Acórdão nº 2314/19.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução04 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO S....... intentou a presente acção administrativa no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, impugnando o despacho da Directora Nacional (DN) Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 25/10/2019, que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional apresentado pelo ora Recorrente e determinou a sua transferência para Itália. Na decisão recorrida foi julgada improcedente a acção e foi o Ministério da Administração Interna (MAI) absolvido do pedido.

Inconformado com a decisão, o Recorrente apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões: “1. Por decisão proferida pelo Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros, em processo de Asilo, foi considerado inadmissível o pedido de proteção internacional apresentado pelo Recorrente, declarando-se a Itália responsável pela sua retoma a cargo e determinando-se a transferência do Recorrente para aquele país.

  1. Confrontado com essa ordem, o Recorrente propôs a presente impugnação jurisdicional, pugnando pela anulação daquela decisão, com todas as legais consequências, e sua substituição por outra que substituindo-a por outra que determine a análise e instrução do pedido pelo Estado português.

  2. A sentença ora recorrida, proferida sem prévia audiência de julgamento, ou produção de outras provas, considerou assentes os fatos elencados sob os nºs 1 a 11 constantes nas fls. 4 a 6, que dá por reproduzidos para todos os efeitos legais.

  3. E com base nessa fatualidade, o Tribunal a quo julgou improcedente a acção por considerar válida e legal a decisão recorrida, legitimando as razões invocadas pela autoridade Recorrida à sustentação da ordem contra a qual se insurge o Recorrente.

  4. Nomeadamente, resulta da sentença, por aplicação do Regulamento de Dublin, com especial referência aos arts. 12º, 13º e 20º; em conjugação com a Lei de Asilo, com especial referência aos arts. 19º-A, 36º a 40º e 37º; quanto aos requisitos legais da determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo: Ora tendo o Autor apresentado, primeiramente, um pedido de asilo em Itália, –Turino--, não era legalmente possível, como não é, outra solução que não seja a de dar início ao processo de determinação do Estado-Membro responsável, como fez o Réu.

    […] Tendo Portugal, por outro lado, efetuado o pedido de retoma a cargo ao Estado italiano, que, nos termos do citado Regulamento, aceitou a retoma a cargo, não podia o Réu deixar de determinar a transferência do Autor paraItália.

  5. E ainda, resulta da sentença, em remissão aos Acórdãos de 19/03/2019 [Proc.s C-297/17, C-318/17, C-319/17 e C-438/17] do Tribunal de Justiça da EU e do STA resultante do Proc. 2240/18.7BELSB, quanto à necessidade de saber se o SEF tinha o dever de instruir o processo com a averiguação concreta sobre se a retoma a cargo do A. ofende os princípios humanitários que impeçam a transferência para a Itália: Não colhe a alegação do A, no sentido de que, em suma, a Itália tenha menos capacidade e condições de acolhimento do que Portugal, e de que Itália trate de forma sistémica, desumana e ultrajante os cidadãos estrangeiros refugiados, não obstante as vagas de imigrantes que têm desembarcado na sua costa como refere o Réu, e como terá sido o caso do Autor. Por outro lado, há um claro pensamento indutor subjetivo e politizado subjacente às alegações, não sendo verosímil e plausível a versão que nos apresenta dos factos relativamente aos alegados tratamentos desumanos da Itália, sendo que, tendo vindo, sem quaisquer documentos, da República da Guiné Conacry para o Mali, depois Burkina Faso, Níger e Líbia, onde teria ficado 10 meses até atravessar de barco da Líbia para o campo de refugiados da ilha ‗italiana‘ de Lampedusa, e, tendo alegadamente chegado ‗à Itália‘ em 2016, o pedido de asilo é feito em Turim, norte de Itália, a 28/06/2016.

    […] Certo é que veio a verificar-se que o A pediu asilo em Itália, em 28/06/2016, mas resolveu dirigir-se para Portugal/Lisboa mediante autocarro, via Espanha, em agosto de 2019, mais de 3 anos após, declarando agora que não ficou à espera que as autoridades Italianas lhe dissessem que tinha que sair do país, declarando ter entrado em Portugal em 04/09/2019, sem quaisquer documentos.

    […] Ora, o A não exerce adequadamente este ónus, evidenciando com dados concretos e verificáveis essa alegada desumanidade e ultraje praticado pelo Estado italiano, nem ainda quanto à alegada incapacidade daquele Estado em processar pedidos de Asilo, antes pretendendo imputar tal ónus ao Estado requerido, que ao mesmo não está sujeito.

    […] Neste entendimento, que tem sido o nosso noutros casos similares, e que aqui reiteramos, não há motivo sério para afastar o Estado-Membro Italiano como responsável, por serem genéricas, inverosímeis e improcedentes as alegações agora aduzidas pelo Autor, em sede de impugnação da decisão do Réu, para não ser transferido para Itália onde efetuou o primeiro pedido de asilo.

  6. Termos em que, em resumo, com fundamento na fatualidade considerada provada, a decisão recorrida considerou o Estado italiano responsável pela análise do pedido formulado pelo ora Recorrente estritamente com base na ocorrência registada no Sistema Eurodac e na ausência de resposta das autoridades italianas ao pedido de retoma a cargo no prazo legal previsto pelo art. 25º do Regulamento de Dublin, mostrando-se a referida decisão totalmente omissa quanto à situação atual dos refugiados e requerentes de proteção internacional em Itália.

  7. Com todo o respeito, não se pode concordar que a sentença recorrida tenha adotado a melhor interpretação dos fundamentos de fato e de direito aplicáveis. Ora, 9. Considerações sobre o desenvolvimento da Itália enquanto país europeu à parte, temos que, de fato, é amplamente conhecida a situação atual da Itália, no que concerne à grande afluência de refugiados e às condições de acolhimento e permanência dos requerentes de proteção internacional, veiculadas pela imprensa e organizações não governamentais.

  8. Refira-se, por exemplo, o Relatório da Amnistia Internacional sobre a situação da Itália em 2016, período em que o Recorrente encontrava-se na Itália e, portanto, ao qual se reportam os abusos que alega ter sofrido, disponível na Internet em: https://www.amnistia.pt/wpcontent/ uploads/2017/06/AIreport_Hotspot_Italy_EU_approach_leads_to_violatins_of_refugee_and_migrant_rights.pdf.

  9. E as notícias cujos links vão abaixo informados, sem prejuízo dos demais inúmeros resultados que uma simples pesquisa no Google permite alcançar: · https://www.amnistia.pt/politicas-migratorias-europeias-deendurecimento- levam-a-abusos-de-refugiados-e-migrantes-em-italia/ de 3 Novembro 2016; · https://www.amnistia.pt/paises-da-ue-cumpriram-menos-um-terco-daspromessas- recolocacao-requerentes-asilo/ de 26 Setembro 2017; · https://www.amnistia.pt/um-ano-do-acordo-migracoes-italia-libiamilhares- pessoas-encurraladas-na-miseria/ 2 Fevereiro 2018; · e, https://www.publico.pt/2019/08/16/mundo/noticia/continuaprocurarse- porto-navio-open-arms-atracar-1883593 de 16 de Agosto de 2019.

  10. Entretanto, em que pese ser notória [e, portanto, de conhecimento obrigatório julgador] a incapacidade da Itália em dar resposta à situação dos refugiados e requerentes de asilo que ali aportam (quando aportam), e mesmo a hostilidade com que estes são tratados e a infração das leis e princípios europeus aplicáveis ao asilo e proteção internacional, preferiu o tribunal a quo cingir-se à pretensa não credibilidade dos fatos alegados pelo Recorrente, quanto à experiência pessoal e concreta vivida no sistema italiano.

  11. E também no quesito credibilidade não andou bem a decisão recorrida, s.m.o. e com o devido respeito.

  12. O Recorrente prestou depoimento coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar tanto ao seu país, como à Itália, os quais dá-se por integralmente reproduzidos.

  13. Depoimento este que tem o condão de lhe outorgar o benefício da dúvida, princípio aplicável a propósito dos procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado: Depois do requerente ter feito um esforço genuíno para substanciar o seu depoimento pode existir ainda falta de elementos de prova para fundamentar algumas das suas declarações. Como explicado antes [parágrafo 196], dificilmente é possível a um refugiado "provar" todos os factos relativos ao seu caso e, na realidade, se isso fosse um requisito, a maioria dos refugiados não seria reconhecida. É, assim, frequentemente, necessário conceder ao requerente o benefício da dúvida […]. [Cfr. Manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado de acordo com a convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados - ACNUR, Genebra, Janeiro de 1992].

  14. Em nenhum momento do depoimento prestado é possível identificar contradição ou incoerência no discurso.

  15. Pelo contrário, as notícias veiculadas sobre a situação dos refugiados e requerentes de asilo na Itália corroboram o relato do Recorrente, a exemplo da matéria veiculada pela Amnistia Internacional aos 03-11-2016...

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