Acórdão nº 12414/14.4T8PRT-A.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução28 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – Condomínio Urbano do Edifício Âncora, em …, deduziu embargos de executado, por apenso à execução que lhe foi movida por Vieromaterials, Ldª.

Considerou que a quantia exequenda era de € 60.900,50 e não de € 69.295,53, como fora indicado no requerimento executivo, e que a quantia exequenda já fora integralmente paga, tendo em conta, além do mais, um depósito bancário no valor de € 43.551,18 que foi realizado à ordem da sociedade Vierominho, Ldª, a quem fora condenada pagar numa altura ainda não havia sido citado para a ação executiva e antes de a exequente lhe ter exigido o pagamento de qualquer valor.

Terminou pedindo que:

  1. Se decida que da liquidação da obrigação da quantia exequenda resulta a quantia pecuniária de € 60.900,50 e não a quantia pecuniária de € 69.295,53 indicada no requerimento executivo que deu origem a estes autos e ainda suspender a execução sem prestação de caução nos termos do art. 733º, n° 1, al. c), do CPC; b) Se decida que estamos perante a situação do art. 729º, al. g), do CPC, face ao pagamento integral da quantia exequenda pelo executado; c) Se conclua pela ilegitimidade ativa da exequente, nos termos do art. do 729º, al. c), do CPC; d) Se decida que a exequente não pode exigir do executado a quantia de € 43.551,18 que já foi paga à Vierominho, Ldª, antes de ter sido notificado na execução; e) Se declare a extinção da execução, nos termos do art. 732º, n° 4, do CPC, por o executado já ter procedido ao pagamento integral da quantia exequenda devida.

    A exequente contestou alegando que o depósito do cheque que foi efetuado não teve, quanto a si, efeito liberatório, já que ante disso, adquirira o crédito exequendo por contrato de cessão de que o executado teve conhecimento.

    No despacho saneador os embargos foram julgados procedentes na parte em que se invocava a ilegitimidade ativa da exequente, mas tal decisão acabou por ser revogada.

    Retomada tramitação na 1ª instância, foi proferida sentença que julgou os embargos parcialmente procedentes, reconhecendo que o pagamento feito pelo executado à Vierominho Ldª, no valor de € 43.551,18, extinguia esta parte do valor da dívida exequenda, prosseguindo a execução apenas quanto ao eventual valor acima do somatório dos montantes já pagos e penhorados e respetivos juros, nos termos decididos no acórdão do STJ, transitado em julgado em 14-1-16.

    A exequente embargada apelou e a Relação revogou a sentença na parte em que reconheceu que o pagamento que feito pelo executado à Vierominho, Ldª, extinguia parte do valor da dívida exequenda, ordenando que a execução prosseguisse também para cobrança desse valor.

    O embargante interpôs recurso de revista alegando no essencial que: Existe prova nos autos, em concreto a certidão permanente da exequente junta aos autos onde se pode verificar que o subscritor do e-mail (Dr. AA) além de sócio, era também o único gerente da exequente no período compreendido entre 2013 a 2015 com poderes para obrigar a referida exequente, pelo que, em Outubro de 2014, quando enviou a comunicação, transmitiu a possibilidade de a executada cumprir a sua obrigação de um outro modo, tendo legitimidade e poderes para obrigar a exequente vinculando a dita exequente.

    O subscritor do e-mail tinha poderes para obrigar a embargada nesse período temporal, não é indicada alguma conta bancária da exequente, o terceiro a quem a executada fez o pagamento da quantia de € 43.551,18 é o titular de todas as contas bancárias identificadas pela exequente no anexo junto com o email de fls. 1228 a 1230, é solicitado pela exequente que a executada transfira a quantia especificada para uma das contas bancárias identificadas no anexo junto com o dito e-mail. Resulta assim que a exequente solicitou expressamente ao executado que transferisse a quantia de € 43.551,18 para uma de outras contas bancárias que a Vierominho, Ldª, era a titular, pelo que anuiu que a dita quantia não saísse da esfera jurídico-patrimonial dessa sociedade.

    A circunstância de o exequente ter indicado outras contas bancárias tituladas pelo terceiro para onde solicitou que a quantia em apreço fosse depositada revela que consentiu que essa quantia ficasse na esfera jurídica do terceiro por força do pagamento já realizado ao mesmo pela executada pelo que está preenchida a condição estabelecida na al. a) do art. 770º do CC.

    O consentimento a que alude o art. 770º, al. a), do CC, pode ser expresso, ou tácito, ou pode resultar de factualidade de onde se retire a ilação de que o credor se veio a aproveitar do cumprimento e não tiver interesse fundado em não a considerar como feita a si próprio (art. 217º, nº 1, do C).

    Ficando sempre na esfera jurídica do terceiro a descrita quantia, mesmo que se tivesse dado cumprimento ao pedido da exequente para a transferência da quantia em apreço para outra das contas bancárias do terceiro, está verificado o aproveitamento do cumprimento nos termos da al. d) do art. 770º do CC, pois se um credor consente que a prestação feita a terceiro se mantenha na esfera jurídica desse terceiro é porque tem aproveitamento do cumprimento dessa prestação feita a terceiro e não existe nos autos factos que levem a crer que exista um interesse em não a considerar feita à exequente em função da conduta do seu único gerente com poderes para obrigar que anuiu no pagamento à Vierominho, Ldª, ao indicar contas bancárias desta, para onde solicitou que o montante em questão fosse transferido.

    Está verificada a situação de abuso de direito quando o credor se aproveita do cumprimento da obrigação feita a terceiro e depois demanda o devedor para repetir a obrigação ao mesmo tornando consequentemente injustificável e ilegítimo o exercício desse direito pela exequente por exceder os limites da boa fé.

    Ora essa é a situação dos presentes autos, tornando injustificável e ilegítimo o exercício desta demanda por parte da exequente para peticionar novamente o pagamento do aludido montante de € 43.551,18, alegando que não reconhece o pagamento efetuado pela embargante à Vierominho, Ldª, quando anteriormente, por comunicação escrita, o gerente único da exequente com poderes para obrigar à sociedade à data do envio dessa comunicação indicou contas bancárias da dita Vierominho, Ldª, para onde solicitou que aquele montante fosse transferido.

    Houve contra-alegações.

    Cumpre decidir.

    II – Factos provados: 1. A execução à qual os presentes embargos correm por apenso foi instaurada por Vieromaterials, Ldª, contra o Condomínio do Edifício Âncora, a 16-5-14, e o executado foi citado a 6-11-14 para os termos dos arts. 626º e 856º do CPC.

    1. Na referida execução foi apresentado como título executivo a sentença proferida, em 2-5-14, no âmbito da ação declarativa nº 12/11.T…, na qual era A.

      Vierominho, Ldª, e R. o executado Condomínio do Edifício Âncora.

    2. Na referida sentença o executado foi condenado a pagar à Vierominho, Ldª, a quantia de € 37.883,14, acrescida de juros de mora, à taxa legal (juros comerciais), desde a data de vencimento das faturas, até efetivo e integral pagamento.

    3. Vierominho, Ldª, entretanto interpôs recurso dessa sentença para a Relação, tendo sido proferido acórdão, em 12-5-15, que alterou parcialmente a sentença referida; deste acórdão o Condomínio do Edifício Âncora interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do qual veio a ser proferido acórdão, em 12-12-15, no qual se alterou parcialmente a decisão proferida pela Relação, tendo este último acórdão transitado em julgado em 11-1-16.

    4. No acórdão referido em 4.

      foi decidido: “

  2. Condena-se o R. a pagar a A. a quantia total de € 71.624,17, reconhecendo-se ao R. o direito de reter, a título de garantia, conforme acordado, 5% do valor das faturas acima identificadas equivalente a € 16.175,27 já deduzido no apuramento do total em que vai condenado; b) Condena-se ainda o R. a pagar à A. os juros de mora sobre o total referido em a), às sucessivas taxas aplicáveis aos créditos de que são titulares as empresas comerciais ao abrigo do art. 102º do Cód. Com., desde as datas do vencimento de cada fatura considerada desde a citação quanto à parcela respeitante à quantia não faturada de € 7.508,93”.

    1. A 12-5-14, Vieirominho, Ldª, celebrou com Vieromaterials, Ldª, contrato de dação em cumprimento de crédito, nos termos da qual a Vieirominho, Ldª, declarou ser titular de um crédito reconhecido por sentença proferida no âmbito da ação declarativa nº 12/11.9… que condenou o Condomínio Edifício Âncora a pagar a quantia de € 37.883,14 acrescidos de juros de mora a taxa legal (juros comerciais), desde a data de vencimento das faturas nºs 1...93, 3...34 e 3...35, até efetivo e integral pagamento. Nele se declarou que a Vierominho, Ldª, pelo preço de € 37.883,14, dá em cumprimento a Vieromaterials, Ldª, que dela recebe, a totalidade do referido crédito que detém sobre o Condomínio do Edifício Âncora.

    2. A 30-5-14, no âmbito da ação declarativa nº 12/11.9…, a Vieromaterials, Ldª, deduziu incidente de habilitação, como adquirente, contra Vierominho, Ldª, e Condomínio do Edifício Âncora.

    3. A 16-6-14 foi enviada notificação ao mandatário constituído pelo executado condomínio na ação referida em 2.

      para contestar a habilitação de cessionário.

    4. Em 30-6-14, o executado contestou a habilitação de adquirente, impugnando, por desconhecimento, a matéria invocada no requerimento inicial.

    5. Em 23-10-14, foi depositado pelo Condomínio executado o cheque com o nº 61…9, emitido pelo BPI, no montante pecuniário de € 43.551,18, na conta bancária nº 22…84 do Millennium BCP, titulada pela Vierominho, Ldª, para pagamento do remanescente da dívida decorrente da condenação pela sentença.

    6. Nessa mesma data o dito cheque e a respetiva quantia pecuniária relativa ao dito cheque foi creditada na identificada conta da Vierominho, Ldª, e subsequentemente foi descontada da conta bancária com o nº 43…01 do BPI (afeta ao referenciado cheque).

    7. No incidente de habilitação de cessionário veio a ser proferida a sentença, transitada em...

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