Acórdão nº 413/18.1T9VRS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo comum com intervenção de tribunal singular nº 413/18.1T9VRS, do Tribunal da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António, Juiz 1, foi condenado o arguido (...), pela prática de um crime de furto qualificado, p.p., pelos Artsº 203 nº1, 204 nsº1 al. j) e 2 al. a) e 202 al. b), todos do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período e subordinada à obrigatoriedade de regime de prova.

Mais foi condenado, em sede de indemnização civil, a pagar à demandante EDP-Distribuição-Energia SA, a quantia de € 57.689,72 (cinquenta e sete mil seiscentos e oitenta e nove euros e setenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, concluindo as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição): A – Por pequena que seja a duvida, cabe equacionar a aplicação dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade da decisão de declarar como assente a prática, a autoria, pelo ora arguido, por si mesmo ou por alguém a seu mando, dos factos de que vem acusado.

B – Ora, devendo colocar-se várias questões prévias, de dúvidas, e segundo a nossa jurisprudência torna-se imperativo, fazer funcionar o princípio “in dúbio pro reo”.

C – O princípio do “in dúbio pro reo” deve ser proporcional, quanto à gravidade de que vem acusado pelo MP para que lhe seja imputado a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º1 e 204.º, n.º1, alínea j), e n.º 2, al. a) do Código Penal.

D – O mesmo raciocínio também se deverá aplicar em relação à moldura legal aplicada de condenação em 2 anos e oito meses de prisão embora suspensa pelo prazo do seu cumprimento efectivo.

E – O Recorrente tão pouco se conforma com a indemnização imposta a favor da ofendida, por entender não estarem preenchidos todos os pressupostos enunciados no artº. 483º do Código Civil.

F – Pelo que não deve o pedido civil ser totalmente procedente, por não provado, pelo que não se aceita que se condene o Recorrente a pagar à demandante o montante de 57.689,72 (cinquenta e sete mil, seiscentos e oitenta e nove euros e setenta e dois cêntimos) por largamente excessivo e desproporcional.

G – Não de somenos importância tem o facto de o próprio Tribunal “a quo” na sua livre apreciação da prova, e convicção de julgamento afirmar: “a grande questão é, quanto a nós, a imputação dos factos objectivos, constatados em sede de acção inspectiva, à pessoa do arguido. Perante o silêncio deste, é possível assacar ao arguido a prática dos factos apurados? (nosso sublinhado e sombreado).

H – Ora é o próprio Mmº Juiz do Tribunal “a quo” que assim se questiona: “É possível assacar ao arguido, relembrando que o silêncio não o pode prejudicar, a autoria, seja por acto próprio, seja por ordem dada a terceiro, da derivação trifásica no quadro eléctrico existente dentro da sua residência? (nosso sublinhado e sombreado).

I – Veja-se como o Mmº Juiz do Tribunal “a quo “ elabora a sua convicção segundo o princípio da livre apreciação da prova, quanto ao facto de o Recorrente não ter sido constituído arguido no processo-crime: “…Como facilmente se constata da análise dos documentos juntos aos autos, e referidos acima, o ora arguido teve intervenção, como testemunha, na fase de instrução de processo-crime em que a sua esposa era ali arguida. E, em consequência dessa intervenção, a sua esposa não foi naquele processo pronunciada, porém o arguido veio a ser acusado nestes autos…” E ainda: “…Salvo o devido respeito, quando o arguido, ali na qualidade de testemunha, foi inquirido e prestou o seu depoimento, deveria, de imediato, ter sido constituído como arguido e, nessa medida, estaríamos perante caso de declarações de co-arguidos…” Sendo a questão: “…Nestes autos, face ao silêncio do arguido nesta audiência de julgamento, começa logo por colocar-se relativamente ao valor extra-processual do seu depoimento produzido em sede de instrução. É evidente que aquele depoimento não pode valer como confissão, com o valor probatório processual que ela tem, face ao silêncio em que o arguido aqui se posicionou (seria fazer entrar pela porta aquilo que se fez sair pela janela) …”; J – O Recorrente não foi nunca constituído como co-arguido, logo não pode o seu depoimento naquele outro processo, valer como confissão neste concreto processo.

L – E como tal essa prova carreada que foi para o presente processo deve ser considerada nula.

M – O Tribunal “a quo” fundamentou a sentença recorrida quanto à matéria dada como provada, nos depoimentos da testemunha no processo-crime instaurado contra a cônjuge do recorrente, por via de prova documental e pela livre apreciação da prova cfr. melhor resulta do art.º 127º do CPP; N – Dos depoimentos como testemunha, não resulta que o recorrente tenha dirigido directamente a instalação da derivação trifásica ou encarregue alguém da mesma, O – O tribunal “a quo” com estes depoimentos não poderia ter dado como provada a factualidade que esteve na base da acusação formulada pelo MP.

P – A factualidade que resulta da imputação dos factos objectivos terá necessariamente que ser dada como não provada.

Q – As declarações proferidas enquanto testemunha não configura uma confissão do recorrente, e por conseguinte, nem configuram o seu posicionamento culposo; R – As declarações proferidas pelo recorrente enquanto testemunha são inócuas para dar como provado a matéria constante desse testemunho como factualidade provada; S – Logo o tribunal “a quo” não poderia ter dado como provada essa matéria.

Considera-se deste modo que o Tribunal “a quo” na sentença proferida violou o seguinte normativo: Art.º 118, art.º 120º, do art.º 124º ao art.º 128º e art.º 164º todos do CPP.

Art.º 25 n.º 1, Art.º 29º n.º 6, e art.º 32º n.º 2 todos da CRP.

Nestes termos, e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências Venerandos Juízes, deverá este recurso ser procedente e consequentemente ser revista a sentença que decretou a condenação do Recorrente.

C – Resposta ao Recurso O M.P. junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, (Consigna-se que não se procede à transcrição das conclusões da resposta do MP, por as mesmas estarem informaticamente inaproveitáveis, quer na plataforma Citius, quer no suporte junto aos autos) D – Tramitação subsequente Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que se pronunciou pela improcedência do recurso.

Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO A – Objecto do recurso De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Na verdade e apesar do recorrente delimitar, com as conclusões que retira das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este, contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.

In casu, não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (Artº 410 nº3 do CPP).

O objecto do recurso cinge-se às conclusões do recorrente, nas quais invoca, na essência, o erro de julgamento em relação à factualidade que permitiu a sua condenação, o que consubstancia a violação do princípio in dubio pro reo.

B – Apreciação Definida a questão a tratar, importa atentar no fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.

Aí, foi dado como provado, o seguinte (transcrição): FUNDAMENTAÇÃO São os seguintes os Factos Provados 1 - O arguido (...) reside na Rua (….) com a sua mulher (…), desde o ano de 1993 e, no mesmo edifício da residência tem instalado e a funcionar um salão de cabeleireira, explorado pela mulher, e no 1.º e 2.º andares do edifício, vários quartos que arrenda na época comercial.

2 - A gestão da exploração do arrendamento dos quartos foi sempre feita directamente pelo arguido.

3 - Durante período não concretamente apurado, mas apenas durante alguns anos após 1993, funcionou também no mesmo edifício outro estabelecimento comercial com a natureza de bar, também directamente explorado pelo arguido.

4 – Para todo o edifício da residência do arguido e da sua mulher, incluindo o salão de cabeleireiro explorado por esta e os quartos para arrendamento, foi contratado o fornecimento de energia eléctrica a um comercializador em mercado livre («EDP Comercial – Comercialização Energia, SA»), através de um contrato que...

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