Acórdão nº 914/16.6BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I-RELATÓRIO O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por P....., LDA, tendo por objeto as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios (JC), dos anos de 2010 a 2014, no valor global de €947.790,97.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “1. Salvo o devido respeito, a Fazenda Pública não pode deixar de constatar que os fundamentos supra elencados apontam no sentido da improcedência da posição defendida pela ora impugnante.

  1. Na douta Sentença ora recorrida, o Tribunal “a quo” analisou, em primeiro lugar, “… as questões que levem à extinção das liquidações – (i) a errónea quantificação e qualificação das liquidações, que passa por saber da materialidades das operações cujas facturas os Serviços de Inspecção Tributária reputaram como falsas –, seguindo-se, caso se mostre necessário, a apreciação das questões dos vícios formais invocados – (ii) a violação de lei dos artigos relativos à incompetência e delegação de competências; (iii) a violação de lei e vícios do procedimento inspectivo; e (iv) a falta de fundamentação das liquidações -, assim se assegurando uma mais eficaz tutela jurisdicional efectiva à Impugnante.” – Destacado e sublinhado, nossos.

  2. Tendo concluído, a páginas 227 e ss, “Se, como se referiu supra, nada impede os Serviços de Inspecção ponderar e cruzar elementos recolhidos em sede de outras acções de inspecção, é também certo que uma eventual falta de credibilidade dos sujeitos passivos emitentes de facturas ou outros documentos apurados em anteriores inspecções tributárias e quanto a outras operações comerciais, não constitui indício fundado de que também as operações comerciais em causa nos autos não existiram, se a Administração Tributária não demonstrar a relação entre os indicadores respectivos e essas operações comerciais (neste sentido, pode ler-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 30 de Abril de 2015, processo n.º 599/10.3BEPNF, disponível em www.dgsi.pt).

    Nos termos supra mencionados, não bastará a Administração Tributária utilizar as conclusões existentes em demais relatórios inspectivos sobre determinados fornecedores, como no caso em apreço, sem que neles constassem factos consubstanciadores de indícios sérios da falsidade das operações com a Impugnante em si mesma.

    Pelo contrário, impõe-se-lhe trazer à colação fundados indícios, quanto àquelas operações comerciais desenvolvidas pela Impugnante, que pudessem pôr em causa, à luz de um juízo de razoabilidade, a sua credibilidade.

    Destarte, no caso em apreço, os serviços de Inspecção Tributária, a partir dos elementos que haviam já sido recolhidos em acções anteriores, deveriam proceder à análise concreta e objectiva das operações comerciais postas em crise e referentes à Impugnante.

    Mas, ao invés, limitou-se, no essencial o Relatório da Inspecção Tributária a sustentar-se, em elementos, que lidos e relidos, assentam maioritariamente em juízos conclusivos, como se disse, e sem suporte em qualquer materialidade que se possa correlacionar com a Impugnante.

    Bastou-se, pois, o procedimento inspectivo, com os alegados fundados indícios da falsidade de operações comerciais, em regra sustentados em juízos opinativos, por parte dos sujeitos passivos que eram fornecedores da Impugnante (e de fornecedores daqueles fornecedores), para concluir, sem mais, que as facturas por aqueles emitidas e tendo a esta como destinatária, seriam, ipso facto, falsas.

    Procedendo os Serviços de Inspecção Tributária à análise dos elementos contabilísticos da Impugnante de onde não extraiu qualquer facto que pudesse suportar o juízo de os documentos emitidos corresponderem a facturas falsas.

    Não desconhece o Tribunal, que amiúde, a apresentação formal de operações simuladas se encontra consistente e, em regra, formalmente inatacável.

    No entanto, no caso em concreto, abstraindo da correcta aparência formal das operações, era exigido, à Administração Tributária, que indiciasse, por alguma forma e minimamente, que as facturas emitidas pelos fornecedores referidos eram falsas quanto ao seu conteúdo, o que não logrou fazer, não demonstrando a verificação de indícios sérios que pudessem sustentar as correcções aritméticas ora em discussão, como lhe competia.

    Acresce que, atenta a factualidade dada como provada, a Impugnante demonstrou de forma concludente a existência das operações, fazendo prova da aquisição, carga, transporte e pagamento das matérias primas, o que se torna despiciendo para a decisão dos autos, por a Administração Tributária não ter, de forma prévia, demonstrado o preenchimento de qualquer pressuposto legal que justificasse a sua actuação, pelo que a presunção da veracidade da escrita da Impugnante não chegou verdadeiramente a ser posta em crise.

    (…) Por tudo o exposto, importa declarar procedente a presente Impugnação, anulando-se as liquidações adicionais, correcções e desqualificações de reembolsos impugnadas, com excepção da factura emitida pela sociedade F....., Lda., - cfr. pontos 99 e 100 do probatório -, cuja correcção a Impugnante aceita, atenta o fornecedor em causa não ter actividade regularmente iniciada.

    Fica prejudicado o conhecimento das demais questões dos autos – cfr. o artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.” 4. Decisão com a qual, e com o devido respeito, não nos conformamos nem concordamos, pelos motivos que se passarão a expor.

  3. Desde logo porque, tendo a Administração Tributária identificado convincentes indícios que explicam que os fornecedores da Impugnante, identificados nos documentos em que foi desconsiderado o direito à dedução do IVA, não eram os fornecedores efectivos, sendo as facturas em causa simuladas, ao invés do decido pelo douto Tribunal “a quo” competia, pois, à Impugnante, fazer prova que de facto efectuou as compras a tais fornecedores e, não a outros, atendendo ao disposto no artigo 74.°, da LGT, que refere que "O ónus da prova de factos constitutivos de direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque." 6. No mesmo sentido, dispõe o artigo 342.°, do Código Civil, bem como a jurisprudência dominante, versada no Acórdão do Supremo Tribunal Administartivo (STA), processo n.º 01026/02, de 7 de Maio de 2003 (PLENO DA SECÇÃO DO CT) em cujo Sumário vem salientado que “Tendo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.” 7. Podendo ler-se, em sede de fundamentação do aresto: - “…Nos termos do artº 82° n° 1 do CIVA, "o chefe da Repartição de Finanças competente procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos liquidando-se adicionalmente a diferença".

    Como assim, é a recorrente quem se arroga um direito que pretende exercer - o direito à dedução do IVA -, que não é reconhecido pela Administração Fiscal, que no processo demonstrou haver indícios sérios de que as operações tituladas por aquelas facturas não terão ocorrido. Destarte, não é a Administração que afirma um facto positivo com consequências tributárias - é o contribuinte que invoca o seu direito à dedução do IVA pago a montante. Por isso, é ele quem deve provar a verificação dos pressupostos em que assenta tal direito.

    Conforme se diz no acórdão de 17 de Abril de 2002 desta Secção, proferido no recurso nº 26635, “da conjugação das normas dos art.ºs 82º n.º 1 e 19º do CIVA resulta, assim, que não caberá à administração o ónus de prova da inexistência dos factos tributários cujo imposto considerou fundamentadamente deduzido ilegalmente por parte do contribuinte, mas que caberá ao próprio contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou. Digamos (...) que (...) à administração cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos estabelecidos no art.º 82º n.º 1 do CIVA para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, mas já não a existência dos factos contra ela afirmados pelo contribuinte, traduzidos na existência dos factos tributários e sua expressão quantitativa. Os requisitos legalmente estabelecidos para que seja permitida a dedução do imposto pago a montante não constituem, nesta óptica, também requisitos que estejam legalmente previstos enquanto requisitos de legitimação da actuação da administração. Relativamente a esta matéria, a lei basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei”.

    Neste aresto faz-se, aliás, uma exaustiva análise da questão do ónus probatório na matéria, concluindo-se, lapidarmente, no seu sumário, que “quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do art.º 82º n.º 1 do CIVA e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT