Acórdão nº 00452/18.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCeleste Oliveira
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* I.

RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 27/06/2019, que julgou procedente a oposição judicial deduzida por A., contra o processo de execução fiscal nº 3174201301071190, com vista à cobrança de créditos de IVA, referentes a 2013, instaurado originariamente contra a sociedade comercial denominada “S., Lda.” e contra ele revertido.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, que julgou procedente a Oposição deduzida por A., com o NIF (...), na qualidade de revertido no processo de execução fiscal nº 3174201301071190, instaurado pelo Serviço de Finanças do Porto 1, originariamente contra a sociedade “S., Lda.”, com o NIPC (...), por dívida de IVA, no montante de € 7.488,00, referente ao período de Janeiro de 2013, cuja data limite de pagamento ocorreu em 12/06/2013.

  1. A reversão foi efetuada nos termos da al. b) do nº 1 do art. 24.º da LGT.

  2. O Oponente não colocou em causa o exercício de facto das funções de gerente. A não gerência de facto no prazo legal de pagamento ou entrega da divida exequenda (12/06/2013), o exercício do cargo de gerente de facto na devedora originária que é imputado ao Oponente (mesmo após a declaração de insolvência que ocorreu em 06/02/2012), não veio questionada, não faz parte da causa de pedir plasmada na petição de Oposição Judicial apresentada, (bem como já não fazia parte do articulado onde exerceu o direito de audição ao projeto de decisão de reversão referente à responsabilidade subsidiária).

  3. O meritíssimo Juiz do Tribunal a quo decidiu a presente Oposição procedente considerando que a partir da declaração de insolvência da devedora originária, em 6/2/2012, o Oponente ficou privado dos poderes necessários para pagar os créditos em causa, poderes que passaram a competir à administradora de insolvência.

  4. Salvo o devido respeito por opinião diversa, atendendo ao fundamento (não alegado pelo Oponente, e, portanto, inexistente na causa de pedir) e à surpreendente decisão, inferimos que o meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, “sob a capa” de uma decisão de procedência da Oposição por falta de culpa do Oponente no pagamento do tributo em causa por falta de poderes (meramente legais, que não de facto), estabelece uma correlação tácita entre a perda desses poderes legais decorrentes da declaração de insolvência da devedora originária (que passaram a competir à administradora de insolvência acima identificada) e um eventual (não) exercício da gerência de facto por aquele na devedora originária.

  5. Ora, não questionando o Oponente a sua qualidade de gerente de direito e de facto, e não sendo a mesma de conhecimento oficioso, o Tribunal a quo não podia conhecer e concluir de uma forma mecânica (tabelar), que com a declaração de Insolvência e pelo motivo da designação da Administradora de Insolvência tenha aquele ficado privado de poderes (de facto, que não meramente legais), para proceder ao pagamento da dívida exequenda (ou seja, que após a designação da Administradora de Insolvência deixou aquele de exercer a gerência de facto na devedora originária), questão que não lhe foi solicitada.

  6. Neste tocante veja-se o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 17-11-2011, proferido no âmbito do Processo n.º 00462/10.8BEBRG, bem como, o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 23-04-2008, proferido no âmbito do Processo n.º 02334/08.

  7. Os tribunais estão sujeitos ao princípio do dispositivo (princípio estruturante no nosso direito adjetivo), no que respeita às causas de pedir em que se funda o pedido de extinção da instância executiva formulado em processo de oposição à execução fiscal.

    I. O douto Tribunal a quo só deveria ter conhecido da causa de pedir invocada na petição inicial, que não de outros factos jurídicos cujo conhecimento não se lhe impunha oficiosamente.

  8. O conhecimento na prolação da sentença de uma questão de direito em que o tribunal concluiu por uma solução jurídica não alegada nos autos pelo Oponente e que assim a Fazenda Pública não tinha obrigação de prever, e por esse motivo não teve oportunidade de sobre ela se pronunciar, constitui uma decisão-surpresa que gera nulidade.

  9. Neste tocante chama-se à colação o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 03/11/2003, proferido no âmbito do Processo n.º 7384/02.

    L. Ora, com o assim decidido, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se, tomando conhecimento de fundamentos que não devia conhecer, enfermando a sentença recorrida, nos termos do n.º 1 do art.º 125.º do CPPT e da al. d) do n.º 1 do 615.º do CPC, de nulidade por excesso de pronúncia e/ou de nulidade por igualmente configurar uma decisão-surpresa (inobservância do princípio do contraditório), em violação do disposto no n.º 3 do art.º 3º do CPC, ex vi a al. e) do art.º 2.º do CPPT.

    Sem conceder, subsidiariamente, mesmo que assim doutamente se não entenda, M. O regime da responsabilidade dos gerentes e administradores pelas dívidas de impostos dos seus representados, é regulado pela lei sob cuja vigência ocorreram os respetivos pressupostos da obrigação da responsabilidade e, no caso em apreço, tratam-se de dívidas enquadráveis no regime da al. b) do nº 1 do artigo 24º da LGT.

  10. Com a expressão “ainda” que somente de facto, a lei pretende incluir outras pessoas, para além daquelas que menciona, não excluindo nenhuma, até porque a responsabilidade é solidária entre elas (in fine do mesmo n.º 1 do art. 24º).

  11. A gerência de facto da devedora originária pelo Oponente não é controvertida, bem pelo contrário, é assumida.

  12. Nesta medida a prova de que não lhe era imputável a falta de pagamento da dívida exequenda, impendia sobre o Oponente, estabelecendo os normativos citados uma presunção de culpa, e fazendo pesar, materialmente, sobre este o risco decorrente da necessidade de realizar a prova do contrário.

  13. Haveria que demonstrar, demonstração que não logrou o Oponente efetuar, que a falta de pagamento no concreto prazo limite não lhe foi imputável, o que passava pela demonstração da falta de fundos da sociedade originária devedora para efetuar o pagamento à data em que ocorreu o prazo limite de pagamento e que tal falta se não deveu a qualquer omissão ou comportamento censuráveis do gestor. Veja-se o decidido no douto Acórdão de 29/10/2009 do Tribunal Central Administrativo do Norte, no Processo n.º 00228/07.2BEBRG.

  14. Prova que, não resulta dos autos. Na sentença recorrida nenhum facto foi dado como provado do qual se possa concluir que o Oponente manteve um comportamento não tendente com o resultado obtido.

  15. Na verdade, conforme informação do Serviço de Finanças a fls. 192 dos autos executivos, a qual, se dá aqui por integralmente reproduzida, mesmo após a aprovação do plano de recuperação da devedora originária, esta última, não só não regularizou as dívidas já acumuladas, como continuou a acumular novas dívidas.

  16. Para além do mais, esta situação contínua de incumprimento por parte da devedora originária revela-se incompreensível tendo em conta que a mesma, continuou a laborar normalmente, apresentando as declarações de Remuneração mensais desde 2012, inclusive, referentes a rendimentos pagos e a retenções efetuadas, assim como, as declarações periódicas de IVA. (cfr. informação do Serviço de Finanças prestada nos termos do art.º 208.º do CPPT, facto não contraditado e que deveria ter sido dado como provado).

  17. Em nenhum momento o Oponente argumentou, e não consta dos factos dados como provados, que ficou privado de poderes para efetuar o pagamento da divida exequenda a partir da declaração de insolvência da devedora originária, e que esses poderes passaram a ser da administradora judicial.

    V. O douto tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao extrair mecanicamente da legal privação de poderes para efetuar o pagamento da divida exequenda decorrente da declaração de insolvência da devedora originária, o juízo meramente conclusivo de que ocorreu de facto a privação desses mesmos poderes (que era o que verdadeiramente interessava à boa decisão da causa).

  18. Razão pela qual consideramos, que ao contrário do alegado no artigo 34º da douta Petição Inicial, não se encontra ilidida a presunção prevista no artigo 24º n.º 1 al. b) da LGT.

    X. Não logrando o Oponente [sobre quem impendia uma presunção de culpa], carrear para os autos prova da inexistência de culpa sua na falta de pagamento da divida exequenda, a questão decidenda teria que ser contra si valorada, tal como decorre das regras do ónus da prova – art. 342° do Código Civil e art. 74° da LGT, pelo que deverá a sentença recorrida ser anulada.

  19. Pelo exposto, entende a Fazenda Pública que decidindo como se decidiu, o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, a douta sentença recorrida violou o disposto no art.º 23.º e 24.º da LGT e no art.º 153.º do CPPT, devendo ser revogada e substituída por outra que declare a ação improcedente e ordene a prossecução dos processos de execução fiscal.

    Sem conceder, subsidiariamente, mesmo que assim doutamente se...

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