Acórdão nº 698/11.4TAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Local Criminal, J2 - corre termos o processo comum singular supra numerado, tendo a Mmª Juíza da comarca lavrado despacho a 03-11-2020 a declarar prescrita a pena de multa de 130 dias, à taxa diária de € 5, imposta por sentença transitada em julgado em 18.09.2012, ao arguido (...).

Despacho recorrido - da Mmª Juíza da comarca lavrado a 03-11-2020, no qual foi declarada prescrita a pena de multa de 130 dias, à taxa diária de € 5, imposta.

Sentença condenatória - transitada em julgado em 18.09.2012; A requerimento do arguido de 04-12-2013, repetido em 17-06-2014 o tribunal decidiu por despacho de 01-09-2016 substituir a pena de multa pela prestação de 130 horas de trabalho a favor da comunidade; O condenado iniciou a prestação de trabalho em 03.04.2017; O condenado cumpriu um total de 81 (oitenta e uma) horas, não mais tendo comparecido desde 15.10.2018; Considerando existente incumprimento culposo, pelo arguido, da prestação de trabalho a favor da comunidade, em substituição do pagamento da pena de multa, foi revogada a prestação de tal trabalho por despacho de Julho de 2020.

Não foi possível proceder à audição do condenado, uma vez que o seu paradeiro é desconhecido.

* Inconformado, o Digno magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Comarca de Faro interpôs o presente recurso pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que reconheça que ainda não decorreu o prazo de prescrição da pena, com as seguintes conclusões: 1ª) Por sentença transitada em julgado em 18.9.2012 foi o arguido condenado na pena de 130 dias de multa à razão diária de €5,00.

  1. ) Em 17.6.2014 o arguido requereu a substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade – fls. 172.

  2. ) Em 1.9.2016 ( fls. 182) tal pedido foi deferido.

    O arguido iniciou a prestação de trabalho a favor da comunidade em 3-4-2017, tendo cumprido 81 horas até o dia 15-10-2018 ( fls.248 a 250 e 257).

  3. ) Por despacho de 13-7-2020 ( fls. 280 a 282) foi revogada a prestação de trabalho a favor da comunidade.

  4. ) Sempre que estiver pendente um pedido de pagamento de uma pena de multa em prestações ou um pedido de prestação de trabalho a favor da comunidade o Ministério Público não pode executar essa pena de multa, pelo que o prazo de prescrição dessa pena encontra-se suspenso desde a data da apresentação desse pedido até que seja proferida uma decisão final acerca desse “incidente” (artigo 125 nº 1 alínea a) do Código Penal).

  5. ) O requerimento do arguido a solicitar a prestação de trabalho a favor da comunidade constitui causa de suspensão da prescrição da pena.

  6. ) É o caso dos autos, o prazo de prescrição da pena encontrou-se suspenso desde 17/6/2014, por via da apresentação do requerimento do arguido a pedir a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade até 13/7/2020 data em que foi decidida a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade ( fls. 280 a 282).

  7. ) Ao declarar extinta por prescrição a pena de multa em que o arguido foi condenado, o despacho recorrido violou o disposto no artigo 125º, n.º1, alínea a) do Código Penal.

    Face ao exposto, atendendo a que o prazo de prescrição da pena (4 anos) esteve suspenso desde 17/6/2014 até 13/7/2020, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que defira a promoção requerida relativamente a apurar do paradeiro do arguido.

    * O arguido apresentou resposta declarando que concorda com a decisão recorrida.

    O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso, como segue: II – Considerando as questões suscitadas na motivação de recurso do Magistrado do Ministério Público do Juízo Local Criminal de Faro – Juiz 2, refere-se que, manifestando concordância genérica com as perspetivas jurídicas e conclusões apresentadas, apontando de forma clara e assertiva os motivos e fundamentos que evidenciam a sua pretensão, acompanhamos tal posição e respectiva argumentação, também opinando no sentido da procedência do recurso.

    III – Concordamos inteiramente com o teor das decisões proferidas nos Acórdãos desta Relação de 22-1-2019, Recurso n.º 554/09.6GAOLH-A.E1, de 2017-07-13, Recurso n.º 1936/09.9TAFAR-A.E1, e de 4-2-2020, Recurso n.º 287/08.0GCFAR.E1, todos in www.dgsi.pt, citados na motivação de recurso do Ministério Público.

    Além destes arestos e, no mesmo sentido, o Acórdão desta Relação, de 2016-10-25, Recurso n.º 39/09.0GBPTM-A.E1, in www.dgsi.pt :“O cumprimento parcial da pena de multa, através da prestação de horas de trabalho, interrompe a prescrição da pena, ex vi do artigo 126.º, n.º 1, alínea a), do CP.“ E, ainda o também Acórdão desta Relação de Évora, de 26-6-2018, Recurso n.º 2088/11.0TAFAR, in www.dgsi.pt:" O cumprimento parcial da pena de multa, através da prestação de horas de trabalho, interrompe o prazo de prescrição”.

    Nesta conformidade somos de parecer que o recurso interposto pelo Ministério Público deve ser julgado procedente, pelo que deve revogar-se o douto despacho recorrido e substituir-se por outro que considere que o prazo de prescrição da pena de multa se encontra suspenso desde 17/6/2014, por via da apresentação do requerimento do arguido a pedir a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, até 13/7/2020, data em que foi decidida a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade.

    Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal.

    Lavra-se decisão sumária visto o disposto no art. 417º, nº 6, al. a) do CPP.

    * B - Fundamentação: B.1 - Os factos relevantes para apreciação constam do antecedente relatório e do despacho recorrido.

    É este o teor do despacho da Mmª Juíza da comarca, na parte relevante: «(…) Compulsados os autos verifica-se que inexistem causas de suspensão previstas naquele artigo 125.º do Código Penal.

    Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 23.05.2012, no âmbito do processo n.º 1366/06.4PBAVR.C1, disponível em www.dgsi.pt: “O deferimento do requerimento da substituição do pagamento da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade não constitui causa de suspensão do decurso do prazo de prescrição da pena.” Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 18.04.2017, no âmbito do processo n.º 672/08. 8 PTFAR.E1, disponível em www.dgsi.pt: “I - Quer o pagamento em prestações, quer ainda a prestação de trabalho, constituem formas de cumprimento da pena de multa, mas que apenas poderão considerar-se em execução quando se iniciarem efectivamente, isto é, quando ocorra o pagamento que havia sido diferido, ou o efectivo pagamento de alguma das prestações autorizadas ou ainda a prestação efectiva de, pelo menos, algumas horas do trabalho comunitário. II - E, assim sendo, o que está em causa são formas voluntárias de pagamento da multa, que deverão ser requeridas pelo condenado, não atribuindo a lei a tais pedidos – e só a lei o poderia fazer face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 125.º do C. Penal – capacidade para suspenderem a prescrição da pena de multa, por impedirem o início ou a continuação da execução da pena. Com efeito, a prestação de trabalho a favor da comunidade em substituição da pena de multa aplicada.” No mesmo sentido decidiu também o Tribunal da Relação de Évora, em 22.10.2019, por Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 973/08.5TABF-A.E1, disponível em www.dgsi.pt : “O requerimento apresentado pelo arguido para substituição da pena de multa em que foi condenado, por prestação de trabalho a favor da comunidade (ou, subsidiariamente, para pagamento da multa em prestações), não constitui causa de suspensão da prescrição da pena de multa”.

    Neste Acórdão pode ler-se o seguinte: “Em relação à pena de prisão, o termo «execução» nunca trouxe qualquer dúvida, sendo entendido como início do cumprimento da pena, com a correspondente privação da liberdade.

    Já quanto à pena de multa, o termo revelou-se equívoco, ao ponto de ter sido tratado como tendo um duplo sentido: execução patrimonial e cumprimento da pena.

    Com efeito, existiram respostas jurisprudenciais diversas quanto à questão de saber se a instauração da execução para pagamento coercivo da multa constituía ou não causa de interrupção da prescrição, nos termos do art. 126.°, n.º 1, al. a) do CP. Tal divergência esteve na origem do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2012, que fixou a seguinte jurisprudência: «[a] mera instauração pelo Ministério Público de execução patrimonial contra o condenado em pena de multa, para obtenção do respectivo pagamento, não constitui a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no artigo 126. º, n.º 1, alínea a), do Código Penal» - proferido no processo n.º 204/0S.0GBFND.C1-A.81, pelo relator Manuel Braz, in www.dgsi.pt.

    Para chegar a tal conclusão, o mais alto Tribunal interpretou o termo «execução» no sentido de começo de cumprimento. Tal como a execução da pena de prisão só se inicia com a privação da liberdade, também não há execução da pena de multa (fora dos casos de substituição por trabalho ou conversão em prisão subsidiária) enquanto não houver perda patrimonial, ou seja, pagamento voluntário ou coercivo, por conta do valor da multa.

    A instauração de um processo executivo tem em vista formas de obter o pagamento da multa, não equivalendo ao pagamento da mesma e, por isso, não corresponde à execução ou início do cumprimento da pena.

    O conceito de «execução da pena» não coincide, pois, com o conceito de «processo de execução», ainda que este se destine a executar uma pena. O ponto de coincidência entre o processo executivo e a execução da pena apenas se atinge no momento em que se obtém o pagamento da multa, ainda que parcial. Na realidade, não pode entender-se que os meios utilizados pelo Ministério Público na obtenção da sua...

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