Acórdão nº 1411/10.9BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelANA PINHOL
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I.

RELATÓRIO C............., CRL, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu na sequência do indeferimento do recurso hierárquico, apresentado contra as liquidações de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respetivos Juros Compensatórios (JC), dos meses de janeiro a dezembro de 2002, no montante de 48.872,78€.

Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «A - Entendeu a Douta Sentença recorrida que no momento de liquidação do imposto em causa nos autos – IVA – não se encontrava caducado tal direito, contrariando a tese da Impugnante; B - Tendo por base os factos dados como provados na Sentença agora em crise, não podemos concordar com a decisão sobre este ponto – (não) caducidade do direito à liquidação – nem com a respetiva fundamentação C - O processo de inquérito ao qual a Douta Sentença atribui efeito suspensivo ou interruptivo do direito à liquidação, foi instaurado em data que não consta dos factos dados como provados – o que só por si acarreta insuficiência da matéria dada como provada para a decisão – mas certamente situada no início do ano de 2005, como facilmente se infere pela numeração que identifica o processo “11/05.01TELS”.

D - O nº 5 do art.º 45º da Lei Geral Tributária (LGT), foi aditado pela Lei do Orçamento nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, vigorando no nosso ordenamento jurídico a partir de 01/01/2006, inexistindo norma anterior com semelhante regulação.

E - À data dos factos tributários – 01.01.2003 – inexistia norma que atribuísse efeito suspensivo ao prazo de caducidade da liquidação ou prazo do direito á liquidação pela AT, como, de igual forma, tal previsão inexistia à data da instauração do inquérito.

F - Estabelece o nº 2 do art.º 12º do Código Civil que “Quando a lei dispõe sobre condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”.

G - Pelo que, não pode relevar para a suspensão ou interrupção do prazo de caducidade referente ao IVA do ano de 2002, o inquérito antes instaurado, já que, tal interpretação violaria o art.º 12° n° 2 do Código Civil.

H - Na medida em que, considerar que a instauração de inquérito criminal anterior à previsão dos efeitos de tal facto sobre o prazo de caducidade, seria ficarmos perante uma situação de validação de aplicação retroativa da lei, em violação das regras sobre tal efeito.

I - O novo número 5 do art.º 45.º da LGT, em vigor a partir de 01.01.2006, vem atribuir relevância, efeito ou consequência a um facto - a instauração de inquérito criminal sobre os factos tributários - determinando uma suspensão de tal prazo desde tal instauração, até um ano após o arquivamento ou trânsito em julgado da sentença.

J - Mesmo não pondo em causa a aplicação desta nova norma aos prazos de caducidade em curso, nunca se pode, porém, atribuir efeitos a um facto que ocorreu antes da entrada em vigor de tal norma – a instauração do inquérito – pois na data em que ocorreu tal facto, não existia a previsão.

K - Sendo que tal norma apenas poderá ser aplicada a inquéritos instaurados depois da sua entrada em vigor, ainda que respeitantes a prazos de caducidade já em curso à data da sua entrada em vigor.

L - A norma do n.º 5 do art.º 45.º da LGT encerra um período de suspensão do prazo de caducidade, que tem de ter um início – a instauração do inquérito - e um fim – um ano após o arquivamento ou sentença.

M - Até porque, se assim não se entendesse, estaria, por um lado, a ser desperdiçado o prazo inicial eventualmente já decorrido entre o facto tributário – ou inicio legal da contagem do direito à liquidação – e a instauração do inquérito (o que não é possível por ser atentatório dos direitos do contribuinte e das regras sobre caducidade) e, por outro lado, estaríamos a admitir, em tese, a possibilidade de um encurtamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, quando o inquérito fosse arquivado ou decorresse um ano após a sentença, antes de decorrer o prazo geral e regra de 4 anos.

N - As consequências que o n.º 5 do art.º 45.º da LGT atribui à instauração de inquérito, só podem ser tidas como uma causa de suspensão do prazo de caducidade, que ocorre entre a instauração do inquérito e a decisão final em tal processo (acrescido de ano no caso de sentença).

O - Desta forma o prazo de caducidade da liquidação do IVA do ano de 2002, e como refere a douta sentença, inicia-se a 01/01/2003, terminando a 01/01/2007, sem que tenha ocorrido qualquer facto com efeito interruptivo.

P - Esta interpretação é sufragada pela nossa jurisprudência, como é exemplo o Acórdão do STA, no Processo n.º 0240/09, de 13.05.2009 (disponível em www.dgsi.pt), em que se conclui que: “I - Os efeitos jurídicos de factos são determinados pela lei vigente no momento em que eles ocorrem (art. 12.º, n.º 2, do Código Civil). II - Assim, os únicos factos que interrompem a prescrição da obrigação tributária são aqueles a que é reconhecido efeito interruptivo pela lei vigente nos momentos em que eles ocorrerem.”.

Q - O que, aplicando-se ao caso em apreço, será dizer que o efeito jurídico da instauração de inquérito sobre o prazo de caducidade do direito de liquidação em curso é determinado pela lei vigente no momento em que a instauração ocorre, sendo que, quando tal aconteceu – início do ano de 2005 – a lei não lhe atribuía qualquer efeito sobre o prazo de caducidade em curso.

R - Não podendo esse efeito, trazido ao nosso ordenamento pela Lei do Orçamento de Estado para 2006, ter aplicação retroativa, aplicando-se a casos, como o presente, em que o inquérito já havia sido instaurado antes da vigência da lei.

S - Termos em que, tendo ocorrido a liquidação apenas em maio de 2008, notificada já em junho de 2008 (notificação datada de 11.06.2008 e efetuada a 16.06.2008), já há muito estava caducado o respetivo direito.

T - Acrescendo que as ações inspetivas referentes à Ordem de Serviço OI 200702032, tiveram o seu inicio em 11/01/2008, momento em que já havia caducado o direito à liquidação, não se podendo aplicar a suspensão prevista no n.1 do art.º 46.º da LGT.

U - Pelo que, deverá a Sentença recorrida ser anulada, substituindo-se por outra que julgue a impugnação da liquidação como procedente por provada, anulando a liquidação e obrigando a AT a restituir todas as quantias já pagas pela impugnante e libertação de todas as garantias prestadas para suspender a execução fiscal em curso.

V - Sem conceder no supra exposto, e caso assim não se venha a decidir, sempre deverá este Venerando Tribunal ter em conta que a Sentença ora recorrida não determina, com clareza e dando-os como provados, os factos apreciados no inquérito judicial, ao qual atribui efeito suspensivo do prazo de caducidade do direito à liquidação.

X - Com efeito, se o Tribunal vier a validar a tese da Sentença da primeira instância, de acordo com a qual o inquérito instaurado anteriormente à data de entrada em vigor do n.º 5 do art.º 45.º da LGT, produz efeito suspensivo da caducidade do direito à liquidação, sempre, para aplicar tal norma, deve atender à sua previsão.

Z - E, como é sobejamente e reiteradamente entendido pelos nossos tribunais superiores, importa que a Sentença elenque os factos objeto do inquérito criminal, para que seja clara e possa ser verificada a sua correspondência com os factos em causa na liquidação.

AA - Veja-se, como exemplo, o Acórdão do STA, proferido no Processo: 0190/14, de 11/11/2015: “I - A contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45.º, n.º 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos. II - Não se encontrando fixados nos autos os concretos factos que motivaram a liquidação oficiosa...

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