Acórdão nº 1698/19.1T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1698/19.1T8BJA.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo Central de Competência Cível e Criminal de Beja – J4 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Na presente acção proposta por “O (…), Lda.” contra “Casa Agrícola (…), Lda.”, a Ré veio interpor recurso da sentença proferida.

* A Autora pediu que fosse declarada a resolução do contrato de arrendamento rural celebrado entre as partes, por erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, ou, subsidiariamente, por alteração das circunstâncias[1].

Mais peticionou que a Ré fosse condenada a restituir à Autora a quantia de € 305.375,00, correspondente ao valor das prestações contratuais pecuniárias que cumpriu.

* Para tanto, a Autora invocou que é uma sociedade que se dedica, directamente e por intermédio de outra sociedade do grupo, à exploração de olival superintensivo e celebrou com a Ré o arrendamento rural em causa.

Para o desenvolvimento do projecto agrícola em questão seria imprescindível proceder ao abate das árvores que se encontravam dispersas pelo terreno e aceder à água proveniente do Alqueva para suprir as necessidades de rega.

Durante as negociações pré-contratuais, a Ré garantiu à Autora que o abate das árvores já estava autorizado pelo ICNF e que, além do mais, já existia autorização dos proprietários dos prédios vizinhos para a passagem de condutas.

A Autora celebrou o arrendamento com a Ré na convicção de que tais autorizações já estavam asseguradas, mas tal não correspondia à realidade.

* A Ré deduziu articulado de contestação em que impugna a factualidade alegada e a essencialidade dos elementos acima referidos para a celebração do contrato de arrendamento, exigindo o cumprimento do acordo celebrado.

A Ré deduziu ainda pedido reconvencional com o qual pretende que a Autora seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 413.062,50, sendo € 82.687,75 a título de indemnização pela mora no pagamento da renda vencida em 2019, € 165.375,00 a título de pagamento de renda vencida em 2020 e € 165.000,00 a título de reforço de caução, tudo acrescido de juros de mora legais (comerciais) vencidos desde a citação.

* Houve lugar a terceiro articulado de resposta.

* Foi realizada a audiência prévia em que foi feito o saneamento do processo, a enunciação dos temas da prova e das questões a decidir.

* Realizado o julgamento, foi proferida sentença com o seguinte conteúdo decisório: (i) declarar a anulabilidade do contrato de arrendamento, celebrado entre a Autora “O (…), Lda.” e a Ré “Casa Agrícola (…), Lda.” nas qualidades de, respectivamente, arrendatária e senhoria, por documento particular datado de 27/11/2018, referente a uma parcela de terreno, com 245 hectares, do prédio rústico denominado “Herdade da Casa dos (…)”, sito na freguesia de Santa Clara do Louredo, concelho de Beja, inscrito na matriz predial rústica sob parte do artigo (…) da Secção (…), criado por escritura de 04/01/2017 a partir do fraccionamento do prédio correspondente ao artigo (…), Secção (…).

(ii) condenar a Ré “Casa Agrícola (…), Lda.” a restituir à Autora “O (…), Lda.” o montante de € 305.375,00 (trezentos e cinco mil e trezentos e setenta e cinco euros).

(iii) julgar a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo-se consequentemente a Autora “O (…), Lda.” de todos os pedidos reconvencionais.

* A recorrente não se conformou com a referida decisão e as alegações de recurso continham as seguintes conclusões: «A. A A. intentou a presente ação, pedindo ao Tribunal a quo que declarasse a resolução do contrato de arrendamento rural que celebrou com a R. em 27.11.2018.

  1. Para tanto alegou erro sobre a base do negócio, dizendo que celebrou o contrato convencida de que estavam garantidos o fornecimento de água ao arrendado pela EDIA, a autorização dos proprietários dos prédios vizinhos para passagem das condutas de ligação aos hidrantes H5.9 e H4.3 e a autorização do ICNF para o abate das árvores existentes no arrendado, quando na realidade não estavam.

  2. Em alternativa, pediu a resolução do contrato com fundamento na alteração das circunstâncias em que as partes basearam a vontade de contratar, pois a EDIA, a partir de determinada data, em 2019, por efeito do Despacho n.º 17/2019, de 26 de julho, deixou de ter autorização do Ministro da tutela para o fornecimento de água para rega de culturas permanentes, como é o caso do olival, fora do perímetro de rega da EDIA, ou seja, em regime precário.

  3. A decisão recorrida acolheu as pretensões da A, declarando a anulação do contrato de arrendamento rural celebrado, com base em erro sobre a base do negócio, e condenando a R. a restituir tudo o que recebeu da A., apesar de ter dado como provado (erradamente) que esta só restituiu o arrendado em março de 2019, com o argumento de que a A. não tirara proveito do arrendado.

  4. É desta decisão que a R. recorre, apontando de seguida os factos incorretamente julgados pelo Tribunal a quo, a prova produzida que impunha decisão diferente e o sentido que esta deveria ter.

    Assim: 1 - A suposta garantia de fornecimento de água ao arrendado: Factos Provados 19 c), 22 e 25 F.

    A decisão recorrida dá como provado o facto de “a A. ter celebrado o contrato na convicção de que a EDIA autorizaria à A. a utilização da água dos hidrantes H4.3 e H5.9 a título precário para serventia do terreno cedido”.

  5. Ora, o próprio contrato é esclarecedor e não permite a conclusão que decorre da Sentença recorrida; com efeito, H. A cláusula 7.ª, n.º 8 do contrato diz, expressamente, que “a arrendatária é a única responsável pelas diligências junto da EDIA com vista à obtenção da licença de fornecimento de água” e que “a Senhoria não assegura nem garante à arrendatária o fornecimento de água ao Prédio”.

    I. Em face da clareza do texto contratual, não é aceitável que se faça tábua rasa do mesmo e que se dê prevalência à afirmação de meras convicções, para mais provindas da parte interessada, ou de pessoas com ela relacionadas (por parentesco, interesse económico ou dependência económica).

  6. O anexo 3 do contrato, constituído pelo Ofício da EDIA de 24/10/2016, referente a uma autorização de rega a título precário do hidrante H4.3, não se destinava, evidentemente, a ilustrar a autorização do fornecimento de água ao arrendado, mas apenas a chamar a atenção para diversas condicionantes expostas naquele ofício que seriam aplicáveis também em 2019, como a autorização para irrigação por outras entidades que não a EDIA.

  7. Esta conclusão parece evidente, pois o ofício é de 24/10/2016 e a autorização nele conferida só é válida por um ano; sendo de 2016 nunca poderia respeitar a um arrendamento celebrado em 2018, pois os contornos deste não eram então conhecidos, finalmente, diz respeito à rega de uma área de 230 ha, quando o arrendado tem 245 ha.

    L. Assim, ao invés da decisão recorrida, deveria ter sido considerado provado: “Era à A. que competia diligenciar a obtenção do fornecimento de água pela EDIA, o que a A. não fez”; M. Por outro lado, a EDIA deixou de estar autorizada a fornecer água para rega de culturas permanentes, como a do olival, a novas explorações que o solicitassem, partir do Despacho n.º 17/2019, de 26 de julho de 2019, do Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.

  8. Não obstante, pelo menos até final do mês de Junho de 2019, a A. poderia ter obtido a autorização da EDIA, desde que, claro está, a tivesse solicitado.

  9. Este facto foi confirmado pelo eng. (…), diretor coordenador da EDIA, em depoimento prestado como testemunha, na sessão da Audiência Final de 18/09/2020, cujo depoimento se encontra registado através do sistema de gravação digital entre as 10:13 horas e as 10:41 horas (vide gravação aos minutos 00:12:41, 00:13:29, 00:13:57, 00:14:05, 00:14:21 e 00:14:47, transcrita no artigo 62.º supra).

  10. Em face do exposto, em vez do que ficou dito na Sentença quanto aos factos provados 19 c) e 25, deveria ter sido dado como provado: “Era à A. que competia diligenciar a obtenção do fornecimento de água pela EDIA, podendo fazê-lo apenas até finais de junho de 2019, atendendo às restrições impostas pelo Despacho n.º 17/2019, de 26 de julho de 2019, do Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, o que, apesar de tudo, a A. não fez”.

  11. A inércia ou falta de diligência da A. na contratação do fornecimento de água junto da EDIA vai acarretar prejuízos enormes para a R., pois em vez de terra de regadio está condenada a ficar com uma propriedade de sequeiro.

    2 - A suposta existência de uma autorização dos proprietários dos prédios vizinhos, à data da celebração do contrato, para a passagem das condutas de ligação aos hidrantes H5.9 e H4.3; factos provados 19 b) e 20 e 24 R. A Sentença recorrida dá como provado que: “A A. celebrou o contrato com a R. na convicção de que a passagem das condutas para o transporte de água através dos prédios vizinhos já estava autorizada pelos respetivos proprietários” (facto provado 19, b)), que Aquando da celebração do contrato, …. A R. garantiu à R. que os proprietários dos prédios por onde as condutas teriam de passar tinham autorizado essa passagem (facto provado 20) “A A. não chegou a requerer a autorização da EDIA, nem a celebrar com esta contrato de fornecimento, por aguardar que a R. lhe entregasse os documentos comprovativos da autorização dos proprietários dos prédios vizinhos para a instalação das condutas” (facto provado 24).

  12. Começando pelo facto provado 24: resulta da prova produzida sobre esta matéria que, para contratar o fornecimento de água, a EDIA apenas exige (i) a existência de disponibilidade hídrica nos hidrantes e (ii) a prova da ligação do requerente à terra a regar, por exemplo um contrato de arrendamento rural.

  13. A EDIA não exige quaisquer plantas com o desenho da passagem das condutas, nem qualquer prova da autorização dada pelos proprietários dos prédios de passagem das condutas.

  14. É o que resulta do depoimento da testemunha mais autorizada na...

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