Acórdão nº 0807/19.5BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A…………, LDA.

, e B…………, B.V.

, melhor identificadas nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAFL) a presente acção de contencioso pré-contratual contra o INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P.

, doravante IFAP, indicando como contra-interessadas MUNICÍPIA – EMPRESA DE CARTOGRAFIA E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO, E.M.S.A.

, e C…………, S.A.

, peticionando: “a) a anulação de ato de adjudicação e do contrato posteriormente celebrado, no âmbito de procedimento de formação de contrato de aquisição de serviços, e, bem assim, a exclusão da proposta das contra-interessadas e a adjudicação em favor da proposta das autoras (…)”.

*Por decisão do TAF de Leiria, proferida por juiz singular, datada de 11 de Abril de 2020, a presente acção pré-contratual foi julgada procedente, e, a) anulada a decisão de admissão da proposta das contra-interessadas, o acto de adjudicação e o contrato celebrado no âmbito do procedimento nº 9384/2018, destinado a contratar a “Aquisição de serviços de coberturas aerofotográficas digitais de Portugal Continental para 2019”; e, b) condenado o réu a excluir a proposta das contra-interessadas e, em sequência, prosseguindo a normal tramitação do procedimento, a emitir decisão de adjudicação em benefício da proposta das autoras e a celebrar com o consórcio por estas formado o contrato objecto do procedimento.

*As contra-interessadas apelaram para o TCA Sul e este, por acórdão proferido a 24 de Setembro de 2020, concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e julgando a acção de contencioso pré-contratual improcedente, absolvendo o Réu dos pedidos formulados.

*As Autoras, A…………, LDA.

e B…………, B.V, inconformadas, vieram interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «1.

O presente concurso convoca a interpretação e aplicação da norma que consagra o novo impedimento assente na designada “bad past performance” do operador económico previsto na alínea l), do nº 1, do artigo 55º do CCP, recentemente introduzido no ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, que transpôs a alínea g), do nº 4, do artigo 57º da Diretiva 2014/24/EU, também ela uma novidade face ao regime previsto na Diretiva 2004/18/UE.

  1. Tal interpretação e aplicação revela-se de assinalável dificuldade, como demonstra o facto de ter merecido apreciações divergentes das instâncias.

  2. Desde logo importa dilucidar como deve ser interpretada a referência contida na referida norma para a aplicação de sanções que tenham atingido os valores máximos aplicáveis nos termos dos nºs 2 e 3, do artigo 329º.

  3. Deve entender-se que pura e simplesmente se considera apenas o máximo de 30% quando não tenha havido resolução do contrato, como decidiu o TCA Sul, ou só assim será quando o contraente público haja proferido efetivamente uma decisão fundamentada ponderando e afastando a resolução com fundamento em grave dano para o interesse público, como decidiu o TAF Leiria? 5.

    E a circunstância de a resolução por incumprimento figurar autonomamente como fundamento de impedimento não militará no sentido de considerar o limite dos 20% como multa de valor máximo, sob pena de a remissão para o nº 2, do artigo 329º ficar desprovida de qualquer utilidade e ser afinal letra morta? 6.

    Há ainda uma terceira dimensão interpretativa do preceito que é convocada nos autos que assenta na dúvida sobre se o impedimento se mostra imediatamente verificado perante a ocorrência, nos últimos 3 anos, de uma resolução contratual por incumprimento, de uma condenação ao pagamento de indemnização, ou da aplicação de multa contratual de valor máximo ou outras sanções de gravidade comparável, ou, ao invés, se a entidade adjudicante tem de verificar se tais sanções tiveram, efetivamente, por base a existência de deficiências significativas ou persistentes na execução de contrato anterior.

  4. Estas questões, além de serem de solução difícil, são suscetíveis de se repetir numa multiplicidade de processos, bem como, em procedimentos administrativos de contratação pública e ainda não foram objeto da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

  5. Justificando-se, assim, plenamente, à luz dos pressupostos previstos no artigo 150º, nº 1 do CPTA, a admissão do recurso, de modo a que este Venerando Tribunal, no exercício da sua essencial função orientadora das diretrizes interpretativas do ordenamento jurídico-administrativo se pronuncie sobre estas questões jurídicas fundamentais.

  6. O nº 2, do artigo 329º do CCP estabelece como regra geral um limite de 20% do preço contratual para o valor acumulado de multas contratuais.

  7. O nº 3 do mesmo preceito estabelece uma exceção a essa regra a qual, só opera preenchidos que sejam os pressupostos ali previstos, a saber: i) que seja previamente atingido o limite de 20 % em multas aplicadas ao cocontratante e ii) que o contraente público adote uma decisão expressa, devidamente fundamentada, de não resolver o contrato, enunciando as razões pelas quais da resolução resultaria grave dano para o interesse público.

  8. Quando a lei exige uma decisão, trata-se de decisão expressa e devidamente fundamentada, como reconhece a doutrina da especialidade.

  9. No caso dos autos, não foi proferida pelo contraente público qualquer decisão expressa e fundamentada no sentido de não proceder à resolução do contrato com fundamento em grave prejuízo para o interesse público.

  10. Ao considerar que no caso seria aplicável como limite máximo, não 20% do preço contratual tal como previsto na regra geral contida no nº 2, do artigo 329º do CCP, mas 30%, tal como previsto na exceção estabelecida no nº 3 deste preceito, o acórdão recorrido incorre em erro de julgamento, aplicando esta última norma por remissão do artigo 55º, nº 1, alínea l) do mesmo diploma, fora dos respetivos pressupostos e fazendo tábua rasa da sua letra e respetivo sentido normativo.

  11. O acórdão recorrido ignorou olimpicamente vários outros dados normativos essenciais que militam em sentido contrário à decisão que adotou, não obstante terem sido salientados pela ora recorrente, quer na p.i., quer nas contra-alegações de apelação.

  12. O artigo 333º, nº 1, alínea e) do CCP estabelece que o facto de ser atingido o valor de sanção pecuniária de 20% do preço contratual constitui fundamento para a resolução do contrato.

  13. Se a deficiência na execução de contrato anterior geradora de resolução por incumprimento aparece mencionada autonomamente como fundamento de impedimento, então é evidente que, nesse caso é, justamente esse facto que constitui impedimento e não a aplicação de sanção pecuniária que ultrapasse 20 % do preço contratual e fique aquém de 30 % desse valor.

  14. De facto, se o legislador, logo de seguida faz menção expressa, à aplicação de sanções que tenham atingido os valores máximos aplicáveis nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 329º, ainda para mais usando o plural, é porque pretendeu estabelecer como impedimento a aplicação de sanções pecuniárias que atinjam tanto o valor de 20% do preço contratual previsto no nº 2, como o valor de 30 % do preço contratual, previsto no nº 3.

  15. De outra forma, a referência ao valor máximo previsto no nº 2, do artigo 329º seria absolutamente desprovida de sentido e conteúdo normativo útil.

  16. Não faria, naturalmente, sentido o legislador considerar que o incumprimento de obrigações contratuais de que resulte a aplicação de sanção pecuniária de valor superior a 20 % do preço contratual é suficientemente grave para justificar a resolução sancionatória do contrato e a respetiva extinção, mas não constitui impedimento suficiente para que tal operador concorra novamente e seja adjudicatário de novo contrato no caso dos autos de objeto idêntico e com a mesma entidade adjudicante.

  17. Como ainda menos sentido faria o legislador considerar que a aplicação de sanção pecuniária de valor superior a 20 % do preço contratual constitui fundamento, por si só, para a resolução sancionatória do contrato, que tal resolução configura impedimento, mas a aplicação da sanção suscetível de a fundamentar já não.

  18. O legislador europeu no artigo 57º, nº 4, alínea g) da Diretiva 2014/24/UE não faz referência específica à aplicação de multas contratuais pecuniárias, referindo-se apenas à rescisão do contrato, à condenação por danos e à categoria mais geral e aberta de “sanções comparáveis”.

  19. O que significa, portanto, que o legislador nacional considerou que a aplicação de multas contratuais pecuniárias se enquadra neste conceito de “sanções comparáveis” à rescisão e à indemnização por danos.

  20. Sendo a aplicação de multa pecuniária “sanção comparável” à resolução sancionatória por incumprimento, é evidente que a aplicação de uma multa de valor superior a 20% que, nos termos da lei, constitui fundamento para a resolução, tem, igualmente, de se enquadrar nas sanções comparáveis que o legislador nacional erigiu como fundamentos para o impedimento.

  21. Face ao exposto, a deficiente execução de contrato público anterior que tenha dado lugar à aplicação de sanção contratual pecuniária que ultrapasse o valor de 20 % do preço contratual constitui, efetivamente, impedimento à participação no procedimento, nos termos do artigo 55º, nº 1, alínea l) do CCP.

  22. Ao assim não entender, o acórdão recorrido interpreta erradamente esta disposição, em desconformidade com os cânones hermenêuticos que dimanam do artigo 9º do Código Civil e da necessidade de interpretação do direito nacional em conformidade com a Diretiva transposta.

  23. O legislador nacional ao transpor o artigo 57º, nº 4, alínea g) da Diretiva respeitou integralmente o princípio da proporcionalidade, identificando, justamente, como fundamentos de impedimento apenas as gravosas consequências que têm sempre e necessariamente na sua base deficiências significativas ou persistentes na execução do contrato.

  24. A...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT