Acórdão nº 4951/19.0T8CBR-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução26 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC 4951/19.0T8CBR-A.C1.S1 6ª SECÇÃO ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I AA. intentou inquérito judicial contra POLÍBIO ALVES DA CUNHA, LDA e BB., pedindo a averiguação da regularidade da situação económico-financeira da requerida e da sua conexão com os desequilíbrios verificados com a atividade desenvolvida pelo seu gerente; a auditoria às contas dos exercícios dos últimos 10 anos; a análise económico-financeira comparativa inter anual, sectorial e percentual dos últimos 10 exercícios e respetivos comentários; o levantamento plurianual das rubricas relacionadas com aquisições e vendas de imóveis, bem como os negócios realizados através de permutas, despesas não documentadas e quaisquer outras rubricas de carácter duvidoso e respetivas conclusões; a averiguação de todas as estruturas de custo atribuídas à gerência, incluindo ordenados, subsídios, ajudas de custo e outras concessões, como carros, combustíveis, refeições, deslocações, telemóvel, seguros, cartões de crédito e quaisquer outras despesas pagas com análise comparativa inter anual e respetiva evolução; a análise dos últimos 10 anos dos movimentos relacionados com as contas de passivos e suprimentos, autorizações das assembleias gerais, suporte documental, meios e critérios de pagamento; a análise detalhada de compras e vendas, comparando com preços de mercado e restantes condições alternativas; a averiguação da correspondência entre as receitas efetivamente recebidas pela Requerida e as constantes da contabilidade e das existências.

Alegou para tanto, em síntese, que a Autora e o segundo Réu foram casados (entre 1994 e 2016) e são os únicos sócios, desde a sua constituição (em 25 de Julho de 2007), da sociedade Políbio Alves da Cunha, Lda., tendo sido sempre seu gerente o segundo Réu e nunca tendo sido permitido à Autora acompanhar os negócios da sociedade, sendo que este, desde o divórcio, tem vindo a esvaziar o conteúdo da sociedade, procedendo à venda de grande parte do seu património e exercendo atividade concorrente através de outra sociedade com sede na mesma morada da sociedade requerida.

Os Réus contestaram, pugnado pela improcedência da acção.

A final foi produzida sentença a determinar a realização de inquérito judicial à sociedade Políbio Alves da Cunha, Lda, a fim de averiguar da efetiva entrada nos cofres da sociedade ré da quantia de € 250.000,00, proveniente de empréstimo da mãe do Réu BB., entre o dia 1 de Janeiro de 2008 e o dia 30 de Abril de 2009, bem como das disponibilidades financeiras existentes na sociedade em Agosto de 2018, quando esta quantia foi levantada, tendo decretado a suspensão do Réu BB. das funções de gerente da sociedade Políbio Alves da Cunha, Lda.

Inconformado com tal decisão, interpôs o segundo Réu recurso de Apelação o qual veio a ser julgado procedente, com a absolvição dos Réus do pedido formulado.

Recorre agora a Autora, de Revista, apresentando as seguintes conclusões: - O aqui recorrido pediu a reapreciação da prova produzida quanto à matéria de facto, designadamente, que os pontos 19 e 41 dos factos provados passassem a ter diferente redação. O Tribunal da Relação considerou que apenas assistia ao aqui recorrido razão no que ao ponto 19 diz respeito.

- O Tribunal da Relação procedeu à retificação deste ponto dos factos provados, sendo que considerou que a sua redação devia passar a ser a seguinte: “o segundo réu foi questionado pela requerente na Assembleia Geral, que se iniciou a 16 de maio de 2019, acerca do destino daquelas quantias e foi designada nova data para continuação da Assembleia, que se veio a realizar em 24 de junho de 2019”, por considerar que a parte retirada deste facto incutia a ideia errada que o documento depois de apresentado à ora recorrente teria sido entretanto e posteriormente elaborado.

- Acontece que de acordo com a sentença a quo o facto constante do ponto 19 foi considerado assente por acordo das partes, dado que não foi impugnado pelos Réus.

- A admissão de factos por acordo ocorre quando factos relevantes para a ação ou para a defesa não forem impugnados nos termos do art.º 574º, n.º 1 do CPC.

- O aqui recorrido em momento algum das alegações de recurso refere que tal ponto foi assente por acordo das partes, omitindo, propositadamente, tal circunstância. Referindo que o mesmo foi impugnado e contraditado no seu art.º 26º da contestação e, ainda, por prova documental e testemunhal, o que não corresponde à verdade. Mas, o que consta do ponto 19 é que à data da primeira Assembleia Geral “não existiam nos documentos contabilísticos da sociedade requerida que justificassem a saída de quantias tão avultadas”, tanto que o documento 11 junto com o requerimento inicial prova que aquando da realização da primeira Assembleia Geral não se encontrava na contabilidade qualquer prova documental que justificasse a saída de tal montante. Pois todas as entradas e saídas de capitais numa sociedade têm que estar devidamente justificados com faturas ou recibos, ou seja, com prova documental, que neste ponto em concreto não existia na contabilidade, daí que a Assembleia tenha sido suspensa e retomada após a entrega dos documentos solicitados pela ora recorrente.

- Tanto mais que o documento 11 junto com o requerimento inicial traduz-se num e-mail enviado pelo gabinete de contabilidade da sociedade, datado de 5-06-2019 (após a data da primeira Assembleia Geral), onde se pode ler: “envio documentos que o sr. BB. aqui deixou ficar, para si.” Ou seja, tais documentos, declaração de quitação e declaração de dívida, encontravam-se na posse do gerente da sociedade e não na contabilidade. Tudo isto de acordo com o ponto 19 dos factos provados da sentença a quo.

- E note-se que esse foi um dos vários pontos assentes por acordo, pois na sua contestação não procedeu à impugnação dos mesmos, o que devia e podia ter feito! - De referir, ainda, que tal ponto se encontra assente por acordo, nunca tendo o ora recorrido nas suas alegações colocado em causa tal circunstância, não podendo tal matéria de facto ser alterada por violação do n.º 1, do art.º 662º do CPC a contrario.

- Assim, não podemos concordar com a reapreciação da decisão de facto que neste ponto foi feita pelo Acórdão ora em análise, por se tratar de uma das situações em que o legislador entendeu que a decisão da matéria de facto não pode ser alterada pela Relação, uma vez que a prova produzida não impunha decisão diversa nos termos do n.º 1, do art.º 662 do CPC a contrario.

- Com efeito, estamos perante uma violação das regras de prova dado que os elementos fornecidos pelo processo impuseram decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas.

- O n.º 2, do art.º 574º do CPC estatui que são considerados admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, o que aconteceu no ponto em questão, e para além disso não integra uma das exceções previstas naquele preceito.

- Se o ora recorrido não exerceu o seu ónus de contestar ou de impugnar, quando tinha condições de autorresponsabilidade para o fazer, leva a que se tenha por verdadeira a “afirmação feita pela contraparte; e fá-lo com base numa regra da experiência - a de que, na generalidade dos casos, à manifestação de desinteresse em impugnar uma afirmação corresponde a verdade desta” - Lebre de Freitas, in “A Confissão no Direito Probatório”, p. 547/8.

- Com efeito, “… a admissão constitui mesmo uma prova pleníssima (e não apenas plena) porquanto os factos em causa ficam definitivamente provados no processo, não podendo o Réu vir posteriormente negá-los. A admissão identifica-se, assim, com uma presunção inilidível…” – Luís Filipe Pires de Sousa, in “A prova testemunhal”, p. 204.

- Tanto mais que da leitura do relatório pericial, que entretanto foi concretizado e junto aos autos, o qual se requer desse já a sua junção por se averiguar de extrema relevância, podemos constatar que não era possível existirem documentos contabilísticos da sociedade requerida que justificassem a saída de quantias tão avultadas, pois apesar de constar uma conta de outros credores intitulada “CC.” com saldo no valor de € 258.000,00 pode-se ler naquele que “(…) o saldo da conta de abril de 2009, não poderia ser exatamente 258.000,00€, mas sim, algo estimado como 248.025,00€, pese embora esta estimativa de valor não esteja solidamente documentada.” Mais dizendo este relatório que “Provar a entrada de fundos monetários nas contas da sociedade, ou eventualmente, o pagamento por terceiros de obrigações contratuais dessa mesma sociedade, parece-me tão elementar quanto a apresentação do correspondente documento provatório do fluxo financeiro.” Bastando “simplesmente apresentar os documentos que suportam os fluxos financeiros, que evidenciam a sua origem e o seu destino.” - Ao proceder à reapreciação da matéria de facto o Acórdão ora em análise violou a lei substantiva por erro de aplicação nos termos da al. a), do n.º 1, do art.º 674º do CPC, que comina numa nulidade nos termos da al. d), n.º 1, do art.º 615, impondo-se a sua revogação.

- O recorrido pugnou pela nulidade da sentença a quo em virtude de fazer incidir o inquérito em objeto diverso do pretendido pela recorrente nos termos do art.º 615º, n.º 1, al. e) do CPC.

- Os Ex.mos Desembargadores consideraram, e bem, que a sentença a quo não padecia do vício de nulidade.

- Não podemos esquecer que estamos perante um processo de jurisdição voluntária em que predomina o...

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