Acórdão nº 98/09.6BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 09.01.2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por A.....

(doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto as liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) atinentes aos anos de 2004 e 2005.

Para o efeito, apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “A. O presente recurso reage contra a douta sentença proferida nos presentes autos que julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada por A....., das liquidações adicionais de IRS do ano de 2004 e 2005 com o número ..... e ....., no valor de € 6.389,92 e € 5.147,07.

  1. Ora, as ajudas de custo (o seu caráter retributivo ou não retributivo) enquanto conceito jurídico, têm a sua génese no direito civil/laboral e foi densificado em termos doutrinários e jurisprudenciais por aquela jurisdição, existindo, a nosso ver, tanto quanto o conhecimento que este RFP tem (ou não tem) da matéria marcadas divergências de entendimento dignas de registo que contendem com a natureza ontológica e/ou dogmática, como seja, por exemplo, a natureza presuntiva do rendimento e da perceção regular e permanente dos montantes pagos ainda que se desconheçam os motivos que impedem o próprio direito tributário, as suas especificidades, e, os fins por este prosseguidos de aderir posição sufragada pela jurisdição comum.

  2. Esta caraterística antiabusiva das tributações autónomas de que as ajudas de custo são um exemplo paradigmático, se verificadas, adere à natureza “anti-sistémica”, e presuntiva, apontada pelo Prof. Saldanha Sanches e pela jurisprudência do Colendo STA que o cita.

  3. Ora, paradoxalmente, aquela jurisprudência que segue a posição sufragada relativamente às tributações autónomas (de que as ajudas de custo são um exemplo) e que comungam dos receios ali manifestados relacionados com a fraude e evasão fiscais por via de artificiosos mecanismos de redução do lucro tributável expressos na concessão de vantagens ou remunerações em espécie aos trabalhadores incrementando desta forma o rendimento destes com menor oneração da empresa e defraudando, assim, a Fazenda Pública e da necessidade sentida pelo legislador em prevenir estas situações…, é a mesma jurisprudência que relativamente à prova dos pressupostos relativos às ajudas de custo/remuneração e à sua natureza ressarcitória ou remuneratória, no fundo: - menospreza o devido preenchimento dos mapas das ajudas de custo legalmente previstos no CIRC, permitindo que quem procede ao preenchimento dos boletins itinerários não precise de justificar o motivo que está na base da sua realização concedendo que a irregularidade dos mesmos, por si só, não descaracteriza a natureza compensatória dos mesmos, bastando-se, in casu, com documentos internos que se limitam a inscrever um montante e o nome do Impugnante (não há datas…, não há motivos…) - se baste com a apresentação de uma mero documento interno impondo à AT que ouse provar a falsidade daquela documentação irregularmente preenchida entendendo, aliás, que aquela documentação prova uma despesa efetuada… e isto não obstante se evidenciar, dando por provado em D), para além do que já foi referido, que: 1) Parte significativa dos valores contabilizados a título de deslocações em viatura própria e ajudas de custo não se encontram devidamente documentadas – desconhecendo-se a que título o montante foi recebido.

    2) No facto dos valores contabilizados a título de ajudas de custo e quilómetros em viatura própria serem em valor mensal fixo ou muito aproximado ao longos dos respetivos meses do ano 3) No mês de férias, a C..... tenha pago aos seus colaboradores ajudas de custo e quilómetro em viatura própria sendo o seu valor o dobro do que normalmente pagou num mês normal de trabalho E que na sequência da Reclamação Graciosa apresentada se tenha constatado perante a documentação trazida naquele momento que os recibos de remunerações, os documentos internos de despesa passados pela empresa e assinados pelo sujeito passivo e os recibos de despesas efetuadas em restaurantes e com táxis - não indiquem quem as pagou, e que se esperaria que fosse o Impugnante pois que foi ele quem alegou tratarem-se de despesas por si incorridas em nome da entidade patronal… - Menospreze, finalmente, os juízos e regras de experiência comum que decorrem da anormalidade do carater permanente e regular que a natureza da própria ajuda de custo pressupõe.

  4. Parece, pois, no mínimo, incompreensível que os tribunais superiores aparentemente preocupados com o tipo de dispêndios sujeitos a tributação autónoma (assumidamente criada como norma anti-abuso) de que as ajudas de custo são um exemplo (não nos cansamos de o referir) sejam tão permissivos na hora de tomar posição sobre a realidade fiscal da pessoa singular que, tratando-se de uma realidade decorrente de uma relação bilateral – faz dela um interveniente indispensável na prefigurada fuga à tributação… F. A RFP não se conforma com o entendimento vertido na douta sentença recorrida, por entender que a orientação deve reclamar, por um lado, uma qualificação jurídico-tributária distinta da julgada no Tribunal a quo, global e mais adequada aos receios que as alegadas ajudas de custo G. E, portanto, com facilidade damos conta que aos tribunais superiores deve ser reclamada uma maior intervenção na salvaguarda do eventual interesse público que o legislador entendeu proteger mediante a introdução da tributação autónoma. Não se deixando cair num tipo de fundamentação alicerçada em motivos extrajurídicos, de natureza conjuntural e que perante a sua volatividade tendem rapidamente a ser foco de injustiças na apreciação do caso concreto impedindo, tal a malha apertada em termos probatórios, a Administração Fiscal de prosseguir as suas atribuições neste particular.

  5. Alguma da jurisprudência dos nossos tribunais superiores aparentemente introduz uma variável ou faz uma opção de dar relevância não tanto à conduta ilegal (e aos efeitos de natureza ético-normativa que decorrem da violação das regras jurídicas) mas à competitividade económica e à proteção do rendimento a cargo do Estado como se de uma subvenção se tratasse.

    I. A RFP insurge-se (com motivos que julga serem atendíveis) sobre a qualificação jurídica expendida, por entender que a materialidade dos pagamentos entre a C....., CRL e o Impugnante reclamaria um enquadramento jurídico-tributário distinto do que foi apresentado na sentença recorrida, ou, subsidiariamente, de uma apreciação da prova que, equilibradamente, se munisse, como deve ser, das regras da experiência comum e lograsse convencer-se mediante um juízo de certeza jurídica (que relembre-se, se basta com a suportada probabilidade) que os pagamentos existentes, o foram, como remuneração de trabalho dependente, para efeitos do Código do IRS.

  6. Assume caráter de retribuição a prestação regular e periódica realizada pelo empregador ao trabalhador, em dinheiro ou em espécie, relacionada com o trabalho prestado pelo trabalhador, presumindo-se como tal qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

  7. As características da regularidade e da periodicidade consagradas pelo legislador na norma constante do n.º 2 do artigo 258.º do Código do Trabalho constituem manifestações de uma vinculação prévia da entidade patronal ao pagamento desses valores ao trabalhador. Visão partilhada pela jurisdição comum e pela jurisprudência do TCA Norte citada supra.

    L. Os conceitos de “remuneração” e de “ajudas de custo” constantes do Código do IRS não podem ser interpretados desligados do contexto do Direito Laboral do qual provêm.

  8. E à imposição legislativa de recorrer aos conceitos de outros ramos do Direito na interpretação da norma tributária que os preveja, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária.

  9. Nem de outra forma poderia ser, atendendo a que o Direito Tributário pretende tributar as operações materiais, atendendo à sua substância, não à sua forma, cf. o n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária.

  10. O procedimento inspetivo apurou valores contabilizados como sendo alegadas ajudas de custo tendo por base meros documentos internos irregularmente preenchidos, sem que se alcance os motivos da alegada despesa apenas constando o nome do Impugnante e o montante – afirmando-se impressivamente, dando-se por provado, a irregularidade do seu preenchimento, nomeadamente, a ausência do objetivo da deslocação impugnando-se a realização da suposta despesa.

  11. Desprezando o Tribunal a quo a parte em que o próprio RIT alega, colocando em causa a realização da suposta despesa que: “Para legitimar a alteração do rendimento declarado, a Administração Tributária tinha de alegar e provar, em primeira linha, que o trabalhador não efetuou tais deslocações ou, caso admitisse as deslocações, teria de alegar e provar que delas não decorreram despesas que justificassem uma compensação ou que inexistia uma correspondência entre as quantias pagas e as despesas normais que as deslocações provocam de forma a convencer que as quantias pagas ao Impugnante cobrem largamente as despesas e que fazem, por isso, parte da retribuição. (penúltimo parágrafo da p. 9), a AT não se limitou a dar conta da mera irregularidade impugnando a realização daquele dispêndio.

  12. Na sentença recorrida, foi dado como matéria de facto assente como FACTO G, junção aos autos em sede de Reclamação Graciosa dos documentos de fls. 197 a 290 daquele apenso referente a supostos dispêndios a reembolsar pela entidade patronal, dando-se por provado como FACTO H que para além de meros recibos de remuneração e demais documentos internos passados pelo empregador e assinados pelo Impugnante os recibos ou faturas referentes eventualmente efetuadas em restaurantes, táxis, gasolina – não é indicado quem logrou pagar a mencionada despesa nem é indicado o NIF do Impugnante – fls. 203 a 205; 206 a...

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