Acórdão nº 144/21 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução19 de Março de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 144/2021

Processo n.º 237/2020

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Juízo Central Criminal de Coimbra – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, em que é recorrente o Ministério Público e recorridos A., B., C., D., E., F. e G., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do acórdão, datado de 27 de novembro de 2019, proferido por aquele Tribunal, que, entre o mais, recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, do artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal, e, em consequência, absolveu os ora recorridos da acusação da prática do crime de lenocínio que lhes foi imputado.

2. O requerimento de interposição do recurso tem o seguinte teor:

«O Ministério Público não se conformando com o teor do acórdão proferido no dia 27.11.2019, no âmbito dos autos à margem referenciados, vem, nos termos do disposto nos arts.70°, nº 1, al.a), 71°, nº 1 , 72°, nº 1 al.a) e nº 3, 75°-A, nº 1, todos da Lei nº28/82 de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26 de novembro, pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei nº 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n° 13-A/98, de 26 de Fevereiro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional) dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional,

Porquanto:

Os arguidos A., B., C., D., E., F. e G., encontravam-se acusados, além do mais, da prática, os dois primeiros em co-autoria os demais em cumplicidade, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo art. 169.°, n.ºs 1 e 2 als. b) e d) do Código Penal.

Foram dados como provados todos os factos de que aqueles arguidos se encontravam acusados e integradores do referido crime de Lenocínio, previsto e punido pelo n.º l do art. 169.° do Código Penal.

Na douta decisão recorrida foi, todavia, decidido recusar, com fundamento em inconstitucionalidade material, a aplicação da norma constante no nº l do art.169° do Código Penal considerada como violadora do disposto no n.º 2 do art. 18.° da Constituição da República Portuguesa.

Entendeu o tribunal a quo que o referido dispositivo legal não exige uma lesão efetiva do bem jurídico - a liberdade e autonomia sexual de quem se prostitui - mas tão só a colocação em perigo desse bem jurídico, constituindo, pois, um crime de perigo, e não se pode presumir, de forma categórica que quem fomente, favoreça ou facilite a prostituição, ao fazê-lo, pura e simplesmente, põe em risco a liberdade sexual de quem se prostitui, concluindo por isso a decisão recorrida que a prevenção do perigo abstrato de uma forma desviante de comportamento ou de condução da vida não pode ser feito à custa do sacrifício da liberdade e da autonomia sexual e por isso mesmo viola o disposto no art.18° n02 da Constituição da República Portuguesa.

Em consequência, decidiu o Tribunal a quo considerar provados os factos que fariam os referidos arguidas incorrer no crime de Lenocínio, previsto e punido pelo artigo 169.°, n.01 do Código Penal, absolvendo, todavia, os mesmos arguidos de tal crime por considerar o mesmo inconstitucional já que violaria o n.º 2 do art. 18º da Constituição da República Portuguesa.

O presente recurso será de Apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, sem prejuízo, todavia, deste Ministério Público vir no prazo legal a interpor recurso ordinário para o Tribunal da Relação de Coimbra caso venha a entender no prazo mais alargado que para tanto dispõe que a demais matéria de facto e de direito considerada no acórdão de que ora se recorre assim o justifica».

3. Notificado para o efeito, o recorrente produziu alegações, nos seguintes termos:

«1. Delimitação do objeto do recurso

1.1. Em primeira instância após a realização do julgamento foi proferida a seguinte sentença que, na parte que agora interessa, decidiu:

“I – Absolver os arguidos A., B., C., D., E., F. e G. da prática dos crimes de lenocínio por que vinham acusados, por se considerar que o artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.”

1.2. Desse acórdão, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), constituindo, pois, objeto do recurso, a questão de constitucionalidade da norma do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, na qual se prevê e pune o crime de lenocínio.

1.3. Após fundamentadamente considerar que a norma do artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal era inconstitucional, recusa-se, com esse fundamento, a sua aplicação, dizendo-se na decisão recorrida, no seguimento do afirmado quanto à matéria de facto dada como provada e não provada:

“No entanto, sempre diremos que apenas se provou que os arguidos A. e B. favoreciam a prostituição às mulheres que trabalhavam no “…”. Os demais arguidos eram funcionários e senhorio do local não tendo qualquer participação essencial na atividade de prostituição. Os primeiros limitavam-se a cumprir ordens dos seus patrões e o arguido G. era o proprietário do local. Nenhum destes arguidos ajudava ou fomentava de forma determinante a prostituição, pelo que sempre teriam de ser absolvidos.”

1.4. Assim, apesar de tal fundamento não ter sido levado ao “Dispositivo”, em relação aos outros arguidos, que não aos arguidos A. e o B., poderia colocar-se a questão de inutilidade no conhecimento do objeto do recurso, porque existe um outro fundamento, que não o da inconstitucionalidade, que sempre levaria à sua absolvição pela prática do crime de lenocínio de que vinham acusados, mantendo-se, pois, dessa forma, a decisão, independentemente do que o Tribunal Constitucional decidisse quanto à inconstitucionalidade da norma do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal.

Porém, no caso dos autos, tal não se revela de especial relevância. Isto porque, como o Tribunal Constitucional sempre deverá conhecer do recurso em relação aos dois primeiros arguidos, a decisão de mérito que proferir, julgando ou não inconstitucional a norma do artigo 169º, nº 1, do Código Penal, faz caso julgado no processo (artigo 80.º, nº 1, da LTC).

2. Apreciação do mérito do recurso

2.1. A...

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