Acórdão nº 01006/18.9BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução10 de Março de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações A…………-Turismo, Animação e Jogo, SA, melhor identificado nos autos vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 31 de março de 2020, a qual julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação, efectuada pelo Turismo de Portugal, I.P., de Imposto Especial de Jogo e referente ao mês de Maio de 2018, no montante global de €4.876.752,98.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: 1ª) A presente impugnação tem por objecto uma liquidação do Imposto de Jogo; 2ª) A circunstância de a actividade de jogo exercida pela ora recorrente ser feita ao abrigo de um contrato de concessão celebrado com o Estado, não retira a natureza de imposto ao... Imposto de Jogo; 3ª) O imposto de jogo não possui base contratual como assinala a doutrina, o regime tributário da actividade do jogo é um regime exclusivamente legal; 4ª) Aliás, a recorrente, na petição inicial da impugnação, não contesta a validade do contrato de concessão, nem a validade de qualquer cláusula de tal contrato; 5ª) A recorrente contesta a legalidade de uma liquidação do imposto de jogo por este, tal como definido e estruturado no Decreto Lei nº 422/89, de 2/12 (Lei do Jogo), violar os princípios constitucionais da legalidade, capacidade contributiva, da tributação pelo rendi mento real e da igualdade; 6ª) A recorrente contesta, também, a legalidade de uma liquidação do Imposto de Jogo por não estar devidamente fundamentada e por violar o disposto na Lei do Jogo; 7ª) Tendo em conta a clássica definição de tributo “prestação patrimonial estabelecida por lei a favor de uma entidade que tem a seu cargo o exercício de funções públicas, com o fim imediato de obter meios destinados ao seu financiamento”, é indiscutível que o imposto de jogo, cuja liquidação se impugnou, é um tributo e, além disso, dentro da classificação dos tributos, é um imposto; 8ª) A existência de um contrato de concessão não altera a natureza do tributo em questão, não havendo aqui, como assinalada na doutrina, qualquer “lei contrato”, ou qualquer “tributo contratual”; 9ª) Por outro lado, no presente processo não se impugna a chamada “contrapartida anual” prevista no DL 275/2001, de 17/10; 10ª) É que estamos perante duas figuras tributárias autónomas (o Imposto de Jogo e a contrapartida anual), que incidem sobre realidades diferentes; 11ª) É que pese a circunstância de no cálculo da contrapartida se deduzirem os quantitativos pagos de I. do Jogo, tal não altera o facto indesmentível de estarmos perante dois diferentes tributos, incidindo sobre duas diferentes realidades; 12ª) A impugnada liquidação de Imposto de Jogo é ilegal por ter como fundamento legal o Decreto Lei nº 422/89, de 2/12, sendo que tal diploma, na parte fiscal, é organicamente inconstitucional, por dizer respeito a matéria da competência da Assembleia da República e a lei de autorização legislativa não indicar os critérios mínimos orientadores de tal autorização; 13ª) A liquidação impugnada é, também, ilegal, porque o referido Decreto Lei nº 422/89, é inconstitucional quanto a uma outra vertente do princípio da legalidade; 14ª) Na verdade, o referido diploma atribuiu à autoridade administrativa a competência para fixar, para a tributação sobre as máquinas de jogo, um capital em giro, que constitui a incidência real do imposto; 15ª) Ora, o princípio da legalidade, na sua vertente de reserva de lei, é violado através dessa deslegalização, ao atribuir se à autoridade administrativa a competência para fixar um elemento essencial do imposto; 16ª) A impugnada liquidação é também ilegal por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real; 17ª) É que o imposto do jogo incide sobre o chamado “capital em giro” dos jogos, sem qualquer relação, nem com a receita bruta obtida pela recorrente nem, muito menos, com o lucro; 18ª) O imposto de jogo incide sobre verdadeiras e autênticas presunções inilidíveis de matéria colectável, violando o artº 104º, nº 2 da Constituição; 19ª) As características próprias do Imposto de Jogo, não permite afastar a sua sujeição aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e do rendimento real; 20ª) A circunstância de o Imposto de Jogo incidir sobre o “capital em giro”, não justifica que a fixação dessa matéria tributável seja feita com ignorância ou desprezo total por um mínimo de correspondência com a capacidade contributiva e o rendimento real da recorrente; 21ª) A Lei do Jogo é, também, inconstitucional, por violação do princípio constitucional da igualdade, ao fixar taxas de imposto diferentes para as diversas concessões da actividade de jogo e, portanto, para os diversos contribuintes que se dedicam a essa actividade; 22ª) A liquidação impugnada é ilegal por insuficiente fundamentação quanto à fixação, pelo Turismo de Portugal, do “capital em giro inicial”, já que as deliberações das Comissões de Jogos não indicam os concretos critérios que estiveram na base da concreta fixação, para cada concreto máquina, do capital em giro inicial; 23ª) A liquidação impugnada é também ilegal por esse capital em giro inicial ter sido fixado mensalmente, quando a Lei do Jogo estabelece uma fixação anual; 24ª) A liquidação impugnada é, ainda, ilegal, porque o Turismo de Portugal, em violação frontal da subalínea b) da alínea c) do artº 87º da Lei do Jogo, fixou o capital em giro inicial” sem tomar em consideração as características das diversas máquinas de jogo e as circunstâncias concretas verificadas na sua utilização; 25ª) Assim, a douta sentença recorrida fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação das normas e princípios aplicáveis.

I.2 – Contra-alegações Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso com o seguinte quadro conclusivo: 1. O imposto especial de jogo não é um imposto geral sobre o rendimento, é um imposto especial com características de extrafiscalidade, que tem uma história, que só pode ser verdadeiramente compreendido quando analisado de forma integral e sistematicamente, continuando a ser válidas as razões que estiveram na sua criação e que é aplicável a um leque restrito de contribuintes, 7 concessionárias de zonas de jogo.

  1. O contrato de concessão em causa nestes autos foi celebrado em 17 de junho de 1985, quando estava em vigor o Decreto-Lei n.º 48 912, de 18 de março de 1969, que continha o regime legal de exploração de jogos de fortuna ou azar, incluindo o regime tributário que enformava o contrato. O Governo em 1989, ao aprovar o novo regime que disciplina a exploração de jogos de fortuna ou azar em casinos (Decreto-Lei 422/89) fê-lo acautelando a defesa dos direitos constituídos e das legítimas expetativas das atuais concessionárias da exploração de jogos de fortuna ou azar. Por esta razão a recorrente e demais concessionárias não se opuseram ao referido diploma nem o contestaram e inclusivamente declararam 11 anos mais tarde, em 2001, aquando da revisão dos contratos, aceitar expressamente todas as obrigações que do mesmo constam.

  2. A recorrente ignora as especificidades na regulação pelo Estado da exploração dos jogos de fortuna ou azar, que estão bem patentes na legislação que trouxe esses jogos para o campo da legalidade e, em especial, no regime fiscal introduzido e que se mantém fiel à sua estrutura desde o primeiro momento (1927) em que o Estado decidiu regular uma atividade contra a qual nada podiam já as disposições repressivas.

  3. A especialidade do imposto e as suas características de extrafiscalidade, implicam uma cautela por parte do intérprete e aplicador da lei, uma vez que não lhe são aplicáveis, integralmente, os princípios da “Constituição fiscal”, como são os da igualdade tributária e da capacidade contributiva.

  4. O imposto especial de jogo é um imposto substitutivo de qualquer outra tributação, geral ou local, relativo à atividade específica de exploração dos jogos de fortuna ou azar, ao qual não podem ser aplicadas, sem mais, as regras de um imposto geral sobre o rendimento.

  5. Esta técnica de tributação excecional ao contrário da tributação instituída para generalidade das empresas, não assenta sobre o lucro apurado, o rendimento real ou líquido da exploração, o que se justifica pela especialidade da atividade de jogo. Ao contrário da atividade da generalidade das empresas que é incentivada pelo Estado, sobre a atividade do jogo incide um forte juízo de censura moral não pretendendo o Estado incentivar a mesma. A regulação do jogo impôs-se como uma inevitabilidade para o Estado que não quis ser parte interessada nos lucros da atividade, recusando lucrar com o infortúnio e a desgraça alheia.

  6. Inexiste qualquer violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, uma vez que o n.º 2 do art.º 104.º da CRP, prevê que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o...

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