Acórdão nº 21/19.T8CBT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1. No Juízo de Competência Genérica de Celorico de Basto do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, em processo de impugnação judicial de contra-ordenação com o nº 21/19.0T8CBT, foi proferida sentença no dia 14/05/2020, depositada a 15/05/2020 – na sequência da decisão deste Tribunal da Relação que declarou a nulidade da sentença anteriormente proferida -, que julgou improcedente o recurso interposto pela arguida “X & Companhia, Lda.” da decisão do Sr. Inspetor Diretor da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), no uso de competência delegada pelo Sr. Inspetor-Geral dessa autoridade, mantendo a decisão administrativa nos seus precisos termos.

A decisão administrativa proferida tem o seguinte teor (transcrição): “VII - DECISÃO: Face ao exposto, decide-se: Condenar a sociedade arguida X & COMPANHIA, Lda, sob a forma negligente, da contraordenação prevista no art.º 15º, nº 2 da Lei nº 37/2007, de 14 de Agosto; 1- pagamento de uma coima no montante de 15.000€ por se tratar de uma pessoa colectiva.

2 – à sanção acessória de interdição de venda de qualquer produto do tabaco, pelo período de três meses, aplicável nos termos do art.º 26º, nº 2 da referida lei, conjugada com o art.º 21º do RGCO; 3 – Decide-se ainda condenar o arguido ao pagamento de custas no montante de 306€ (3UC), de acordo respectivamente, com o disposto na alínea d) do nº 1 do artº 58º e do nº 2 e nº 3 do artº 94º do Regime Geral das Contraordenações e com o despacho nº 12115/2015, de 16 de Outubro, do Inspector Geral da ASAE, publicado no Diário da Republica 2ª serie, nº 211, de 28 de Outubro de 2015.”*2 – Não se conformando com a decisão, a arguida “X & Companhia, L.da” interpôs recurso da sentença, oferecendo as seguintes conclusões – enunciadas por alíneas e não por artigos como constitui imposição legal - (transcrição): A) “A audiência de julgamento que se iniciou no dia 23 de Abril de 2020 e continuou no dia 14 de Maio de 2020, última sessão esta em que foi proferida a sentença, decorreu sem a presença da arguida pelo facto da mesma não ter sido convocada para estar presente, sendo que a sentença foi depositada no dia 15 de Maio e não foi notificada à arguida.

  1. Nos termos do n.º 1 do art.º 74º do Regime Geral das Contra Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, tal notificação é obrigatória, pelo que tal preterição equivale a uma ausência da arguida nos casos em que a lei exige a sua comparência, constituindo assim uma nulidade insanável nos termos do disposto na alínea c) do art.º 119º do Cód. de Proc. Penal, que aqui se argui.

    ******C) O despacho de comunicação dos novos factos e consequentemente a sentença proferidos pelo Tribunal a quo padecem das nulidades plasmadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 379º do Cód. de Proc. Penal.

  2. Os factos novos aditados e comunicados consubstanciam uma alteração substancial dos factos da decisão administrativa e não de uma alteração não substancial como erradamente entendeu o Tribunal a quo.

  3. Sem tais factos, a conduta descrita na decisão administrativa não constituia qualquer contra-ordenação, designadamente aquela que lhe era imputada, sendo que só com o aditamento de tais factos é que passaria, em abstrato, a sê-lo.

  4. Se nos termos da alínea f) do artigo 1º do Código de Processo Penal, «alteração substancial dos factos» é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, por maioria de razão ocorre quando dela resulta a passagem de uma conduta lícita para ilícita.

  5. Já é pacífico e está uniformizado na nossa jurisprudência que «a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art.º 358º do CPP» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de jurisprudência n.º 1/2015, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06 de Maio de 2015 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Fevereiro de 2018) e que «não se pode admitir a transformação de uma realidade que, ab initio, por ausência de descrição completa dos respectivos elementos típicos, não configurava crime em conduta penalmente típica» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n.º 17/2015 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de Junho de 2017).

  6. A alteração dos factos comunicada é substancial porque significa uma modificação estrutural dos factos da decisão administrativa, alterando o núcleo essencial do objecto processual e implicando uma alteração de juízo base da ilicitude.

  7. A correcção da decisão administrativa agora efectuada pelo Tribunal a quo não é permitida por lei por recurso ao mecanismo previsto no art.º 358º do Cód. de Proc. Penal e nem sequer ao estatuído no art.º 359º do Cód. de Proc. Penal porque significaria a transmutação de uma realidade lícita em ilícita em sede de julgamento.

  8. Face à omissão na decisão administrativa da prova dos elementos objectivos integradores do tipo legal do ilícito, impunha-se que o Tribunal a quo proferisse uma sentença absolutória.

  9. O Tribunal a quo violou o disposto nos art.º 358º e 359º do Cód. de Proc. Penal.

  10. O despacho proferido e a decisão nele contida constituem uma violação da estrutura acusatória do processo com a correspondente vinculação temática do juiz e das garantias de defesa do arguido consagradas no artigo 32º n.º 1, 5 e 10 da Constituição da República Portuguesa.

  11. Não são narrados (nem provados) na decisão administrativa / acusação os factos e os elementos do tipo do ilícito, sendo certo que, atenta a estrutura acusatória do processo, o objecto do processo fica delimitado por essa decisão administrativa, ficando o juiz vinculado a tal delimitação, só podendo o juiz investigar e condenar o arguido pelos factos provados e imputados descritos nessa decisão, sob pena de violar o princípio do contraditório, constitucionalmente consagrado no n.º 10 do art.º 32º da Lei Fundamental uma vez que sem uma delimitação clara e rigorosa de “o quis, o quid, o ubi, o quibus auxiliis, o quomodo e o quando, definidores da exigível narração”, ficam comprometidas as garantias de defesa do arguido.

  12. É a salvaguarda das garantias de defesa do arguido, consagradas pelo artigo 32.º n.º 1, 5 e 10 da Constituição da República Portuguesa, que impõem que a definição do thema decidendum nos moldes concretizados pelos artigos 287.º n.º 2 e 283.º n.º 3 al. b) e c) do CPP, não podendo o juiz colmatar as deficiências da acusação/ decisão administrativa por forma a acrescentar ou alterar factos essenciais para a imputação da contra-ordenação.

  13. Assim procedendo o juiz, para deste modo possibilitar o prosseguimento dos autos, viola o princípio da igualdade, da imparcialidade e da independência, e extravasaria os poderes de cognição que ficam delimitados com o objecto fixado na decisão administrativa.

  14. É, por um lado, a estrutura acusatória do processo com a correspondente vinculação temática do juiz, e, por outro lado, a salvaguarda das garantias de defesa do arguido, consagradas pelo artigo 32.º n.º 1, 5 e 10 da Constituição da República Portuguesa, que impõem que a definição do thema decidendum nos moldes concretizados pela decisão administrativa.

  15. Cabe ao Tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido, estando-lhe vedado corrigir a “acusação”.

  16. Esta vinculação temática do juiz do julgamento sofre as excepções da alteração substancial e não substancial consagradas nos artigos 358.º e 359.º do CPP.

  17. Em todo o caso, na hipótese de ser entender ser legalmente possível a comunicação de tais factos ao abrigo do disposto no art.º 359º do Cód. de Proc. Penal, por se tratar de uma alteração substancial dos factos, deveria o Tribunal a quo ter reenviado o processo à entidade administrativa que proferiu a decisão, já que a recorrente manifestou a sua oposição à continuação do julgamento pelos novos factos, nos termos do disposto no n.º 1 e 2 do referido normativo.

  18. O despacho proferido é nulo nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao não declarar tal nulidade perante si arguida, impondo-se assim que seja reposta a legalidade pelo Tribunal ad quem e declarada tal nulidade com as legais consequências.

    *****************U) O despacho de indeferimento dos meios de prova de defesa da arguida aos novos factos comunicados é nulo nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 120º do Cód. de Proc. Penal pela falta de prática de diligências essenciais à descoberta da verdade, pelo desrespeito pelo princípio do contraditório em clara violação dos art.ºs 327º, 340º e 358º n.º 1, todos do Cód. de Proc. Penal e dos art.º 32º n.º 1, 5 e 10 da Constituição da República Portuguesa.

  19. Ora, a defesa só é defesa se foram facultadas ao arguido garantias plenas e eficazes de defesa, ou seja, se lhe for permitindo defender-se dos factos comunicados em observâncio do contraditório pleno, nomeadamente através da produção de meios de prova para contraditar e contra-provar tais factos.

  20. Não se entende como pôde o Tribunal a quo conjecturar, supor, presumir ou prever a utilidade ou falta de utilidade dos meios de prova requeridos pela arguida sem os mesmos fossem produzidos, sendo que o Tribunal a quo não adianta sequer um fundamento fáctico-jurídico que alicerce a sua ponderação sobre a pertinência ou a utilidade de tais meios de prova.

  21. O dever de fundamentar uma decisão judicial é uma decorrência, em primeiro lugar, do disposto no art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República, segundo o qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

  22. Além dos demais vícios enunciados, face à ausência de fundamentação, o despacho em mérito viola o art.º...

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