Acórdão nº 121/21 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 121/2021

Processo n.º 1126/2019

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A. e B., ora recorrentes, interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante LTC) do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 27 de junho de 2019, que concedeu integral provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, no contencioso originário.

Por despacho de 14 de novembro de 2019, foram os recursos admitidos pelo tribunal a quo, com efeito suspensivo, nos termos do artigo 78.º, n.º 4 da LTC.

2. Subidos os autos ao Tribunal Constitucional, e tendo os recorrentes procedido ao aperfeiçoamento dos respetivos requerimentos de interposição de recurso, nos termos do n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC, o recorrente B. delimitou que pretenderia ver apreciado «o entendimento normativo dado aos arts. 17.º, 53.º, n.º 2, b), e 269.º, n.º 1, f), todos do CPP, no sentido de que está subtraída à competência do Juiz de Instrução Criminal a apreciação de nulidades ou invalidades relativas à constituição de uma pessoa como arguida e à subsequente prestação de termo de identidade e residência».

Neste enquadramento, este recorrente foi notificado para apresentar as suas alegações.

3. Já o recorrente A. respondeu a este convite, delimitando o objeto do mencionado recurso por referência a duas questões de constitucionalidade. Em primeiro lugar, referiu-se à interpretação segundo a qual «nos termos dos artigos 17°, 118° a 123° e 267.°a 269.° e seguintes do CPP, o JIC, durante o inquérito, não tem competência para conhecer das invalidades processuais dos atos praticados pelo Ministério Público»; num segundo momento, aludiu ao enunciado interpretativo segundo o qual, «nos termos dos artigos 17°, 53°, n.º 2, alínea b), 118.° a 123°, 262°, 263°, n.º 1.267° a 269° do CPP, o JIC não tem competência para conhecer das invalidades processuais dos atos de constituição de arguido e aplicação de TIR, praticados pelo Ministério Público».

4. Quanto à primeira questão de constitucionalidade formulada, a Relatora proferiu despacho, em 8 de junho de 2020, admitindo-a e determinando, para esta parte do objeto do recurso, a produção de alegações.

Importa atentar que, no decurso do prazo para alegações, respeitante à primeira questão de constitucionalidade, o Ministério Público, junto do Tribunal Constitucional, apresentou requerimento aos autos (fls. 685-698), peticionando a atribuição de carácter urgente ao processo e a alteração do efeito suspensivo dos referidos recursos, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 5, da LTC. Por despacho de 11 de agosto de 2020, a Relatora determinou a tramitação urgente dos autos, sem prejuízo do decurso de prazo para alegações. Paralelamente, em Conferência, após cumprido o contraditório e ouvidos os recorrentes, o Acórdão n.º 432/2020 decidiu, em 12 de agosto de 2020, manter o efeito suspensivo dos recursos.

5. Por outro lado, pela Decisão Sumária n.º 348/2020, de 08 de junho de 2020, decidiu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer da segunda questão indicada por este recorrente, com fundamento no incumprimento do requisito de que a dimensão normativa componente desta outra parte do objeto do recurso não coincidia com a ratio decidendi acolhida pelo Tribunal recorrido. Desta decisão sumária, o recorrente A., em 26 de junho de 2020, apresentou reclamação para a conferência, ao abrigo do preceituado no artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, tendo o Ministério Público, na sua resposta, pugnado pela manutenção do não conhecimento do respetivo segmento do objeto e, simultaneamente, acenado com novos fundamentos que implicariam a inadmissibilidade do recurso, nesta parte. Nesta sequência, e atendendo ao contraditório, foi o recorrente-reclamante notificado para se pronunciar, sobre tais novos fundamentos de não conhecimento do recurso, articulados pelo Ministério Público no seu parecer. O reclamante sustentou, em síntese, que ambos os enunciados normativos identificados no requerimento de interposição de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade (o primeiro dos quais já havia sido admitido, como narrado supra) preenchem os pressupostos processuais para o seu conhecimento.

No julgamento dessa reclamação, em 03 de novembro de 2020, o Acórdão n.º 582/2020 decidiu deferir o pedido do recorrente-reclamante, revogar a Decisão Sumária n.º 348/2020 e, assim, conhecer também da segunda questão de constitucionalidade invocada nos autos. Em consequência, as partes foram notificadas para alegar, sobre esta parte do objeto então admitida.

6. Assim, nas suas alegações, o recorrente A. formulou as seguintes conclusões, quanto à primeira questão de constitucionalidade (fls. 842-846):

“I. A reserva da função jurisdicional aos Tribunais constitui a verdadeira pedra de toque do Estado de Direito, na medida em que por ele se exprime e se garante efetivamente a sujeição não só dos cidadãos como do próprio Estado (em toda a sua organização e atividade) ao Direito.

II. As invalidades processuais são o reverso (ou negativo) do princípio da legalidade e decidir sobre invalidades mais não é e mais não significa, pelo menos sempre e em primeira linha, do que decidir sobre a legalidade dos atos processuais, mediante o confronto do ato processual concretamente praticado com o seu modelo legal e uma decisão de conformidade ou não conformidade.

III. Podendo suceder que a esse significado e alcance ainda outros se acrescentem, como acontece sempre que o ato processual em causa disser diretamente respeito a direitos dos sujeitos processuais, como paradigmaticamente o arguido, o assistente ou as partes civis, caso em que na questão da invalidade irão simultaneamente envolvidos direitos desses sujeitos e na decisão sobre ela, uma decisão sobre tais direitos.

IV. O conhecimento de invalidades dos atos praticados durante o inquérito, inclusivamente, dos atos do MP, é matéria de jurisdição, competindo, mesmo durante o inquérito, ao Juiz de Instrução Criminal e não MP.

V. Logo a um primeiro olhar, é uma verdadeira evidência a integração ou inclusão do conhecimento de invalidades na "administração da justiça" ou jurisdição que o artigo 202.° reserva aos Tribunais.

Sendo inegável que o que nele se trata - sempre! - é de "reprimir a violação da legalidade democrática" (legalidade processual penal, naturalmente) e eventualmente mesmo de "assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos" (sempre que estes estejam em causa no ato processual a apreciar) - funções, ambas, que, procurando uma concretização, o artigo 202.° expressamente qualifica como concretizações da administração da justiça.

VII. Essa conclusão mantém-se, ainda considerando as diferenciadas noções que, como sempre sucede com tudo o que é hoc sensu fundamental, derivam do aprofundamento e concretização da definição de jurisdição, designadamente as de CASTANHEIRA NEVES, AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ e ainda Rui MEDEIROS/MARIA JOÃO FERNANDES.

VIII. Em suma: o conhecimento de invalidades praticadas durante o inquérito é função reservada do Tribunal (mais exatamente, na atual organização judiciária, do JIC), sendo a sua atribuição ao MP uma violação da reserva da função jurisdicional, inerente ao Estado de Direito (artigo 2.° da Constituição) e expressa e diretamente estabelecida no artigo 202.° da Constituição.

IX. Sob aspeto nenhum a autonomia do MP exige a atribuição de competência a este, e não ao Juiz, para conhecer das invalidades dos seus atos na investigação pré acusatória.

X. Designadamente, o conhecimento de uma invalidade não é um ato de investigação ou recolha de prova, não se incluindo, portanto, na atividade de investigação cuja direção a Constituição entrega ao Ministério Público, dentro do exercício da ação penal.

XI. A atribuição de competência para conhecer das invalidades dos atos processuais ao MP e não ao Juiz constitui uma positiva violação da estrutura acusatória (artigo 32. °, n.° 5, da Constituição) - também do direito ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20. ° da Constituição).

XII. O acusatório é intrinsecamente adverso à concentração de poderes na mesma entidade e à diminuição de garantias de defesa e mesmo às garantias objetivas de bom julgamento ou decisão (designadamente de imparcialidade objetiva) - que esta solução implica, sendo por completo indiferente para a teleologia desse mandato constitucional se a concentração se dá nas mãos do Tribunal (por uma usurpação indevida do poder de promover o processo) ou nas mãos do MP (por uma usurpação indevida do poder de decidir no processo).

XIII. Constituiria uma flagrantíssima violação da estrutura acusatória do processo e - como não ver? - do direito ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.° da Constituição) da qual faz parte integrante o direito a uma decisão judicial sobre atos de qualquer poder público.

XIV. Por essa exata razão, violaria igualmente o direito a um processo equitativo, que pressupõe previsto o exame e decisão da causa por um Tribunal (independente e imparcial), previsto no artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

XV. O Tribunal recorrido entende, porém, que a competência do MP durante o inquérito é de reconhecer "naturalmente que sempre sem prejuízo de poderem vir a ser apreciadas em diferente fase processual por um juiz, em sede de instrução ou julgamento".

XVI. Solução que, para além de manter a violação à...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT