Acórdão nº 305/14.3TXCBR-P.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelMARGARIDA RAMOS DE ALMEIDA
Data da Resolução17 de Março de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – relatório 1. Por decisão proferida em 3 de Dezembro de 2020, não foi concedida liberdade condicional ao recluso FV_______ .

  1. Inconformado, o arguido recorreu, pedindo a revogação do decidido e a concessão da liberdade condicional.

  2. O recurso foi admitido.

  3. Em resposta, o MºPº junto do tribunal “a quo” entendeu que o recurso não merece provimento.

  4. Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto entendeu em idêntico sentido.

    II – questão a decidir.

    Do preenchimento dos requisitos vertidos no artº 61 do C. Penal.

    iii – fundamentação.

    1.

    O teor da decisão proferida é o seguinte: 1. O recluso encontra-se a cumprir sucessivamente as seguintes penas: - 10 anos e 3 meses de prisão, à ordem do processo n.° 3/12.2PAMGR, do Juízo Central Criminal de Leiria, por dois crimes de furto simples, sete crimes de roubo qualificado, um crime de roubo e um crime de detenção de arma proibida; - 72 dias de prisão subsidiária, à ordem do processo n.° 154/13.6PAMGR, do Juiz 1, do Juízo de Competência Genérica da Marinha Grande, pelo crime de condução sem habilitação legal; - e 173 dias de prisão subsidiária, à ordem do processo n.° 784/12.3PAMGR, do Juízo de Competência Genérica da Marinha Grande, por três crimes de condução sem habilitação legal.

  5. Iniciou cumprimento das penas em 02.06.2013, com o meio a operar em 20.03.2019, os dois terços em 03.12.2020, os cinco sextos em 09.07.2022 e termo em 04.05.2025.

  6. Não regista condenações anteriores.

  7. É a 1.a reclusão registada.

  8. Regista oito sanções disciplinares em reclusão, por factos praticados entre 28.04.2015 e 26.12.2019, das quais cinco de permanência obrigatória no alojamento e uma de internamento em cela disciplinar (sendo esta por factos de 26.12.2019).

  9. Esteve em regime comum de 05.06.13 a 23.05.18, em RAI de 23.05.18 a 28.06.19, em regime comum de 28.06.2019 a 20.08.20 e em RAI desde 20.08.20.

  10. Beneficiou da concessão entre 11.05.2018 e 09.01.2019 de três licenças de saída jurisdicional, sendo a última de cinco dias gozada em Fevereiro de 2019 e gozou mais 2 licenças de saída jurisdicional, uma de 3 dias em Julho de 2020 e outra de 4 dias em Novembro de 2020.

  11. Beneficiou de quatro saídas de curta duração, tidas como positivas, sendo a última em Agosto de 2020.

  12. Encontra-se em LSAE desde meados de Novembro de 2020.

  13. Os elementos do Conselho Técnico emitiram, por maioria, parecer favorável à concessão da liberdade condicional.

  14. O recluso deu o seu consentimento à liberdade condicional.

  15. O Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.

  16. O recluso, natural de Leiria, integra uma fratria de 6 irmãos, ocupando o terceiro lugar, sendo os irmãos fruto de diferentes relações conjugais da progenitora.

  17. A relação dos progenitores terminou após o seu nascimento, não existindo qualquer relação de afecto entre pai e filho.

  18. O seu desenvolvimento decorreu junto da mãe, irmãos e padrasto, num contexto familiar normativo e sem problemas significativos.

  19. Concluiu o 9° ano de escolaridade, após ter feito um curso profissional de serralharia mecânica, com 16 anos de idade.

  20. Considerando que foi preso pela primeira vez com 20 anos de idade, a sua experiência profissional no exterior não é diversificada.

  21. Trabalhou como operário fabril em algumas fábricas na Marinha Grande, mas foram trabalhos esporádicos e sem vínculos.

  22. Teve durante a juventude (16/17 anos de idade) consumos de haxixe, que não manteve.

  23. Não apresenta indícios de consumo de qualquer estupefaciente.

  24. Em meio prisional investiu no aumento da sua escolaridade, tendo frequentado o ensino secundário e concluído o 12° ano.

  25. Demonstrou motivação para esta área, percebendo a importância que terá na sua vida.

  26. Frequentou no Estabelecimento Prisional de Leiria Jovens o “Programa de Estabilização Emocional e Adaptação à Prisão”, dirigido ao grupo de entrados.

  27. Em meio prisional desenvolveu diferentes ocupações laborais, algumas revestidas de mais responsabilidade que outras.

  28. Foi colocado como faxina de refeitório em Novembro de 2019, mas cessou funções por motivos disciplinares em Dezembro do mesmo ano.

  29. Encontrava-se em lista de espera para colocação laboral desde 3 de Julho de 2020.

  30. Tem como rede de suporte familiar uma tia e a sua companheira, relação afectiva já iniciada em meio prisional, sendo que as LSJ são passadas em casa da companheira.

  31. Antes de estar em LSAE, em casa da companheira, recebia com regularidade visitas desta, da enteada e de uma amiga.

  32. O seu discurso é muito direccionado para a desejabilidade social, revestido de alguma manipulação.

  33. Tende a ser muito apelativo e “sedutor” para alcançar os seus intentos.

  34. Manifesta alguma rigidez de pensamento, pese embora reconheça alternativas quando confrontado.

  35. Tem competências para reconhecer os problemas, mas falha na sua resolução, reflexo da sua imaturidade.

  36. Quanto à prática criminal, embora refira assumir os crimes cometidos, ainda se denota a ausência de um arrependimento genuíno, centrando-se nos factores externos, que refere terem estado na base deste comportamento, como a sua imaturidade, o desemprego, o afastamento familiar, o grupo de pares, a sua permeabilidade a influências negativas.

  37. Reconhece os actos praticados (crimes), mas não manifesta sentimentos de empatia para com as vítimas, tal como não prevê o impacto destes na vida dos outros, centrando-se muito nas consequências que estes tiveram na sua vida.

  38. Revela ainda fragilidades no que concerne à capacidade de consciencialização quanto aos riscos e consequências de todas as práticas criminais na sociedade em geral e sobre os danos causados.

  39. Aquando do seu retorno em meio livre, pretende integrar o agregado da sua companheira.

  40. A companheira reside com a mãe e uma filha de 11 anos numa moradia própria de tipologia T3, detentora de boas condições de habitabilidade.

  41. A companheira trabalha como cabeleireira, auferindo cerca de € 750.0 por mês e a mãe desta como auxiliar de limpeza, auferindo cerca de € 650.0 por mês e a pensão de viuvez.

  42. O condenado dispõe ainda do apoio da família materna, sobretudo da avó.

  43. Em meio livre detém colocação laboral como aprendiz de mecânico na empresa em nome individual de P..., conforme contrato de promessa de trabalho que juntou, datado de 14.09.20 (cfr. doc. de fls. 657).

  44. Está inscrito em escola de condução com vista a tirar a carta.

    2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos dados como provados (sendo que inexistem factos não provados, com relevância para a decisão a proferir) tiveram por base os elementos existentes nos autos, em especial a(s) certidão(ões) da(s) decisão(ões) condenatória(s), o Certificado do Registo Criminal, a ficha biográfica, o auto de audição do recluso, a ata da realização do conselho técnico, o parecer do Ministério Público, o relatório dos serviços prisionais do estabelecimento prisional e o relatório dos serviços de reinserção social.

    * Na sua génese, a figura da liberdade condicional constituiu uma resposta de natureza política criminal, vazada em lei, delineada como forma de reagir ao aumento de reincidência que se verificava sobretudo aquando do cumprimento de penas longas ou de média duração. É tida, desde o seu aparecimento, como uma fase de transição da reclusão para a liberdade definitiva (art. 9° do Dec. Lei 400/82, de 23 de setembro, que aprovou o Código Penal), servindo finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, visando minorar as dificuldades de adaptação à comunidade inevitavelmente associadas ao tempo de reclusão e alcançar uma gradual preparação ao reingresso na sociedade de alguém que há muito dela se encontra apartado. Assim se afastando do entendimento anterior da prisão com mera finalidade repressiva e intimidatória, ou seja, como um castigo infligido ao agente (retribuição) e uma forma de intimidar os demais (prevenção do crime). Encurtando-se a pena com base na presunção da recuperação do condenado e na vigilância exercida sobre o seu comportamento que fica sujeito a restrições por forma a evitar a reincidência e a proteger a sociedade, podendo, em caso de má conduta e reincidência, revogar- se a medida.

    A concessão de liberdade condicional, servindo o desiderato supramencionado, obedece, contudo, a critérios legais de ordem formal e de ordem substancial.

    Requisitos de ordem formal: O/a recluso/a tem de ter cumprido metade da pena em que foi condenado com um mínimo absoluto de seis meses, período de tempo considerado pelo legislador a partir do qual a pena tem potencialidade de já ter cumprido as suas finalidades (art. 61°, n. 2, do Cód. Penal). Permitir a liberdade condicional antes do primeiro limite relativo poderia por em causa as irrenunciáveis exigências de prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico, do mesmo passo que se entende que em tempo mais curto do que o limite absoluto mínimo de 6 meses não é possível sequer conhecer o condenado e alcançar a evolução do seu comportamento e a brevidade da sanção excluiu mesmo a possibilidade de mutação significativa.

    É também requisito de forma a obtenção do consentimento do/a recluso/a (art. 61°, n. 1, do Cód. Penal). Este requisito harmoniza-se com a teleologia do instituto - não é uma medida coativa de socialização - baseando-se na voluntariedade do tratamento, oferecendo apenas as condições para que o condenado, se quiser, se possa modificar.

    Face à matéria provada (n°s 2 e 11 dos factos provados) têm-se como verificados tais requisitos.

    Requisitos materiais, com referência à apreciação aos dois terços da pena (art. 61°, n° 3 do Cód. Penal): O legislador neste...

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