Acórdão nº 164/15.9T8VNF.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelBERNARDO DOMINGOS
Data da Resolução28 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Relatório[1] « AA. e BB., residentes na Travessa….,…..intentaram a presente acção sob a forma de processo comum contra CC., DD., residentes na Rua …, e EE., residente na Rua …, pedindo que seja declarado que o contrato promessa identificado nos autos foi resolvido em 2 de Junho de 2009 pelo incumprimento culposo deles réus. Alternativamente, pedem que seja decretado que se verificou o incumprimento definitivo do contrato promessa com a alienação do imóvel a um terceiro e, de qualquer forma, a pagarem aos autores a quantia de € 220.000,00 correspondente ao sinal prestado, em dobro, e a pagarem juros moratórios.

Para fundamentarem a sua pretensão alegaram, em síntese, que a sociedade "G…-Imobiliária, Lda.", prometeu comprar aos l°s réus e a FF. um prédio urbano, sendo que os promitentes vendedores foram então representados pelo 2o réu na qualidade de procurador deles. Após vicissitudes várias, que enumeram, foi marcada uma escritura para efectivação do negócio definitivo, sendo que havia sido estipulado previamente que a documentação necessária, incluindo o documento comprovativo do distrate dos ónus incidentes sobre o prédio, teriam de ser entregues até ao oitavo dia anterior à escritura, o que os promitentes vendedores não fizeram. Nenhum destes voltou a contactar a promitente compradora, que considerou o negócio resolvido. Os promitentes vendedores vieram a alienar, em 2009/12/14, a favor de um terceiro, o prédio em causa, nunca tendo feito qualquer comunicação à compradora que tivesse por objecto o contrato promessa ou a alienação do lote a favor de terceiro. A promitente compradora foi declarada insolvente em 9 de Abril de 2012. Entretanto, por escritura de 30 de Dezembro de 2011, os aqui autores cederam as suas quotas à sua mãe, tendo renunciado à gerência, tendo-lhes a sociedade cedido, na proporção de metade para cada um, qualquer eventual direito ou crédito que resultasse para a sociedade da acção judicial que identificam nos autos. Os autores, na qualidade de cessionários do crédito, comunicaram essa cessão aos réus por cartas registadas com aviso de recepção, tendo a cessão operado efeitos, o que aliás sempre aconteceria com a citação da presente acção.

Os Réus contestaram alegando: - a ilegitimidade dos Autores; - que a cessão de créditos foi um estratagema usado por estes para subtraírem à massa insolvente o crédito que a G…, Lda havia exigido aos Réus na acção ordinária; - a nulidade do referido negócio; - a ilegitimidade passiva dos réus CC. e EE., por não terem interesse em contradizer; - que houve adiamentos sucessivos da data de celebração da escritura, sendo a mesma marcada, por insistência do 2o réu, tendo sido entregues no dia anterior todos os documentos necessários para a outorga da escritura; - que no dia desta foram presentes as declarações necessárias para o distrate das hipotecas; - que a G…, Lda faltou sem qualquer justificação à escritura; - que em virtude da situação criada com o protelamento sucessivo da realização da escritura, as representadas do 2o réu perderam o interesse na manutenção do contrato promessa, tendo tal sido comunicado pelo 2o réu ao representante da G…, na pessoa do seu gerente, HH., elucidando-o que teria de entregar o prédio ao Millenium BCP, fazendo uma dação em pagamento; - que a G…, Lda incumpriu o contrato promessa, não tendo qualquer direito a exigir o dobro do sinal.

Terminam pedindo a improcedência do pedido.

* Foi elaborado o despacho saneador de fls. 217 a 240, onde, além do mais, forma considerados os réus parte legítima.

* Procedeu-se à realização de julgamento com observância do formalismo legal aplicável.

* A final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condenou os réus, cada um na proporção da sua quota na propriedade do lote prometido vender, a devolverem aos autores a quantia total de cento e dez mil euros, acrescidos de juros à taxa supletiva legal de 4% contados desde a data em que foram citados na acção n° 4350/10…, até efectivo pagamento».

* Inconformados com essa sentença, apresentaram os RR., recurso de apelação contra a mesma. Por sua vez os AA. interpuseram recurso subordinado.

Apreciando os recursos o Tribunal da Relação … proferiu acórdão onde decidiu: « julgar improcedente por não provado o recurso independente e em julgar procedente por provado o recurso subordinado e, consequentemente, na revogação da decisão recorrida condenam-se os Réus solidariamente a devolver aos Autores a quantia total de € 220.000,00 (duzentos e vinte mil euros) acrescidos de juros à taxa supletiva legal de 4% contados desde a data em que foram citados na acção n°4350/10…».

* ** Mais uma vez irresignados vieram os RR., interpor recurso de revista, tendo rematado as suas alegações com as seguintes Conclusões: A) - Vem esta revista interposta do acórdão da Relação … proferido em conferência nos autos de acção ordinária acima referenciados, que julgou improcedente o recurso independente interposto pelos Réus, ora recorrentes, e julgou procedente o recurso subordinado interposto pelos Autores, ora recorridos, revogando a sentença da 1a instância e condenando aqueles solidariamente a devolver a estes a quantia total de 220.000,00€ (duzentos e vinte mil euros) acrescidos de juros à taxa supletiva legal de 4%, contados desde a data em que foram citados na acção n° 4350/10…; B) - Salvo melhor opinião, o acórdão recorrido não fez correcta aplicação do direito atinente, nomeadamente nos art°s. 30° e art. 577° ai. e) do C.P.C., e, ainda, dos art°s. 217°, 280°, 294°, 442°, n°s. 1 e 2, 512°, n° 1, 513°, 772°, n° 1 e 792°, n° 2, todos do Código Civil; C) - Ir-se-á abordar de seguida as questões suscitadas no acórdão recorrido, dando-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada pelas instâncias e elencada no item 3 das presentes alegações; D) - Como vem provado, os Autores eram sócios, com a sua mãe, II., da “G… - Imobiliária, Limitada (doravante G.....), e por escritura de 30 de Dezembro de 2011, os Autores declararam ceder as suas quotas, de que eram titulares naquela sociedade à referida sua mãe ( al. O), P). e Q)); E) - Nessa mesma escritura, os Autores declararam assumir para si, em partes iguais, quaisquer obrigações que resultassem para a sociedade da decisão a proferir na acção judicial que a G.... havia proposto contra os ora recorrentes, a qual correu termos no Tribunal Judicial …, então 0º Juízo, sob o nº 4350/10.... (cfr. al. K), sendo certo que, sendo a G…… autora naquela acção e não tendo havido nesta reconvenção, como fluí dos autos, não podiam resultar para ela quaisquer obrigações, o que significa, sem margem para dúvidas, que as cessões de quotas realizadas pelos Autores à dita sua mãe traduziram actos gratuitos.

  1. - Como consta dos autos, a falência da G… foi requerida em 3 de Março de 2012 (apenas 2 meses e 4 dias após a mencionada escritura de cessões) e decretada a sua insolvência por sentença de 9 de Abril de 2012, transitada em julgado (cfr. al. M).

  2. - Neste quadro comportamental não é possível, segundo as regras da experiência comum e de elementar bom senso, que os autores desconhecessem: a) - que a G…. se encontrava em situação de insolvência; b) - o carácter prejudicial das referidas cessões e de que a G… se encontrava, à data daquelas, em situação de insolvência iminente, tanto mais que, como consta dos autos, o restante património da G..... era insignificante.

  3. - É, pois, indubitável que, ao assim procederem, os Autores, mancomunados com sua mãe, tornada única sócia da G……, agiram com má fé e com manifesto prejuízo para a massa insolvente daquela sociedade, nos termos do nº 5 do artº. 120º do CIRE.

  4. - Aliás, tais cessões, quer assumissem a natureza de acto gratuito quer oneroso (onerosidade que se não vislumbra) podiam ser resolvidas em benefício da mesma insolvente, sendo certo que tal resolução pressupunha não só a má fé dos autores como a prejudicialidade das cessões em relação à massa insolvente (cfr. nºs. 1,2,3 e 4 do cit. artº. 120º).

  5. - É, assim, apodíctico que tais cessões traduziram claramente um desapossamento dum eventual crédito da G.... em vésperas da sua declaração de insolvência e, por conseguinte, desapossamento da massa insolvente, sendo igualmente apodíctico tal desapossamento ter resultado dum estratagema conscientemente urdido e concretizado pelos Autores e a dita sua mãe e, por conseguinte, com inegável intuito fraudulento.

  6. - Afigura-se que, sem margem para dúvidas, a referida subtracção fraudulenta constituiu um negócio celebrado contra a lei e claramente ofensivo dos bons costumes, sendo as mencionadas cessões nulas e de nenhum efeito, nos termos dos artºs. 280º e 294º do Cód. Civil, sendo certo que a nulidade de tais negócios obsta que os mesmos surtam quaisquer efeitos, nomeadamente, o de, com base neles, os Autores se apresentarem nesta acção como titulares do direito a que se arrogam e que, nessa qualidade, accionem os Réus.

  7. - Não podendo ser, face ao direito, titulares legítimos do referido pretenso crédito, os Autores são partes ilegítimas na presente acção, nos termos do artº. 30º do CPC.; M) - A mencionada ilegitimidade constitui a excepção dilatória prevista na alínea e) do artº. 577º do CPC, a qual obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à improcedência da acção por absolvição dos réus da instância (nº. 2 do artº. 576º do mesmo diploma legal).

    Se porém, for entendido estar-se perante uma ilegitimidade substantiva, que é aferida face à concreta relação jurídica em litígio, então a ilegitimidade dos autores conduz à absolvição dos Réus do pedido N) - Face à matéria provada, a G.... incumpriu o contrato promessa referido nos autos, o qual, na qualidade de promitente compradora, havia celebrado com os promitentes vendedores, cabendo-lhe por inteiro a culpa pela não realização da venda prometida; O) - Tal decorre, além dos factos dados como provados e reproduzidos nas alíneas A, B, C, D, E, F e...

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