Acórdão nº 2157/20.5T8SNT.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelALVES DUARTE
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa I - Relatório.

AAA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra Ré BBB, pedindo que: a) se reconheça e declare a existência de um contrato de trabalho a termo certo celebrado entre as partes, com início em 02-05-2019 e termo a 01-12-2019, conforme os artigos1.º a 9.º da petição inicial; b) seja declarado ilícito o seu despedimento promovido pela Ré; c) a ré seja condenada a pagar-lhe: • os vencimentos referentes ao período decorrido entre 02-05/2019 e 01-12/2019, no montante global de € 4.571,67 (quatro mil quinhentos e setenta e um euros e sessenta e sete cêntimos); • a quantia global de € 1.310,92 (mil trezentos e dez euros e noventa e dois cêntimos), referente aos demais créditos salariais em divida; • a quantia de € 227,50 (duzentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos) a título da compensação; f) uma indemnização por danos morais em montante não inferior a € 1.000,00 (mil euros); g) e os juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento, alegando, em síntese, que: • no dia 02-05-2019, e com início no mesmo dia, celebrou com a Ré um contrato de trabalho, pelo prazo de sete meses, com termo no dia 01-12-2019.

• no dia 16-05-2019, a ré lhe comunicou que não necessitava mais dela e que prescindia dos seus serviços.

• essa comunicação consubstancia um despedimento sem justa causa e, por isso, ilícito, motivo porque a acção deve ser julgada procedente condenando-se a Ré nos pedidos formulados.

Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Para tal notificada, a ré contestou, alegando, em resumo, que: • a autora litiga de má-fé.

• o contrato cessou por sua iniciativa, no decorrer do prazo de trinta dias do período experimental estipulado, sendo que a trabalhadora foi informada da intenção da Ré de pôr termo ao contrato.

• liquidou todos os créditos laborais devidos e, porque o contrato cessou de forma lícita.

• concluiu pela sua absolvição de todos os pedidos, condenando-se a autora como litigante de má-fé por deduzir pretensão que carece de fundamento legal e com base nisso pediu desde logo a condenação da Autora em indemnização de valor não inferior a € 2.000,00 para reembolso das despesas a que deu causa com a presente acção com taxas de justiça, constituição de mandatário judicial e deslocações ao Tribunal.

A Mm.ª Juiz a quo proferido de seguida despacho saneador, no qual a considerou que inexistiam quaisquer nulidades, excepções dilatórias ou questões prévias que cumpra apreciar e que obstassem ao conhecimento do mérito da causa e que os autos continham todos os elementos essenciais ao conhecimento da questão controvertida e proferiu sentença na qual julgou: i. parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acção e, em conformidade condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 25,27, a título de proporcionais do subsídio de Natal, a que acrescem juros de mora desde a data de citação até efetivo e integral pagamento; ii. procedente o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé e, em conformidade, condenou-a no pagamento à ré de uma indemnização, em montante não superior a € 2.000,00, correspondente à taxa de justiça, a honorários ao ilustre mandatário decorrentes do presente processo judicial e a deslocações ao Tribunal, a fixar concretamente após a prolação desta sentença.

Inconformada, a autora interpôs recurso, pedindo que a sentença proferida seja revogada, com as legais consequências, culminando a alegação com as seguintes conclusões: "1. O presente recurso é interposto da decisão final, proferida pelo Tribunal a quo nos termos do disposto no art.º 595.º, n.º 1, al. b) do CPC, aplicável ex vi do art.º 1.º, n.º 2 do CPT, que conhecendo do mérito, pôs termo à causa; 2. O presente recurso versa sobre matéria de direito ainda que, como questões prévias, seja suscitada a nulidade da decisão; 3. É entendimento da Recorrente que o douto despacho recorrido viola o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, ex vi do art.º 61.º do CPC, que integra o princípio do contraditório, o que, salvo melhor opinião, consubstancia a prática de uma nulidade processual, que influiu no exame ou decisão da causa.

4. Ora, findo os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho nos termos e para os efeitos do artigo 508.º do Código de Processo Civil e se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, pode o juiz, sem prejuízo do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil decidir do mérito da causa (cf. art.º 61.º do CPT); 5. Na verdade, dispõe o n.º 3 do art.º 3.° do CPC que 'o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o principio do contraditório, não lhe sendo licito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem (…).' 6. Ora, a não observância do princípio do contraditório, no sentido de ser concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as questões que importe conhecer, na medida em que possa influir no exame ou decisão da causa, constituiu uma nulidade processual nos termos do artigo 195° 1 do CPC, obedecendo a sua arguição à regra geral aí prevista (Ac. Rel. Évora de 1.4.2004); 7. Assim, antes de proferir a decisão o juiz deve conceder às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre todas as questões, ainda que de direito e de conhecimento oficioso, sendo proibidas as decisões surpresa.

8. No caso vertente, com audiência de julgamento já designada, a Meritíssima Juiz a quo, julgando do mérito da acção em matéria de direito e sem antes acautelar o princípio do contraditório quanto à sua pretensão, ditou o fim da acção, com uma verdadeira 'decisão-surpresa'.

9. Ora, a aqui Recorrente não foi notificada para, querendo, sobre o mesmo tomar posição.

10. Salvo melhor opinião, não podia o tribunal recorrido decidir a questão em mérito sem prévia audição da parte contrária — a aqui Recorrente sob pena de se violar o princípio do contraditório, na vertente da proibição de decisão-surpresa.

11. No caso subjuditio, a contestação da Ré foi notificada à Autora mas a este articulado não podia a Autora responder, sendo agora a audiência prévia ou o início da audiência final, nos termos do novo número 5 do art.º 60.º, o momento próprio para tal resposta.

12. Os factos, as provas de tais factos e os critérios jurídicos aplicáveis aos mesmos são as três bases ou níveis em que assenta a decisão do Tribunal e, por isso, a possibilidade de ambas as partes influírem na decisão, pronunciando-se sobre a intervenção processual da outra, reporta-se a todos eles, ou seja, tem por objecto quer os argumentos factuais, incluindo provas, quer os jurídicos.

13. Ao nível do direito, o princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos de direito em que a ela vá assentar, sendo aquele princípio o instrumento destinado a evitar as decisões surpresa.

14. A regra do contraditório deve assim, abarcar a própria decisão de uma questão de direito decisiva para a sorte do pleito. À Autora, pelo menos, deveria ter, sido dada a possibilidade de, previamente, a discutir sendo que tal 'entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo n.º 3, do art.º 3.º.

15. Não quis, pois, a lei excluir da decisão, as subsunções que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas, antes estabeleceu que a concreta decisão a tomar tem de, previamente, ser prevista pelas partes, tendo, por isso, de lhes ser dada 'a priori' possibilidade de se pronunciarem sobre o novo e possível enquadramento jurídico, o que no caso em apreço, não sucedeu.

16. Nenhuma decisão deve, pois, ser tomada sem que previamente tenha sido dada efectiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, possibilitando-se-lhe, assim, influi activamente na decisão - cfr. Ac. do STJ de 04/05/99, processo n.º 99057, in dgsi.net; 17. No caso, estaremos perante uma decisão surpresa porque a sentença ora em apreço coloca a discussão jurídica num módulo ou num plano diferente daquele em que a Recorrente o havia feito e comporta uma solução jurídica que a Recorrente não tomou oportunamente posição sobre ela.

18. A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do art.º 195.º, n.º 1 do Código do Processo Civil - a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa.

19. E dada a importância do contraditório é indiscutível que a sua inobservância pelo Tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa.

20. E, estando a decisão-surpresa coberta por decisão judicial, como é entendimento pacífico da jurisprudência, nada obsta a que a mesma seja invocada e conhecida em sede de recurso Acs. STJ. de 13/01/2005, Proc. 04B4031; RP de 18/06/2007, Proc. 0733086, in base de dados da DGSI.

21. Por outro lado, não obstante, na subsunção ao direito efectuada na sentença se poder ler que 'a cessação do contrato foi válida' e que a Autora não tem direito aos valores reclamados, a parte sintética decisória do despacho ora em crise, condenando a Recorrida a pagar o crédito decorrente do subsídio de natal em divida, omite a absolvição da Recorrida dos demais pedidos formulados; 22. As nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no n.º 1, do art.º 615.º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão; 23. O art.º 615.º do CPC, aplicável ex...

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