Acórdão nº 87/20.0BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I. RELATÓRIO T….., S.A.

e N….., S.A.

(doravante Impugnantes) vieram apresentar impugnação da decisão arbitral proferida a 22.09.2020, pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º …..

, ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).

Nesse seguimento, as Impugnantes apresentaram alegações, nas quais concluíram nos seguintes termos: “A.

O tribunal arbitral tributário constituído no processo n.º …..

, quando confrontado com a arguição, pelas ora Impugnantes, de questões que se reconduziam à ilegalidade e inconstitucionalidade do artigo 87.º-A do Código do IRC, que prevê e regulamenta a liquidação da derrama estadual, não se pronunciou em relação a algumas delas no Acórdão proferido em 22 de setembro de 2020.

B.

A decisão arbitral em referência deve, por isso, ser anulada com fundamento em omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

C.

A primeira questão sobre a qual o tribunal arbitral não se pronunciou prende-se com a circunstância de a derrama estadual – que JOSÉ CASALTA NABAIS entende “não passa[r] de uma sobretaxa sobre o IRC” – constituir uma sobreposição ao IRC que redunda numa ilegítima duplicação da tributação (cf.

artigos 84.º a 97.º e 252.º a 292.º do articulado inicial).

D.

Sendo certo que a admissibilidade (ou não) da duplicação de coleta ou dupla tributação que a derrama estadual encerra tem de analisada à luz da CRP, na petição inicial foi invocado o princípio da igualdade, mormente na sua aceção de capacidade contributiva, na medida em que a derrama estadual (imposto acessório) diverge do IRC (imposto principal) por ser progressiva, por introduzir diferenciações injustificadas entre pessoas na mesma situação em decorrência da repercussão económica ou diferida dos impostos sobre o rendimento das empresas e, bem assim, por desconsiderar manifestações negativas dessa capacidade para contribuir sob a forma de prejuízos fiscais tanto numa ótica individual como de grupo (i.e., no âmbito do RETGS) (cf.

artigos 252.º a 292.º da petição inicial).

E.

Contudo, o tribunal arbitral não se pronunciou sobre de que forma exigir outro imposto sobre o lucro tributável em IRC aos respetivos sujeitos passivos e relativamente ao mesmo período temporal pode ser compatível com o ordenamento jurídico fiscal em geral e, em particular, com a CRP (cf.

pp. 10 e 11 da decisão impugnada).

F.

O tribunal arbitral avaliou, ainda que de forma superficial e em moldes que merecem a absoluta discordância das Impugnantes, se a progressividade da derrama estadual e a desconsideração dos prejuízos fiscais e do lucro tributável do grupo eram, em si mesmas, constitucionalmente válidas independentemente da duplicação de tributos, e não se “a fragmentação e sobreposição metastáticas de impostos” sobre o mesmo rendimento é em si mesma admissível.

G.

A sobreposição de tributos sobre o mesmo rendimento é uma questão de direito, sendo aquelas violações de regras e princípios constitucionais, no que à invocada duplicação de tributação ou coleta concerne, os argumentos ou razões que a suportam.

H.

O facto de a sobreposição tributária em questão poder ser também configurada como um argumento no sentido da ilegalidade do ato de liquidação da derrama estadual não invalidava que o tribunal tivesse de se pronunciar sobre ela como verdadeira e própria questão (vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 168/17.7BCLSB, de 6 de dezembro de 2018).

I.

Como não se pronunciou a esse respeito, a decisão arbitral contrariou o disposto no artigo 95.º, n.º 1, do CPTA e no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT, o que consubstancia uma violação do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 28.º, do RJAT.

J.

A segunda questão sobre a qual o tribunal arbitral tributário omitiu pronúncia prende-se com a compatibilidade (ou não) com o princípio da igualdade em sentido estrito, bem como com o seu corolário da capacidade contributiva, deste adicional progressivo ao IRC que é a derrama estadual quando analisado sob a ótica da sua repercussão sobre indivíduos cuja capacidade contributiva nada tem a ver com a da empresa (cf.

artigos 48.º a 78.º e 520.º a 544.º da petição inicial).

K.

A repercussão económica (ou diferida) dos impostos sobre o rendimento das pessoas coletivas é uma das razões pelas quais a progressividade – que na derrama estadual é evidente e resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 87.º-A do Código do IRC – é inapta para materializar a capacidade contributiva – corolário do princípio da igualdade e critério de repartição material dos encargos públicos adequado aos impostos – nesse domínio, sendo, ao invés, indutora de discriminação e desigualdade.

L.

As Impugnantes alegaram e demonstraram, com recurso a um exemplo prático de distribuição de lucros por duas sociedades distintas (uma sujeita à derrama estadual e outra não), que a repercussão do encargo de um imposto progressivo sobre o rendimento das empresas, como a derrama estadual, em terceiros com elas relacionados (e.g.

sócios/investidores, trabalhadores, fornecedores) cria uma discriminação entre pessoas singulares que encerra uma flagrante desigualdade tributária (cf.

artigos 166.º a 171.º, 263.º a 272.º e 542.º a 544.º da petição inicial).

M.

Derradeiramente, o efeito criado é exatamente o oposto daquele que é visado pela progressividade – que, na derrama estadual, está “em contradição aberta com os propósitos da Reforma Fiscal que criou o IRC”, como explica o Prof. Doutor Fernando Araújo no voto vencido proferido na decisão impugnada –, e que é tirar de quem mais tem para dar a quem mais precisa.

N.

No entanto, a apreciação que o coletivo fez à compatibilidade entre a progressividade da derrama estadual e o princípio constitucional da igualdade, tanto em sentido próprio como na aceção da capacidade contributiva, ignora por completo a questão da repercussão económica ou diferida dos impostos sobre o rendimento sobre os indivíduos.

O.

O tribunal arbitral limitou-se a afirmar, sem mais, que a progressividade dos impostos sobre o rendimento das empresas não está constitucionalmente vedada e que a observância da capacidade contributiva está assegurada pelo facto de a derrama estadual incidir apenas sobre sujeitos passivos com lucro tributável superior a determinado limiar.

P.

A tributação de um grupo seleto de empresas dentro do universo dos sujeitos passivos de IRC apenas porque os seus lucros ultrapassam um certo limite (primeira questão) não tem o mesmo significado e tão-pouco implica a mesma análise, à luz dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, que a procura em determinados terceiros – e.g.

sócios, trabalhadores, fornecedores, clientes da empresa sujeita à derrama estadual – de um indício de maior capacidade para contribuir no âmbito de um imposto sobre as pessoas coletivas (segunda questão).

Q.

A apreciação da primeira questão pelo tribunal arbitral não consumia, muito menos dispensava, a apreciação da segunda.

R.

E trata-se (a segunda questão) de uma verdadeira questão, e não de uma razão ou argumento, pois sendo certo que a violação do princípio da igualdade pode ser reconduzida, em termos muito latos, a uma questão, é igualmente verdade que essa questão pode desdobrar-se em várias outras, como aqui sucede.

S.

Embora estejam em causa os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, o sentido extraído dos mesmos não é unívoco, assim como não são idênticos os pressupostos em que assenta a arguição da inconstitucionalidade.

T.

Como decidiu este Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão n.º 141/19.0BCLSB, de 7 de maio de 2020, “É uma verdadeira questão, e não um mero argumento, a alegação de que uma determinada disposição legal, interpretada num determinado sentido é inconstitucional (…) discordamos que a invocação de que uma norma, quando interpretada num determinado sentido, é inconstitucional, seja um mero argumento. Ou seja, essa alegação de inconstitucionalidade, por princípio, é uma verdadeira questão” (sublinhado das Impugnantes).

U.

Prossegue este douto Acórdão que, “como este Tribunal Central tem vindo a sublinhar, a constitucionalidade da norma constitui, inclusive, questão de conhecimento oficioso” e que “a alegação de constitucionalidade não deve ser equacionada como um argumento e, neste contexto, não deve ser ignorada pelo Juiz perante quem é suscitada”.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve a presente impugnação da decisão arbitral proferida em 22 de setembro de 2020 no processo n.º …..

ser julgada procedente, por provada, e, por conseguinte, a decisão em referência ser anulada.

Mais requer seja determinada a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos previstos no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro”.

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnada ou AT) foi notificada para alegar, nos termos consignados no art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, não tendo sido apresentadas contra-alegações.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP) foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA.

Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir: a) Há nulidade da decisão arbitral por omissão de pronúncia? II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A.

Para a apreciação da presente Impugnação estão provados os seguintes factos: 1) As Impugnantes apresentaram junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral, do qual consta, designadamente, o seguinte: “I.

Ao que vêm as Requerentes 1.° O presente caso incide sobre uma única questão: será a figura da derrama estadual conforme, nos dias de hoje, às regras e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT