Acórdão nº 0775/19.3BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A……………, devidamente identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC) acção administrativa contra o SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS, doravante SEF, [Ministério da Administração Interna] com vista à impugnação da decisão proferida em 08/04/2019, pela Directora Nacional do SEF, no âmbito do processo nº 357/19 que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional por si formulado e que determinou a sua transferência para a Dinamarca, Estado Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional nos termos do Regulamento (EU) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de Junho, peticionando a anulação do referido despacho, a concessão do direito de asilo ou, subsidiariamente, a aplicação do regime de protecção internacional.

*Por Sentença do TAC de Lisboa, datada de 30 de Junho de 2019, foi a presente acção julgada improcedente.

*O Autor apelou para o TCA Sul e este, por acórdão proferido a 10 de Setembro de 2020, com um voto de vencido, concedeu parcial provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida no que concerne ao acto que ordena a transferência do Recorrente para a Dinamarca, mantendo-a contudo, no que tange à decisão de inadmissibilidade do pedido de asilo formulado pelo Recorrente em Portugal em 28/02/2019, e, condenou o Recorrido a completar a instrução do procedimento, nos termos explicitados no referido Acórdão, devendo, após, prosseguir a tramitação procedimental até emissão de nova decisão.

*O Réu, SEF, inconformado, interpôs o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «1ª - Resulta evidente que o Tribunal ad quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente no que respeita ao mecanismo da Retoma a Cargo, ao qual a Itália está vinculada; 2ª- Revela-se, pois, imprescindível a admissão do presente Recurso de Revista atenta a clara necessidade de melhor aplicação do Direito, face ao entendimento sustentado nos vereditos a quo; 3ª - É evidente que o Acórdão escrutinado na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais e não se coaduna com as normas legais vigentes em matéria de asilo acima referenciadas; 4ª - Está in casu em causa o abalo na confiança jurídica, corolário do princípio da certeza e segurança que se impõe a um Estado de direito, também, e sobretudo, na aplicação da justiça, como outrossim e diretamente, o princípio da legalidade; 5ª - Os factos demonstram, por via do sistema Eurodac, que o ora recorrido havia apresentado anteriormente pedido de proteção internacional a Dinamarca, cuja análise segue a sua tramitação própria e, nessa medida, verificando que, no presente caso, a análise do pedido de asilo apresentado é da responsabilidade do Estado dinamarquês, seguiu-se a tramitação do procedimento especial previsto no Regulamento de Dublin.

  1. - O ora recorrido nada referiu quanto à falta de acolhimento ou que esta se traduziria numa falta de respeito pelos seus direitos, não fazendo qualquer alusão a riscos efetivos ou potenciais do seu receio de regressar a Dinamarca, nem referiu que quando esteve na Dinamarca foi vítima de maus tratos ou de outras medidas persecutórias ou que tivesse sofrido qualquer situação de ofensa aos seus direitos fundamentais ou tivesse sido alvo de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da CDFUE.

  2. - Compulsados os autos verifica-se, assim, que não foi feita uma alegação concreta, densa e particularmente grave pelo Recorrido para que se possa concluir pela imposição à Entidade Administrativa da promoção de diligências instrutórias.

  3. - Não se vislumbra, por força das declarações do próprio Recorrido, que a Entidade Demandada omitiu qualquer dever instrutório, isto é, que devesse ter averiguado outros factos que se revelassem adequados e necessários à tomada de decisão, antes de ditar a transferência do A. para a Dinamarca.

  4. - No âmbito do Procedimento Especial previsto no Capítulo IV da Lei de Asilo (artigos 36º a 40º) relativo à determinação do Estado-membro responsável pela análise o pedido, na medida em que não se vai analisar o mérito do pedido nem os fundamentos em que se baseiam a pretensão do requerente, não se impõe à Administração que adotasse quaisquer outras diligências de prova ou de instrução do pedido, ao contrário do invocado pelo douto acórdão, ora recorrido; 10ª - As autoridades nacionais, in casu, o SEF, não têm de analisar se o pedido apresentado preenche os requisitos quer do art.º 3°, quer subsidiariamente do art.º 7° da Lei nº 27/2008, de 30 de junho, mas sim de proferir vinculadamente a decisão de transferência.

  5. - Nesta conformidade, não haverá de chamar à colação o princípio do benefício da dúvida, nem tão pouco o princípio da não repulsão, a averiguar em sede própria pelas autoridades responsáveis pela análise do pedido, ou seja, as autoridades dinamarquesas.

  6. - Contrariamente ao que o douto acórdão refere, ao ora recorrente outra solução não restava que não fosse propalar a competente decisão de inadmissibilidade e de transferência, a qual não padece de qualquer vício de facto ou de direito; 13ª - Neste contexto, o Acórdão recorrido carece de legalidade, porquanto, conforme precedentemente explanado, no estrito cumprimento do estatuto pela lei nacional da União Europeia sobre a matéria, se lhe impunha considerar impoluto o ato do ora Recorrente.

  7. - Ao invés, assim não atuou, razão pela qual ora se pugna pela revogação do douto Acórdão, atenta a correta interpretação e aplicação da Lei.»*O recorrido contra-alegou, concluindo do seguinte modo: «A) O objeto do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 10/09/2020, incide sobre uma questão de importância fundamental, pela sua relevância jurídica.

  1. Porém contrariamente ao alegado, não necessita de qualquer aclaração, ou melhor aplicação.

  2. Tendo o Direito aplicado cumprido todos os ditâmes legais.

  3. O instituto da “Retoma a Cargo”, deverá ser aplicado nos pedidos de asilo subsequentes e perante eventuais falhas sistémicas no procedimento de asilo ou nas condições de acolhimento, estatuído na Lei 27/2008, de 30.06, no Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de julho, na Convenção de Genebra e na Carta de Direito do Homem.

  4. Face ao pedido apresentado em Portugal e à decisão de retoma a cargo da Dinamarca o Recorrido invocou o princípio da não repulsão, em que o Estado Português, perante as falhas sistémicas do sistema Dinamarquês e eventual regresso ao país de origem, que põem em causa os direitos humanos, pode chamar a si a responsabilidade e decidir pela não transferência.

  5. Ainda assim, a decisão proferida foi a de Retoma a cargo.

  6. Por decisão do douto Tribunal Administrativo de Círculo foi revogada a decisão de transferência do Recorrido, tendo o Recorrente sido condenado a completar a instrução do procedimento devendo ser analisadas as falhas sistémicas na instrução do pedido de asilo bem como na receção de requerentes de asilo, no país de retoma.

  7. O instituto da Retoma a Cargo é aplicável às situações em que já existem pedidos de proteção apresentados em outros países estados membros.

  8. Porém, no caso concreto o pedido de asilo não só tinha sido apresentado como também já se encontrava decidido, não sendo por isso aplicável o nº 2 do art. º 3 do Regulamento de Dublin.

  9. Poderíamos sim estar sobre um caso de apresentação de pedido de asilo subsequente, mas também não era a situação, uma vez que não foram dadas a conhecer novas provas da situação do Recorrido nem foram postos em causas os fundamentos da inadmissibilidade, não sendo por isso aplicável o art. 33º da Lei do Asilo.

  10. Em qualquer uma das situações expostas sempre ter-se-ia que analisar...

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