Acórdão nº 387/14.8BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório J..., ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 10.03.2017, que julgou improcedente a ação administrativa especial por si intentada contra a Ordem dos Advogados, com vista à anulação da decisão de aplicação de sanção disciplinar de suspensão do exercício da advocacia pelo prazo de três anos, suspensa por dois, na condição de proceder ao reembolso da quantia de € 76.749,00, no prazo de seis meses.

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 261 e ss., ref. SITAF: «(…) 1 - A douta decisão proferida não apreciou devidamente a prova produzida pois refere o depoimento do pai do A. que nunca prestou, e esquece o depoimento da Dra S....

Por outro lado, não atende ao que as testemunhas disseram mas apenas a uma pequena parte que é a de para além do conhecimento directo referirem as queixas, e lamentações do A.

2 - Da prova produzida resultou que a verba em causa foi gasta pela esposa do A., sem o conhecimento deste.

3 - Que ao aperceber-se da situação, o A. procurou uma solução acordada com a R. e que esta sempre recusou.

4 - Que o A. aceitou receber a verba em causa a pedido da R. e após a conclusão da sua actividade profissional, ou seja, fora do âmbito de tal actividade, pelo que a eventual infracção sempre estará fora de tal âmbito.

5 - Acresce que não pode considerar-se que o A. atuou livre e voluntariamente, senão por inversão do ónus de prova.

6 - O dinheiro da R. foi depositado numa conta que o A. possuía conjuntamente com a sua mulher, pelo que o Conselho de Deontologia não podia inferir que foi ele quem movimentou tais quantias.

7 - Não resultou provado que o A. quis integrar no seu património a referida quantia, porquanto a esposa a dissipou sem conhecimento do A.

8 - Não podia dar-se como verificada a infracção disciplinar, pois não se provou qualquer culpa do A. nos factos relatados na acusação, antes se provou que tal ocorrem fora do âmbito profissional, por favor à ora R.

9 - Acresce que a pena aplicada é desproporcionada pois que a suspensão do exercício da profissão, por um período de três anos, é demasiado rigorosa e corresponde, na prática, a expulsão da advocacia, uma vez que ninguém consegue sobreviver a um período tão dilatado de afastamento da advocacia.

10 - O A. restituiu cerca de 1.200,00€, facto que não foi considerado pela douta decisão proferida que absolutamente a desprezou.

11 - Foram violados os artigos 110º e 126º nº 5 do Estatuto da Ordem dos Advogados.

12 - A conduta do A. não revelou “incapaz" nem "indigno” da confiança necessária ao exercício das funções.

13 - Não há fundamento para a pena de suspensão por três anos medida extremamente gravosa, ainda mais porque impõe para não cumprimento a devolução da verba em 6 [seis) meses, o que todos sabemos não é possível.

14 - A decisão impugnada é ilegal porquanto não se verificam os fundamentos nem os pressupostos exigidos.(…).» A Recorrida Ordem dos Advogados apresentou as suas contra-alegações, tendo ali concluído como se segue – cfr. fls. 281 e ss., ref. SITAF: «(…) A. A produção da prova testemunhal ocorreu no âmbito do procedimento disciplinar, ainda assim, o Recorrente não especifica os pontos em concreto resultantes dos depoimentos indiretos em causa que implicariam uma apreciação diferente; B. O tribunal a quo apreciou, por isso, devidamente a prova testemunhal produzida no procedimento disciplinar, C. Compulsado todo o teor do processo disciplinar n.° 170/2011-CS/R resulta claro que o Recorrente não deu a devida aplicação aos valores que lhe foram confiados, nos termos do disposto no n.° 1, do artigo 96.°, do EOA; D. o Recorrente, ao alegar que teria sido a sua mulher a movimentar a conta e a gastar os fundos que lhe tinham sido confiados, devia ter oferecido de imediato a respetiva prova, nos termos do disposto no artigo 342.°, do Código Civil; E. Não se verifica, pois, qualquer inversão do ónus de prova na douta Sentença, quer no que respeita ao não se considerar provado que foi um terceiro que sem o consentimento e conhecimento do Recorrente movimentou e gastou as quantias recebidas, quer ao considerar-se provado o elemento subjetivo; F. A questão da apropriação dos fundos ou a integração no património é irrelevante para se aferir da prática da infração de que o Recorrente foi acusado e punido; G. A determinação da pessoa que gastou a quantia e em que bens a mesma foi gasta não tem influência para a verificação da culpa, mas apenas para a determinação do grau de culpa; H. O Recorrente não prestou contas à sua constituinte das quantias que lhe foram entregues e não procedeu ao seu reembolso quando solicitado nem o fez até à presente data, apesar de exercer, desde então, a sua atividade de advocacia sem qualquer restrição; I. O recorrente agiu de forma intencional ao apropriar-se de quantias que não eram suas e tinha consciência da ilicitude do seu comportamento e, por isso, a sua conduta sempre seria e é censurável; J. Não se verificando, assim, qualquer violação do disposto nos artigos 110.° e 126.°, n.° 5, do EOA; K. A decisão recorrida é válida, impondo-se, em suma, a sua manutenção integral.(…)».

Neste tribunal, o DMMP emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

  1. 1. Questões a apreciar e decidir As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, ao não ter considerado o depoimento completo de algumas testemunhas e por ter desconsiderado alguns dos depoimentos prestados e, bem assim, se também incorreu nos seguintes erros de julgamento de direito: i) por ter considerado que o Recorrente cometeu a infração disciplinar em apreço, em virtude de não se ter provado a sua culpa; de que este quis integrar no seu património as quantias pertencentes à sua cliente e nem a sua responsabilidade pela circunstância de tais quantias terem sido indevidamente movimentadas (atendendo a que o valor foi depositado numa conta conjunta com a sua mulher); ii) por não ter valorado que os factos pelos quais o Recorrente foi disciplinarmente punido não foram praticados no exercício das suas funções, razão pela qual não considera que se possa considerar "incapaz" nem "indigno" do exercício das funções de advogado; e iii) em virtude de pena aplicada ser exagerada, tendo em atenção que o Recorrente restituiu cerca de € 1.200,00, facto que alega não ter sido não foi considerado na decisão recorrida, e que a pena disciplinar aplicada equivale a expulsá-lo da advocacia, uma vez que ninguém consegue sobreviver a um período tão dilatado de afastamento do exercício de funções – 3 anos.

  2. Fundamentação II.1. De facto A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis: «(…) A - Em 20 de fevereiro de 2009 foi registada na Ordem dos Advogados, Conselho Distrital de Évora, sob o n.° 668, o requerimento subscrito por M..., dirigido ao Presidente do Conselho de Deontologia que constitui a participação contra J... (cfr. 1 a 46 do processo administrativo).

    B - Em 16 de dezembro de 2009 foi proferido despacho de acusação, no processo disciplinar n° 4.../2009-E/D, contra J... (cfr. fls. 69 a 74 do processo administrativo).

    C - Em 5 de fevereiro de 2010, através do requerimento ao qual atribuído o n.° 435, J... apresentou a sua defesa (cfr. fls. 78 a 84 do processo administrativo).

    D - Em 11 de março de 2010 o relator junto do Conselho de Deontologia de Évora elaborou o Relatório Final (cfr. fls. 93 a 115 do processo administrativo).

    E - Em 8 de setembro de 2010 o Conselho de Deontologia de Évora realizou a audiência de julgamento (cfr. fls. 130 e 131 do processo administrativo).

    F - Em 8 de setembro de 2010 foi elaborado o acórdão pelo Conselho de Deontologia de Évora da Ordem dos Advogados do qual consta o seguinte: "Analisada toda a prova constante destes autos apurou se a seguinte factualidade: 1. No início do ano de 2008, a sra M... encarregou o Sr. Dr. J... de tratar das questões relacionadas com a herança aberta por morte de seu marido, M....

    1. Nesse contexto, o Sr. Advogado estabeleceu contactos com o Grupo "S...", com sede em França, e diligenciou o pagamento da compensação do que era devida, pela amortização das participações sociais de que aquele era titular.( vide doc de fls 26/29) 3. Com conhecimento da Sra Participante, o Sr. Advogado forneceu à "S..." seu NIB para que fosse efectuado o pagamento da compensação devida.

    2. No dia 18 de Junho de 2008 foi transferida para urna conta bancária de que o Sr. Advogado era titular, a importância de 76 749,00€ (setenta e seis mil setecentos e quarenta e nove euros). (vide doc. de fls 31 e 32) 5. A referida quantia deveria ter sido entregue peto Sr. Advogado à Sra Participante e demais herdeiros.

    3. Sucede que o Sr. Advogado, não entregou a referida quantia.

    4. Após o decurso de algum tempo, a Sra Participante contactou o Sr. Advogado na tentativa de obter informações sobre a falta de reembolso da referida quantia.

    5. Nos contactos escritos que entretanto estabeleceu com a Sra Participante e que constam de fls 2 a 7 do autos, o Sr. Advogado admitiu o recebimento da quantia referida em 4, não apresentando qualquer explicação plausível para a falta de reembolso da mesma à Sra Participante.

    6. Até que no dia 11 de Novembro de 2008,o Sr. Advogado dirigiu à Sra Participante a carta de fls 8/9 dos autos em que comunica, nomeadamente, o seguinte: "(...) o reembolso referenciado supra, correspondente a transferência realizada com data valor de 25.06.2008, pelo montante de € 76.749, está cativo à ardem da fazenda pública, e portanto, indisponível para transferência. Não percebi ainda se devido ao enquadramento da transferência (já que vem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT