Acórdão nº 1511/19.0T8STB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1511/19.0T8STB-A.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Execução de Setúbal – J2 * Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Por apenso à execução instaurada por “Caixa Geral de Depósitos, SA”, (…) deduziu oposição à execução mediante embargos de executado. Proferido saneador-sentença, a instituição bancária veio interpor recurso.

* A execução destinava-se ao pagamento da quantia de € 124.960,31 e tinha por título um contrato de “Compra e Venda Mútuo com Hipoteca e Fiança”.

* A embargante impugnou a exigibilidade da quantia exequenda, sublinhando que os mutuários foram declarados insolventes e que jamais a exequente a informou sobre a situação falimentar dos devedores ou do montante em dívida.

O fundamento dos embargos assenta assim na inexigibilidade derivada da omissão daquilo que foi pago, face ao valor da adjudicação do imóvel garantido por hipoteca.

* Na contestação apresentada foi impugnada a matéria de facto e de direito alegada.

* Os mutuários (…) e (…) foram declarados insolventes em 10/07/2013 no âmbito do processo n.º 167/13.8TYLSB, que correu termos no Juízo de Comércio de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (J2). Nesses autos, o imóvel hipotecado foi transacionado e o produto da venda foi insuficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda.

* Em sede de saneador-sentença, o Tribunal «a quo» decidiu julgar procedente a oposição à execução mediante embargos de executado, julgando extinta a execução.

* Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões: «

  1. O presente recurso vem interposto da douta sentença de 07 de Outubro de 2020, com a ref.ª 90832167, que julgou totalmente procedentes os Embargos de Executado, determinando, por conseguinte, a extinção a execução contra a Executada.

  2. Não se conforma a Recorrente com a douta sentença aqui em apreço, porquanto a mesma não faz, salvo o devido respeito, que é muito, a correcta interpretação da lei e dos factos.

    Ora vejamos, c) A 18 de Julho de 2006, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., ora Recorrente, celebrou por escritura pública um contrato de mútuo com hipoteca e fiança com os mutuários (…) e (…), através do qual lhes foi disponibilizado o montante de € 220.000,00 tendo a aqui Recorrida assumido a posição de fiadora e principal pagadora.

  3. As prestações convencionadas deixaram de ser pagas em 19/09/2011, o que implicou a resolução do contrato de mútuo, sendo devido o pagamento da totalidade do empréstimo – € 60.645,79 –, conforme deriva do artigo 781.º do C.C., bem assim dos termos contratuais.

  4. Sucede que os mutuários foram, entretanto, declarados insolventes no âmbito do processo n.º 167/13.8TYLSB, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juiz 2 do Juízo de Comércio de Lisboa.

  5. Motivo pelo qual a acção executiva foi intentada apenas contra a Recorrida, na qualidade de fiadora e principal pagadora no âmbito do mútuo em apreço.

  6. Em 03/04/2019, veio a Requerida deduzir Embargos de Executado, alegando, designadamente, que Requerente nunca a havia informado quer do processo, quer do valor em dívida.

  7. Nesta sequência considerou o Tribunal «a quo» que “o que a exequente fez dar conhecimento à fiadora de um risco de incumprimento no pagamento das prestações, limitando-se a solicitar os documentos relativos à última declaração de IRS entregue e dos rendimentos auferidos. Daqui resulta a inviabilidade de aquelas comunicações poderem constituir interpelação da fiadora para a perda do benefício do prazo e para a imediata exigibilidade de toda a dívida o que obstaculiza a acção da exequente de exigir da opoente/executada a totalidade da dívida porque ela, justamente, não perdeu nunca o benefício do prazo contratualmente fixado. Deste modo, conclui-se pela inexigibilidade da obrigação e pela procedência da oposição”.

  8. Não pode a Recorrente anuir com tal entendimento, porquanto a eventual falta de interpelação da Embargante, não resulta necessariamente na extinção da instância.

  9. E, ainda que tal argumento procedesse, o que apenas por mera hipótese académica se admite, a verdade é que a Recorrente, em múltiplas ocasiões, proporcionou à Recorrida a possibilidade de liquidar os valores em dívida.

  10. Cumpre salientar, neste sentido, que, em 01/01/2013, a Recorrente comunicou aos Mutuários, por escrito, a abertura de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) e requereu que lhe fossem facultados documentos que se encontravam na posse daqueles, sem que lhe tivesse sido oferecida qualquer resposta.

  11. Igualmente, a Recorrente endereçou à Recorrida um ofício, em 15/04/2015, com o desiderato de lhe dar conhecimento que havia procedido à sua integração no Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), ao abrigo do disposto n.º 2 do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 227/20122, de 25 de Outubro. Para este efeito, foi-lhe solicitado que entregasse numa das agências da Recorrente, no prazo de 10 dias, os seguintes documentos: “última declaração de IRS e respetiva Certidão de Liquidação: Documentos comprovativos de rendimentos auferidos, nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais”.

  12. Não tendo obtido qualquer resposta, a Requerente enviou nova missiva à Requerida, no dia 29/04/2015, reiterando o conteúdo da anterior; contudo, não foi, novamente, oferecida qualquer resposta.

  13. A Recorrente deu oportunidade tanto aos Mutuários como à Recorrida para que procedessem à liquidação das verbas em atraso, existindo, inclusive, a possibilidade de o fazerem através de um plano de pagamento em conformidade com a respectiva situação económica.

  14. Bem sabia a Recorrida que, na qualidade de devedora solidária das obrigações assumidas pelos Mutuários, seria responsável precisamente nos mesmos termos que estes; e, mesmo consciente dessa factualidade, não encetou qualquer tentativa de contacto com a Recorrente, o que, salvo o devido respeito, consubstancia uma situação de negligência grosseira.

  15. Não poderá, pois, a Recorrente ser duplamente penalizada no seu direito de crédito quando foi a Recorrida quem deliberadamente ignorou as obrigações.

  16. Ademais, ainda que não tivesse sido encetada qualquer tentativa de dar conhecimento à Requerida da situação de incumprimento, ou seja, de que seria necessária ainda assim a prévia interpelação da Embargante, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderia admitir, sempre se diria que tal, não impediria que com a citação promovida nos presentes autos se considerasse vencida e exigível a obrigação.

  17. Isto porque, no momento em que é citado, o devedor tem oportunidade de proceder à regularização do montante em dívida, valendo, assim, o acto da citação como interpelação ao pagamento.

  18. É precisamente esta interpretação que decorre da análise conjugada do n.º 1 do artigo 805.º do Código Civil (doravante, CC) que positiva que “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir” e da alínea b) do n.º 2 do artigo 610.º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), na qual se consagra que “quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação”.

  19. Da mera leitura dos dois preceitos legais transcritos, só poderá conclui-se que, a partir do momento que a Recorrida foi citada, passou a ser possível à Recorrente exigir-lhe a totalidade da dívida exequenda, sem necessidade de qualquer outro acto prévio à citação.

  20. Neste âmbito, são vastos os exemplos, quer jurisprudenciais, quer doutrinais, que convergem num único sentido: a eventual falta de interpelação supre-se com a citação do devedor, conforme decorre dos termos conjugados do n.º 1 do art.º 805.º do Código Civil (doravante, CC) e da alínea b) do n.º 2 do art.º 610.º do Código de Processo Civil (doravante, CPC).

  21. Paradigmático do que se afirma é o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 28/09/2017, no qual se positiva que “o requisito de exigibilidade da obrigação exequenda, prescrito no art.º 713.º do CPC, reveste a natureza de um pressuposto processual inerente à chamada exequibilidade intrínseca daquela obrigação e contempla as obrigações sujeitas a condição suspensiva ou as obrigações sinalagmáticas dependentes de uma prestação do credor ou de terceiro, como se alcança do disposto no artigo 715.º, n.º 1, do Código Civil”, acrescentando que “nem tão pouco a falta de interpelação para efeitos de vencimento da obrigação exequenda se inclui naquela categoria de inexigibilidade, já que fica suprida pela citação do executado, conforme decorre dos artigos 805.º, n.º 1, do CC e 610.º, n.º 2, alínea b), do CPC”.

  22. Em orientação convergente, atente-se o excerto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 12/09/2017, no âmbito do processo 6691/11.0TBVFX, que, embora reconheça que “o credor deve comunicar ao fiador a mora ou incumprimento sob pena de responder pelos danos a que der causa pela omissão ou retardamento dessa comunicação”, esclarece que “cabe ao fiador a prova do dano causado pela omissão ou retardamento dessa comunicação”, acrescentando, ainda, que “para demonstrar que a falta ou retardamento da comunicação deu causa a acrescido montante de juros moratórios o fiador tem de demonstrar que se tal comunicação tivesse sido devidamente efetuada teria de imediato procedido ao pagamento para o que se torna essencial que, no mínimo, proceda ao pagamento da dívida de capital logo que interpelado pela execução”.

  23. No mesmo aresto é, também, reconhecido que “o fiador apenas necessita de ser interpelado para cumprir a sua obrigação de garante, mas não já da perda do benefício do prazo. E não tendo ficado demonstrada a prévia interpelação por carta alegada pelo Exequente, haverá de ter-se essa interpelação feita...

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