Acórdão nº 01222/15.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCeleste Oliveira
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:*1- RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença proferida no TAF do Porto, que julgou procedentes os embargos de terceiro intentados pela sociedade “F., Lda.” no âmbito do processo executivo instaurado contra “K., Lda.” deduz o presente recurso formulando para o efeito as seguintes conclusões: “A.

Vêm os presentes embargos deduzidos contra a penhora, efectuada sobre os bens móveis melhor identificados no auto de penhora ínsito nos autos, ofender a sua posse, que alegadamente detém por assinatura de contrato verbal de trespasse; B.

A referida penhora visa garantir a cobrança de dívidas tributárias da sociedade devedora originária.

Então vejamos, C.

A douta sentença de que se recorre julgou procedente o processo de embargos de terceiro, suportada nos seguintes termos: “ (…) transmitida para a embargante a titularidade e/ou a propriedade, por efeito do trespasse, do estabelecimento melhor identificado no ponto 1) do probatório, temos que nele se encontra configurado ou integrado um conjunto de bens (coisas materiais ou corpóreas e eventualmente coisas imateriais ou incorpóreas, necessariamente com valor económico) reunidos para o exercício de uma determinada actividade económica. (…) Revertendo ao contrato em causa nos autos, sempre o efeito real da transmissão da propriedade dos móveis, máquinas, ferramentas, utensílios, por efeito do contrato de trespasse, que foram posteriormente objecto de penhora, se produziu pelo acordo de vontades dos contraentes exteriorizado no acto da celebração e redução a escrito do contrato de trespasse, identificado em 1) do probatório, que ocorreu em 03/11/2014.(…) Argumenta, todavia, a Fazenda Pública que existe um circunstancialismo de obrigações legais que pudesse assumir repercussões a nível da situação jurídica tributária da embargante, não tinha forçosamente que desembocar em nenhuma consequência no plano da invalidade (ou ineficácia) do contrato, nos efeitos ditos civis, nem atingia o efeito da transferência da propriedade dos bens em causa, que se encontram na titularidade da embargante, por força da celebração do contrato em causa.

Neste seguimento se dirá que o mero incumprimento de alguma formalidade em matéria fiscal na celebração do contrato de trespasse – e, sublinhe-se, nem tal circunstancialismo se mostra certo no plano dos factos apurados – não tem manifestações no plano da assunção das obrigações contratuais assumidas pelos contraentes privados, nem assim nos efeitos típicos decorrentes da própria celebração do contrato de trespasse, sem prejuízo, claro está, das consequência fiscais que poderão ter lugar em sede própria. (…).” D.

Discorda a Fazenda Pública do acervo de tais argumentos, propondo-se demonstrar que a posse derivada daquele contrato não pode ser oponível à penhora efectivada pela Fazenda Pública.

Senão vejamos, E.

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 237º do CPPT “Quando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro”, Assim, F.

Os embargos de terceiro constituem um meio de tutela judicial da posse ou de outro direito incompatível, servindo para obter a restituição dessa posse ou direito ofendidos pela diligência judicial ordenada, G.

Logo, os embargantes têm que alegar e comprovar que tinham sobre o bem atingido pela diligência e anteriormente a esta, posse – “corpus” e “animus” - ou outro direito incompatível com a realização ou o âmbito daquela, que estava no exercício desse direito, e que foi afectado pela diligência.

H.

Posse, na noção que é dada pelo artigo 1251º do Código Civil, “é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.

I.

A doutrina e a jurisprudência vêm considerando que daquele normativo decorre que a posse integra um elemento objectivo, ou “corpus” - poder de facto sobre a coisa no sentido da sua admissão à vontade do sujeito com a continuada possibilidade de actuação material sobre ela, E, J.

Um elemento subjectivo ou “animus” - intenção de agir como titular do direito a que se refere o exercício do poder de facto sobre a coisa.

K.

Distingue-se assim a posse da simples detenção ou posse precária definida esta no artigo 1253º do CC ao preceituar “São havidos como detentores ou possuidores precários:

  1. Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito; c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem”.

Ora, L.

A verdade é que, a posse invocada pela embargante deriva unicamente de contrato de trespasse em questão, E assim, M.

A posse resultante daquele contrato com base no qual passaram a ocupar o imóvel penhorado e o seu alegado activo, não se mostra como posse real e efectiva, mas mera detenção ou posse precária, N.

até porque a embargante nem sequer faz prova da efectivação do alegado contrato, O.

uma vez que estando perante “empresas” existe todo um circunstancialismo de cumprimento de obrigações legais que não provou terem sido cumpridas e que são inerentes à celebração deste tipo de contrato, designadamente, P.

os registos contabilísticos, a comprovação do circuito dos fluxos financeiros entre uma sociedade e outra, as obrigações fiscais, como para efeitos de imposto de selo, comunicação ao senhorio etc., Q.

não foram juntos documentos da contabilidade comprovativos do pagamento do preço e por quem, que demonstrassem desde que data aqueles alegados bens móveis foram afectos à actividade da sociedade.

Com efeito, R.

Se estivermos perante um sujeito passivo com contabilidade organizada, este terá de atribuir a cada um dos componentes o justo valor de cada um, ou seja, a quantia pela qual um activo ou passivo possa ser trocado ou liquidado entre as partes intervenientes, neste caso trespassante e trespassário (ou comprador e vendedor).

S.

Note-se que o adquirente, antes de proceder ao registo contabilístico, deve tentar identificar os activos intangíveis adquiridos que não estejam reconhecidos nas Demonstrações Financeiras do trespassante (ex.: marca criada, desenvolvida e registada pelo trespassante).

T.

Neste sentido haverá que observar a definição de activo intangível, ou seja, se os “itens” não forem passíveis de identificabilidade, controlo e existência de benefícios económicos futuros, resulta que não satisfazem a definição de activo intangível em conformidade com a NCRF 6.

U.

Saliente-se ainda que, apesar de os bens do activo serem adquiridos em estado de uso, as depreciações e amortizações deverão ser efectuadas de acordo com a vida útil esperada. No entanto, como o goodwill não é amortizado, porque não é um activo identificável, deverá ser sujeito a testes de imparidade.

V.

Os trespasses, por norma, são celebrados através de um documento particular, pelo qual se transfere o direito ao arrendamento, sem prejuízo de poderem ser também efectuados através de escritura pública (não obrigatoriamente). No entanto, independentemente do tipo de documento (particular ou escritura pública) deve ser sempre emitida uma factura onde constem todos os elementos activos e passivos constitutivos do trespasse e respectivos valores (para suportar os lançamentos contabilísticos).

W.

À embargante não basta alegar, há que provar, mesmo existindo o contrato/documento, que este corresponde a uma realidade efectiva, o que não foi feito.

Concluindo, X.

A embargante não faz prova bastante de que entrou na posse dos referidos bens penhorados, nem que tomou posse dos referidos bens e os fez seus, usando-os no exercício da sua actividade, em data anterior à penhora.

Y.

A posse dos embargantes enquanto posse precária não é oponível à penhora efectuada a favor da Fazenda Nacional, Z.

Deste modo, o embargante não tem posse digna de tutela jurídica, não podendo embargar para defesa da sua posse, AA.

Por outro lado, não se pode olvidar que a prova necessária lhe está acometida, pois, ressalvado o devido respeito por diferente entendido, a prova no caso em apreço recai exclusivamente sobre o Embargante.

BB.

Neste mesmo sentido aqui preconizado, cita-se um excerto do douto aresto do TCAS, tirado no processo n.º 03945/10, de 08.02.2010 “A prova de que o ora recorrente tinha a posse do veículo em data anterior à da penhora cabe-lhe a ele, nos termos do disposto no artigo 237.º do CPPT e 74.º n.º 1 da LGT e 342.º do CC, como facto constitutivo do direito a que se arroga e que se funda no critério da disponibilidade e facilidade probatória, já que ninguém melhor do que o recorrente poderá saber em que data adquiriu tal veiculo e poderá apresentar os meios aptos a demonstrá-lo, o que não fez, contrariamente ao decidido na douta sentença, não podendo por isso a causa deixar de ser julgado contra si, com a improcedência dos embargos”.

CC.

Deste modo, recaindo sobre o embargante o ónus de prova sobre os factos constitutivos do direito de que se arroga, ou seja o exercício efectivo de poderes de facto sobre o bem penhorado (corpus), a verdade é que e reitera-se, nada foi exibido ou comprovado quanto a pagamentos efectuados...

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