Acórdão nº 1417/16.4T9GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 17 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 1417/16.4T9GRD do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, Seia – Juízo C. Genérica – Juiz 2, mediante acusação pública, foi o arguido P., melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe então imputada a prática, em autoria material, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelos artigos 205.º, n.º 1 e n.º 4, alínea b), com referência ao artigo 202.º, alínea b), e 30.º, n.º 2, todos do Código Penal.
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Realizada a audiência e julgamento, por sentença de 10.07.2020, o tribunal decidiu [transcrição do dispositivo]: “a) Condenar o arguido P.
pela prática, em autoria material, na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelos artigos 30.º n.º 2 e 205.º n.ºs 1 e 4, alínea b), por referência ao artigo 202º, alínea b), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
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Suspender na sua execução, por igual período de tempo, a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
(…)”.
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Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões: B1.
O recorrente vem condenado, em autoria material e na forma consumada e continuada, da prática de um crime de abuso de confiança agravado, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30.º n.º 2 e 205º, nº 1 e nº 4 alínea b), por referência ao artigo 202º, alínea b), todos do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, o que não concede por, no seu entender, a sentença padecer dos vícios de erro de julgamento da matéria de facto e de direito. Vejamos: B2.
Nos termos do disposto no artigo 412º-3 do CPP, o recorrente indica os pontos incorretamente julgados: foram incorretamente julgados como não provados:
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O arguido restituiu à (…) as quantias referidas em 8. dos factos provados); Por outro lado, foram mal julgados como provados os factos que passarão a transcrever-se: 14. Ao atuar da forma descrita, emitindo cheques pertencentes à ofendida à sua ordem pessoal, sem consentimento e autorização daquela, bem como sem motivo justificativo, onde fez constar as quantias acima mencionadas, bem sabendo que não lhe pertenciam e que devia devolver as mesmas, quis fazer suas as aludidas quantias que não devolveu e integrou no seu património, e posteriormente, no património da (…), nos termos anteriormente descritos, causando à ofendida um prejuízo de montante equivalente. 15. Assim, no aludido período temporal entre os anos de 2004 a 2005, de forma reiterada e sucessiva e dentro de idêntico circunstancialismo factual, quis fazer suas as aludidas quantias monetárias, integrando-as no seu património e subsequentemente no património da (…), bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que, dessa forma, obtinha um benefício patrimonial a que sabia não ter direito. 16. Agiu ainda livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
B3.
Obedecendo ao disposto no citado art. 412º CPP, cumpre agora ao recorrente indicar os meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida e, após, a indicação do sentido em que o Tribunal recorrido deveria ter decidido: J., prestou depoimento na sessão de julgamento que teve lugar no dia 25.06.2020, o qual ficou documentado através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 10:39:18 e as 11:03:15 horas, ficheiro 20200625103919; A., prestou depoimento na sessão de julgamento que teve lugar no dia 25.06.2020, o qual ficou documentado através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 11:04:18 e as 11:25:54 horas, ficheiro 20200625110422; M. prestou depoimento na sessão de julgamento que teve lugar no dia 25.06.2020, o qual ficou documentado através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 11:27:09 e as 11:41:59 horas, ficheiro 20200625112713; J. prestou depoimento na sessão de julgamento que teve lugar no dia 06.07.2020, o qual ficou documentado através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 14:41:08 e as 14:55:37 horas 06-07-2020, ficheiro 20200706144107; Declarações do arguido P. prestou declarações na sessão de julgamento que teve lugar no dia 21/01/2020, documentadas através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 11:58:00 e as 11:59:23 horas, ficheiro 20200121115801; B4: Quanto ao facto a) não provado: O Tribunal a quo julgou, após a produção de prova, que o arguido não pagou os montantes desapossados à (…), tendo contribuído decisivamente para tal julgamento, a circunstância de não existir qualquer documento escrito nos autos que permitisse apreender que o pagamento foi realizado, o que não se concede.
B5.
Desde logo, porque a prova do pagamento não depende de documento comprovativo do mesmo. Isto é, por outras palavras, a prova do pagamento pode ser realizada, como o foi, através de testemunhas (cfr. art. 392º e 393º CC).
B6.
Por outro lado, as testemunhas, nomeadamente J., prestou depoimento na sessão de julgamento que teve lugar no dia 25.06.2020, o qual ficou documentado através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 10:39:18 e as 11:03:15 horas, ficheiro 20200625103919, A., prestou depoimento na sessão de julgamento que teve lugar no dia 25.06.2020, o qual ficou documentado através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 11:04:18 e as 11:25:54 horas, ficheiro 20200625110422M. prestou depoimento na sessão de julgamento que teve lugar no dia 25.06.2020, o qual ficou documentado através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 11:27:09 e as 11:41:59 horas, ficheiro 20200625112713 e J. prestou depoimento na sessão de julgamento que teve lugar no dia 06.07.2020, o qual ficou documentado através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 14:41:08 e as 14:55:37 horas 06-07-2020, ficheiro 20200706144107), de entre elas o Pároco da (…) [representante da (…), vinculando-a, para todos os efeitos, às declarações/atos por si praticados naquela qualidade], confirmaram, perante o Tribunal a quo que o arguido pagou os montantes devidos à (…), corroborando, desse jeito, a versão do arguido P. prestou declarações na sessão de julgamento que teve lugar no dia 21/01/2020, documentadas através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 11:58:00 e as 11:59:23 horas, ficheiro 20200121115801) B7.
Todas as testemunhas supra mencionadas depuseram no sentido de que o arguido pagou à (…) todos os montantes em causa na acusação até ao final do ano de 2005 e, a circunstância de não haver qualquer documento não pode ser entendida estranha face à relação de efetiva confiança existente entre o arguido e os demais membros da (…).
B8.
Efetivamente estes, quando obtiveram conhecimento dos factos, antes de qualquer medida judicial – que não tomaram – contactaram o arguido, este admitiu os factos e disse que ia devolver as quantias em causa, não foi estipulado prazo para o efeito, o arguido devolveu as referidas quantias e não foi apresentada queixa.
B9.
Mais: o Tribunal a quo, no exame que fez do depoimento das testemunhas supra mencionadas, foi claro ao referir que aquelas depuseram “de forma serena, séria e coerente e cujos depoimentos e declarações, por via disso, se afiguram credíveis (…)” pelo que não se entende porque, nesta parte, o Tribunal a quo desvalorou, de todo, as declarações prestadas por aquelas testemunhas.
B10.
E, dirigindo-se toda a prova produzida pelo arguido no sentido de que o mesmo pagou, in tottum, os valores “desviados” da (…), não podia o Tribunal a quo envidar por caminho totalmente oposto, isto é, pelo julgamento do não pagamento. Com efeito, B11.
Livre apreciação da prova não significa que o julgamento de facto pode assentar em qualquer convicção puramente subjetiva ou emocional.
B12.
O Tribunal a quo incorreu neste vício ao deixar prevalecer a sua convicção subjetiva (a necessidade de haver documento escrito) sobre a prova que efetivamente foi produzida (incluindo aquela arrolada pela própria Acusação).
B13.
Ao assim proceder, para além de erro no julgamento de facto, o Tribunal a quo violou outrossim o princípio da livre apreciação da prova ínsito no art. 127º do CPP.
B14.
Ante o exposto, deve o facto a) dos factos não provados ser dado como provado.
B15.
No que concerne aos factos provados 14, 15, 16: o dissídio do recorrente no que tange aos factos supra referenciados prende-se com a menção, levada a cabo pelo Tribunal a quo, de que o arguido quis fazer suas as aludidas quantias, integrou-as no seu património e que não as devolveu.
B16.
Quanto à devolução das quantias dá-se aqui por integralmente reproduzido o que acima se referiu quanto ao facto a) não provado.
B17.
Acresce que, da prova produzida resulta outrossim que o arguido sempre teve intenção de devolver as quantias pertença da (…) e sabia que tinha (haveria de ter) capacidade para o efeito – como teve – pois, por um lado, tinha expectativas legítimas que (…) viesse a receber os prometidos patrocínios da Câmara Municipal de (…) e de algumas sociedades como a A., Lda. e a (…), S.A.
e, por outro lado sabia que podia pagar, ainda que por interposição de familiares, como veio a suceder (neste sentido cfr. declarações do arguido P. prestou declarações na sessão de julgamento que teve lugar no dia 21/01/2020, documentadas através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 11:58:00 e as 11:59:23 horas, ficheiro 20200121115801, da testemunha M. prestou depoimento na sessão de julgamento que teve lugar no dia 25.06.2020, o qual ficou documentado através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 11:27:09 e as 11:41:59 horas, ficheiro 20200625112713, e J. prestou depoimento na sessão de julgamento que teve lugar no dia 06.07.2020, o qual ficou documentado através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 14:41:08 e as 14:55:37 horas...
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