º 228/2007 e no Acórdão n.º 428/2008. publicados no Diário da República, respetivamente, n.º 189/2008. Série II de 2008-09-30 e n.º 99/2007, Série II, de 2007-05-23. destacados, aliás, pelo reclamante nos (cinco) requerimentos que antecederam o despacho do JIC e sobre o qual veio a recair o Acórdão do TRL de 11 de novembro de 2020, que sabe disso, e ao abrigo dos quais, como está bom de ver, tudo ponderado, para o caso em questão nos autos, que, em síntese, é o seguinte:

Poderá o reclamante, estando o inquérito penal arquivado, absolvido que foi da presente instância, em consequência do trânsito em julgado do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) de 02 de junho de 2016, proferido no proc. nº 208/13.9TELSB- D.LL aliás, por forca do douto despacho da Exma. Sra. Juíza Conselheira Relatora proferido no âmbito dos autos de recurso interposto pelo Ministério Público (proc. nº 857/16 -3a secção) -«...Transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida...» (n.º 4 do Art.º 80.º da LTC);

e com a consequente cessação do segredo de justiça (no dia 5 de novembro de 2016), interno e externo (cfr. despacho judicial de fls. 2691), atenta a inconveniência que a publicidade pode trazer pelas imputações falsas e especulação, por vezes abusiva e sensacionalista dos meios de comunicação social, suscetíveis de lesar o direito do reclamante à (efetiva) presunção de inocência (Art.º 32.º, n.º 2 da CP - redação idêntica ao n.º 2 do Art.º 67.º da CRAngolana), e ao seu bom nome e reputação que, como sabemos, é também manifestamente indispensável à imagem, credibilidade e consideração das empresas que representa(va) em Portugal, junto dos seus parceiros e do público em geral (Art.º 26.º, n.º 1 da CRP - redação semelhante ao n.º do Art.º 32.º da CRA - e Art.º 180.º do CP - semelhante redação ao Art.º 199.º do CP Angolano);

requerer, ao abrigo do Art.º 86.º, n.º 7 do CPP - «...A publicidade não abrange os dados relativos à reserva da vida privada que não constituam meios de prova. A autoridade judiciária especifica, por despacho, oficiosamente ou a requerimento, os elementos relativamente aos quais se mantém o segredo de justiça, ordenando, se for caso disso, a sua destruição ou que sejam entregues à pessoa a quem disserem respeito...» (sublinhado nosso) - a restituição dos documentos bancários e fiscais que, na sequência do despacho do Mmº Juiz de Instrução Criminal (JIC) de quebra do sigilo bancário e fiscal determinada a fls. 465/466, foram recolhidos no âmbito da investigação, que lhe dizem respeito, e às empresas que representa(va) em Portugal, que integram designadamente referências expressas a contas bancárias, extratos bancários, comprovativos de transferências bancárias, e erigidos como portadores da reserva da sua vida privada/familiar/comercial, bem como daquelas empresas.

E citando o Conselheiro Benjamim Silva Rodrigues, no referido Acórdão n.º 428/2008 deste Tribunal Constitucional (TC): «...Enquanto não for concluída a análise dos elementos bancários e fiscais, em termos de poder ser apreciado o seu relevo e utilização como prova, ou, pelo contrário, a sua destruição ou devolução, nos termos do artigo 86.º, n.º, do CPP, o segredo relativo a esses elementos e documentos mantém-se; no mínimo até à dedução da acusação e, no limite, até à extinção...do procedimento criminal...»,

e conclui «Assim sendo, impõe-se que o titular da investigação criminal nem sequer...

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