Acórdão nº 1483/18.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE PELICANO
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.

C...

e a A...

, vêm interpor recurso da sentença de 05/07/2019, que indeferiu o pedido de decretamento das providências cautelares por eles requeridas e ainda do despacho-saneador e os despachos relativos a meios de prova, tendo apresentado as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso: I. A Constituição consagra o direito fundamental de todos verem a sua causa julgada por um tribunal competente, (art. 20 n.s 1 CRP) Nesse direito fundamental está incluído por força do art. 20 nº5 CRP o direito que todos têm de ver julgada a sua causa em sede cautelar.

Ou seja, todos têm direito a ver a sua causa julgada com "celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações dos seus) direitos" (art. 20 nº 5 CRP) II. Por outras palavras, a avaliação, em sede cautelar, de factos que ameacem ou violem direitos, que constituam os pressupostos do periculum in mora, é um direito constitucional.

  1. O Tribunal o auo não respeitou este direito constitucional dizendo que os factos que foram levados à sua apreciação, por estarem feridos de eventual ilegalidade, não poderiam por ele ser apreciados em sede de periculum in mora.

  2. O Tribunal o auo entendeu que todos os factos que os Requerentes trouxeram à sua consideração no âmbito do periculum in mora e que, no seu entender, estavam feridos de ilegalidade, não poderiam ser avaliados nesse âmbito exactamente por estarem feridos de ilegalidade e por, no entender do Tribunal, o epíteto e a qualidade de ilegalidade apenas se circunscreverem ao fumus bonus iuris.

    O Tribunal a quo não respeitou assim o art. 120 n.

    9 1 do CPTA, deturpando os seus pressupostos.

  3. Os factos que tinham sido levados à apreciação do Tribunal a quo, porque estavam feridos de eventual ilegalidade, não foram por ele apreciados em sede de periculum in mora, tendo sido a própria eventual ilegalidade que impediu o tribunal de qualquer decisão.

    Donde decorre que factos que pudessem eventualmente ser considerados ilegais, nunca seriam apreciados pelo Tribunal a quo em sede de periculum in mora.

  4. Em parte alguma da lei se diz que um facto que está ferido de ilegalidade não poderá constituir uma situação de facto consumado nem poderá produzir prejuízos de difícil reparação.

    Sublinhe-se que a maioria dos casos de facto consumado e de prejuízos irreparáveis resultam directamente da violação de leis que protegem os interesses em causa. Se essas leis não existissem, não poderíamos qualificar essas situações como situações de facto consumado e esses prejuízos como sendo irreparáveis.

  5. As ilegalidades do projecto de arquitectura 1.../EDI/2016, geraram uma situação irreversível de facto consumado bem como eventuais prejuízos irreparáveis, que não podem ser remidos com uma indemnização pecuniária.

  6. O PIP e o projecto de arquitectura constituem um perigo iminente porque são ilegais, porque desrespeitam os valores, as cauteias e as protecções que a lei do urbanismo consagra para proteger os cidadãos de Lisboa.

    Aprovado o projecto de arquitectura. o promotor tem direitos constituídos, podendo construir tudo o oue foi aprovado em violação da lei.

    Até a incompetência dos solos está protegida pela Lei, através do RPPRUM. que proíbe a construção na zona da Madragoa de caves de estacionamento, quando o promotor não prove que tal não vai afectar a capacidade resistente das fundações dos edifícios da envolvente (art. 32 al. d) do RPPRUM).

    Tudo isto o Tribunal a quo se recusou a analisar.

  7. Cumpre ainda salientar que o que está em causa nestes autos não são as escavações que a Contra-interessada quer fazer no local da obra. Ao julgar apenas da viabilidade das escavações e da possibilidade técnica de poderem ser construídas, o Tribunal a quo transformou um processo administrativo num processo cível, não tendo assim, agora, competência para julgar estas matérias cíveis, sem o fundamento administrativo.

  8. O que aqui é impugnado é um acto administrativo, o Proc. 1.../EDI/2016, enquanto ferido de nulidade e praticado pelo vereador do urbanismo da CML, sem o ter submetido à deliberação do órgão colegial camarário.

  9. Por outro lado, foi no âmbito dos arts. 32 al. d) e 29 nºs 3 e 4 do RPPRUM, e apenas neste âmbito, que os Requerentes, ora Recorrentes trouxeram a temática das escavações aos autos.

  10. A presente, aliás, douta sentença, está assim ferida de nulidade, nos termos do art. 615. n.si al. d) do CPC.

    O Tribunal a quo não se pronunciou sobre as questões sobre que se deveria ter pronunciado, não emitindo qualquer decisão sobre a matéria que lhe foi submetida.

    Pronunciou-se, ao invés, sobre a viabilidade e possibilidade técnica de se virem a realizar as escavações, dizendo, no entanto, explicitamente que não ia julgar as matérias dos arts. 32 al. d) e 29 n.

    9s 3 e 4 do RPPRUM.

    Acabou assim a julgar matérias de cariz exclusivamente cível que não foram trazidas, como tal, ao processo pelos Requerentes e em relação às quais o Tribunal não tem competência para se pronunciar.

    Pelo exposto, como primeiro ponto, se requer ao Tribunal ad quem que decrete a nulidade da, aliás, douta sentença, a revogue e a substitua por outra que julgue ou faça julgar os factos alegados no Requerimento Inicial.

  11. Seguidamente, é preciso salientar que o Tribunal a quo subverteu a prova e os factos que devia ter dado como provados.

  12. Ao restringir a prova dos Requerentes apenas à documentação junta aos autos e à prova testemunhal, indeferindo depoimentos de parte e a inspecção judicial, o Tribunal não permitiu que se fizesse toda a prova que era necessário fazer.

  13. Indeferindo a inspecção judicial não permitiu que o Tribunal constatasse os danos já causados por escavações anteriores (abertura de rachas e assentamentos dos prédios da envolvente), nem a observação directa da água do talvegue que sobe pelos alicerces acima de uma loja na proximidade do local da obra, nem que se constatasse a época do muro setecentista e que este se reveste de azulejos bem antigos, nem a precaridade e "carácter eventual" das construções abarracadas, cobertas a amianto (a maior delas indevidamente classificada como edifício moderno/modernista, susceptível de substituição, e equiparada ao n.s 27 da Rua do Q...), existentes no logradouro do antigo edifício do Museu da Rádio.

  14. Indeferindo o depoimento de parte do presidente da A... não permitiu o Tribunal que fossem descritas e contextualizadas todas as situações de facto consumado encerradas no projecto de arquitectura 1.../EDI/2016 que se traduzem em graves violações e ofensas ao património cultural e ao ambiente ecológico da Cidade, nomeadamente quanto à descaracterização e perda da identidade arquitectónica do bairro histórico da Madragoa através da imposição deste projecto urbanístico, e aos graves danos ambientais de natureza hidrogeológica provocados pelo não cumprimento das disposições já referidas do RPPRUM.

  15. O Tribunal ao dizer que anulava os depoimentos do Eng.s A... e do Eng.s J... impediu e subverteu a prova de factos relevantes para os autos, acabando, não obstante, por levar em consideração muitas das afirmações do Eng.s A... para descredibilizar até alguma prova documental apresentada pelos requerentes.

  16. O Tribunal a quo denegou justiça por violação do princípio da igualdade das partes e de armas mas também pela preterição do poder-dever inscrito no princípio do inquisitório, ou seja, porque de forma ostensiva e injustificada omitiu diligências essenciais e patentemente necessárias ao apuramento da verdade dos factos.

    A sentença padece assim da nulidade prescrita na alínea c) do n.s 1 do artigo 615.2 do CPC e que se requer que seja decretada pelo Tribunal ad quem.

  17. Porém, e apesar de todas as limitações impostas pelo Tribunal a quo, veja- se que os Requerentes fizeram a prova do que se propunham.

    Prova essa que o Tribunal a quo decidiu "anular" por oposição de meio de prova trazido pela parte contrária.

    Veja-se que o Tribunal a quo ao dizer que um depoimento ou um parecer anula outra omite um julgamento porque, ao invés de apurar a verdade e ir ao fundo da questão, decide não conhecer dessa mesma questão (ou não ter meios para o fazer, o que também é inaceitável!).

    XX Veja-se o caso do talvegue, documentado por planta junta aos autos da autoria da própria CML. A existência de água no talvegue foi inequivocamente corroborada pelos depoimentos das testemunhas L... e M....

    Não obstante, preferiu o Tribunal a quo ignorar esses depoimentos e aproveitar uma curta insinuação, do Eng.

    2 J..., de que um talvegue pode não ter água, para logo concluir que os requerentes não tinham feito prova da existência de água no talvegue. Trata-se de uma verdadeira subversão da prova produzida pelos requerentes.

    XXI Considerou ainda o Tribunal a quo que a revisão que o Eng.

    2 A... disse que estava a fazer do segundo projecto de escavação e contenção periférica era matéria dos autos. Tal revisão não pode ser considerada na sentença pois não foi alegada por nenhuma das partes, para além de nem sequer constar do processo administrativo.

  18. Assim deverão ser levados em consideração, para efeitos de prova, quer os dois pareceres do Eng.

    2 A..., quer o seu longo e esclarecedor depoimento testemunhal.

  19. Por outro lado também se deverá considerar o depoimento do Eng.

    º J..., levando-se em consideração as circunstâncias relatadas no articulado que poderão pôr em causa a credibilidade desta testemunha. Deverá igualmente ser levada em consideração a confissão do Eng.

    º A... de que, se o segundo projecto de escavação e contenção periférica apresentado pelo promotor viesse a ser construído "havia a possibilidade de ocorrerem assentamentos na ordem de 2 centímetros, deslocamentos horizontais e verticais na ordem dos 2 centímetros" nos edifícios situados na proximidade. Tais deslocamentos levariam de imediato a que o edifício do n.º 25 partisse.

  20. A douta sentença concluiu não ter sido...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT