Acórdão nº 124/21 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCons. José João Abrantes
Data da Resolução18 de Março de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 124/2021

Processo n.º 819/2020

1ª Secção

Relator: Conselheiro José João Abrantes

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., ora Recorrente e Reclamante, instaurou, por apenso ao processo de inventário aberto por óbito de B., processo especial de prestação de contas contra C. e D., que corre termos no Juízo Local Cível de Oeiras – Juiz 2, com o número de processo 3689/11.1TBOER, peticionando que as Rés fossem condenadas a prestar as contas da referida herança.

No decurso da lide, por decisão proferida em 11/01/2010, foi admitida a intervenção principal provocada dos restantes herdeiros, irmãos do Recorrente, E. e F..

Após diversos incidentes e recursos interpostos pelas partes, foram proferidas diversas decisões, quer pelo Tribunal da Relação de Lisboa, quer pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo a Ré C. prestado contas que vieram a ser contestadas.

Mais tarde, devido ao decesso do Chamado F., e na sequência da dedução do respetivo incidente de habilitação de herdeiros, por sentença de 4/09/2018, foram habilitados C., G. e H, seus herdeiros, para prosseguirem nos termos da ação na posição que o falecido ocupava.

Foi realizada audiência de julgamento e proferida sentença, em 13/01/2020, que decidiu julgar prestadas as contas pela Ré C., na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de B., referentes ao período compreendido entre 18 de fevereiro de 2008 a 5 de março de 2009, e em consequência (cfr. fls. 1910 a 1921):

“i. Julgar verificada a existência de receitas geradas pelo património que integra a herança aberta por óbito de B., recebidas pela cabeça-de-casal C., no período compreendido entre 18/02/2008 e 05/03/2009, no montante global de €8.276,79;

ii. Julgar verificada a existência de despesas suportadas pela cabeça- de-casal C. no mesmo período, no montante global de €9.917,15;

iii. Julgar verificado um saldo negativo no montante de €1.640,36.

iv. Condenar ambas as partes nas custas do processo, nos termos do art.º 527.º do CPC, de acordo com o decaimento, sendo 17% para o Autor e 83% para a Ré, sem prejuízo do apoio judiciário de que possam beneficiar.

v. Condenar o Autor, nas custas do incidente de litigância de má-fé, no montante de 1UC, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza”.

1.1. Inconformado, o Recorrente interpôs recurso de apelação dessa sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões (cfr. fls. 1922 a 1929):

“1- A procuração outorgada, pela Rqrd.ª, em 9 de maio de 2008, na qualidade de cabeça de casal da herança de B., a favor da advogada Dr.ª D., foi declarada nula, tendo também sido declarados nulos e de nenhum efeito todos os atos praticados ao abrigo dessa mesma procuração.

2- A procuração em questão encontra-se a instruir os presentes autos a fls 1623 e sgnts.

3- E foi declarada nula, pelo douto e bem fundamentado acórdão, tirado por este Tribunal, em 28 junho de 2012, cujo teor consta dos presentes autos, a fls 1630 e sgnts.

4- Nos termos do disposto no art.- 205 n.º 2 da Constituição da República, as decisões dos Tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas devendo igualmente entender-se, que dentro dos limites da hierarquia dos tribunais, as decisões prevalecem sobre as decisões dos restantes Tribunais.

5- Nesta conformidade, as intervenções da Dr.§ D., designadamente, as comprovadas pelos requerimentos de fls 514, 523, 532, 552, 567 e 581 junto das Conservatórias do Registo Predial, são nulas e de nenhum efeito, tanto mais que instruiu cada requerimento, com um exemplar da procuração de fls 1623 e sgnts, utilizando a expressão «certidão da procuração outorgada pela cabeça de casal no Cartório Notarial do Concelho de Oeiras de que é titular a Dr.ª Ivone Vieira Botelho, a 09/05/2008»

6- Refira-se aliás, que contrariamente ao referido na sentença recorrida, a Recorrida nem tinha qualquer legitimidade para exercer o cetro do cabeçalato da Herança de sua Mãe.

7- A Recorrida foi designada cabeça de casal da herança, por despacho do Senhor Juiz Luís Pinto, de 8 de novembro de 2010- cfr. fls 1601 dos autos - e que a fls 1852 dos autos, foi considerada «uma decisão errada por errada interpretação do art.º 2080 do C. Civil»

8- Por tudo o que antecede, as despesas descriminadas na sentença recorrida sob o n.º 26 e que se reportam a despesas realizadas com a feitura da procuração declarada nula, a sua revogação, com despesas realizadas pela Dr.ª D. junto das Conservatórias do Registo Predial, atos nulos, não podem ser debitados à Herança.

9- O recorrente impugna assim a importância total de €1.109,88 refente à ilícita atuação da Dr.ª D., utilizando uma procuração que este Tribunal «declarou nula e decretou como nulos e de nenhum efeito todos os atos praticados ao abrigo dessa mesma procuração» 

10-E de igual modo impugna as despesas com eletricidade no montante de € 360,80 e de 587,31 referente a telecomunicações, da fração de Algés e que se reportam ao período de tempo em que a Recorrida, abusivamente se gozou da mesma.” (sublinhado nosso)

1.2. Por acórdão de 14/07/2020, o TRL julgou o recurso improcedente e, consequentemente, manteve a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância (cfr. fls. 1941 a 1956).

Nesse acórdão, lê-se o seguinte:

Constituem questões de Direito colocadas pela Apelante à consideração deste Tribunal de recurso:

- saber se a procuração datada de 09 de maio de 2008, junta aos autos pela aqui Requerida/Apelada, a favor da senhora Dra. D., é nula, sendo também nulos todos os atos praticados ao abrigo da mesma, não devendo, assim, serem consideradas as despesas realizadas ao abrigo deste instrumento notarial;

- se as despesas com eletricidade e telecomunicações referidas nos autos e respeitantes à fração ali indicada, não devem ser consideradas nas contas apresentadas.

A primeira questão que é aqui colocada pelo Apelante, com os contornos ali definidos, não foi objeto de apreciação pelo Tribunal de 1.ª Instância, por ali não ter sido tempestivamente colocada à apreciação em sede de temas da prova e/ou da sua discussão em julgamento, ou seja, aparece como um facto novo neste recurso e, como tal, insuscetível de apreciação.

Diga-se, porém, que esta questão da procuração forense é um tema recorrente, ao longo deste também já longo processo, que foi já objeto de decisões judiciais - uma delas baseada ainda na pretensa legitimidade do aqui Apelante como cabeça de casal, questão há já muito processualmente resolvida nos autos -, assim como de decisões disciplinares junto da Ordem dos Advogados, sendo que em todas estas se concluiu pelo arquivamento das queixas apresentadas pelo aqui Apelante contra a senhora advogada contra quem, inicialmente, também instaurou ação de prestação de contas por apenso ao inventário.

Digamos que este é um daqueles processos que deveria ser objeto de estudo pelo seu inusitado processado, recheado de incidentes suscitados pelo Apelante, malgrado a sua formação jurídica e estatuto profissional como Advogado que lhe imporiam, à partida, um outro tipo de comportamento processual que, diga-se, foi já objeto de apreciação, nomeadamente, no âmbito do Proc. 1076/09.0TBOER-M.L1, com acórdão proferido a 25 de Maio de 2017, pela 2.a Secção desse Tribunal da Relação de Lisboa, em que a apreciação da linguagem utilizada pelo aqui Apelante foi considerada claramente ofensiva à honra e consideração das pessoas ali visadas, no caso, a uma senhora juiz e a cabeça de casal e aqui Apelada.

Retenha-se que este processo teve início em 27 de agosto de 2009, foi objeto de diversas decisões, várias delas reapreciadas no Tribunal da Relação de Lisboa e no Supremo Tribunal de Justiça, pedidos de recusa de Magistrados, processo-crime contra um deles, participações à Ordem dos Advogados e variadíssimos incidentes processuais.

No fundo, o único facto que importa ter presente é que a aqui Apelada procedeu à prestação de contas que lhe era imposta pelo seu cargo de cabeça de casal, cargo cujo legítimo exercício não está já em reapreciação e que, prestadas as mesmas, foram as mesmas apreciadas e objeto de decisão pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Ora, quanto a esta prestação de contas, e contrariamente ao afirmado pelo Apelante, nada há a apontar em seu desacerto.

Na verdade, todas as questões que constituem o núcleo dos desentendimentos entre os irmãos beneficiários da herança aqui em causa têm na sua base a não-aceitação, por parte do aqui Apelante, de um facto que é incontornável: malgrado o que ainda continua a afirmar, nomeadamente no Ponto 6 das suas conclusões de recurso, a cabeça de casal é, incontornavelmente, a aqui Apelada (conforme decisão proferida com trânsito em julgado) e não, o Apelante, o que se volta a afirmar.

Quanto ao mais, e...

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