Acórdão nº 00940/20.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | Helena Canelas |
Data da Resolução | 05 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO G., LDA.
(devidamente identificada nos autos) requerente no processo cautelar que instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 02/07/2020 contra o IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, I. P.
(igualmente devidamente identificado nos autos) – no qual requereu a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo praticado pelo requerido em 12/02/2020, consubstanciado na decisão de encerramento de projeto de investimento nº 26581, no âmbito do Sistema de Incentivos à Inovação – QREN, relativo ao aviso para apresentação de candidaturas n.º 12/SI/2012, pelo qual determinou a não atribuição da totalidade do prémio de realização, mas antes com uma penalização de 45%, passando de 880.898,55 € para 484.494,20 € (vertida no Doc. nº 1 junto com o Requerimento Inicial da providência) – inconformada com a sentença do Tribunal a quo, datada de 29/09/2020 (fls. 255 SITAF) que julgou improcedente o pedido cautelar não decretando a providência cautelar requerida, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 285 SITAF), formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos: 1. O Tribunal a quo bem considera que a devolução parcial daquele prémio, na ordem dos € 396.404,35, antes do juízo final que se fará na ação principal, é suscetível de colocar em risco a saúde financeira da Recorrente e, mais do que isso, a sua própria solvência.
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O requisito do fumus boni iuris que, em última instância, permitiria o decretamento da providência, deve considerar-se provado.
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A aparência do direito e da pretensão da Recorrente teve e tem por fundamento o aviso de abertura de candidatura (AAC) nº 12/SI/2012 onde se definiu que o INDICADOR E, relativo à intensidade das exportações (pós-projeto), teria de ser igual ou superior a 30%, mais se acrescentando que “o incumprimento do indicador E determinará o ajustamento no montante do incentivo total, de acordo com a metodologia a fixar nas regras de encerramento dos projetos, a publicar em Orientações de Gestão, podendo implicar a resolução do contrato de concessão de incentivos, por incumprimento das condições de aprovação do projeto” e mostra-se igualmente espelhada no contrato de incentivo celebrado, quando ficou estipulado na cláusula nona, seu nº 1 ali. a), que o promotor (ora Recorrente) se obrigava a “Executar o projecto nas condições e prazos constantes do processo de candidatura e de acordo com os termos em que foi aprovado e que fazem parte integrante do presente contrato, incluindo o calendário de execução semestral apresentado no Anexo II, sob pena de redução do incentivo em função do incumprimento de condições contratualmente estabelecidas nos termos e condições definidas em Orientação de Gestão sobre esta matéria, a enviar pelo Organismo Intermédio ao Promotor.
” (o sublinhado mais uma vez, é nosso).
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Destas premissas decorre, objetivamente, que o incumprimento daqueles 30%, apurado pós-projeto pelo Recorrido, seria suscetível de implicar o ajustamento no montante do incentivo total e a eventual resolução do contrato.
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O raciocínio do Julgador quanto a esta particular temática, incorre, sempre com o devido respeito, num erro de análise que é considerar que a intensidade das exportações (IE) igual ou superior a 30% constituía apenas uma condição de acesso da candidatura e não de execução de projeto, porquanto, quanto a este, valeria a IE apresentada pela Recorrente em sede de candidatura, os tais 72%.
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Afigura-se-nos um silogismo incorreto porque: - Em lado algum do AAC e do contrato se diz ou infere que a Recorrente estaria vinculada à IE apresentada em sede de candidatura. Esse novo paradigma só surgiu com a orientação de gestão (OG) nº 14/2014 de 24.01.
- A aferição do cumprimento dos 30% sempre seria, como diz o AAC e a própria OG de 2014, “metas a alcançar pós projeto”, o que permite concluir que não se cingiria a uma condição de acesso da candidatura mas sim de cumprimento do projeto ou, se quisermos, uma condição de acesso ao financiamento.
- À luz do silogismo criado pelo Julgador, em bom rigor nem seria necessário ao Recorrido alterar o critério, bastando estabelecer um progressividade de penalizações face aos desvios existentes, como igualmente não se vislumbra qual seria o interesse em definir ab initio, num momento de apresentação da candidatura, em que falámos de projeções, uma percentagem que não poderia ser violada no seu limite mínimo, de 30%.
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Ocorre uma modificação dos pressupostos contratuais porque o Recorrido não só estabeleceu a progressividade como a fez para ele um pressuposto base diferente, mudando de paradigma na condição/critério estabelecido, que mais não foi do que definir uma diferente fórmula para a IE, que deixou de estar agregada ao limite dos 30%, e passou a vincular-se somente à IE apresentada pelo proponente em sede de candidatura.
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Repare-se que a própria menção a “ajustamentos”, só faz sentido estabelecer-se por violação da IE igual ou superior a 30%, por implicar naturalmente uma menor onerosidade atento os menores valores envolvidos, e que poderia, em última instância levar à resolução contratual.
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O Recorrido ao aplicar com a OG de 2014 um diferente critério de calculo da intensidade das exportações, já depois do contrato ter sido celebrado, passando o INDICADOR E a não estar indexado aos 30% como previa o AAC, mas sim ao valor considerado em candidatura está, na prática, a introduzir uma tácita, porque implícita, modificação contratual ou, melhor dizendo, dos fundamentos em que as partes fundaram a convicção de contratar.
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Constitui um princípio fundamental de direito que os contratos administrativos devem ser pontualmente cumpridos e de que, por isso, a modificação do seu conteúdo só pode ocorrer por convenção contratual, por acordo das partes, por decisão judicial ou, quando sejam invocadas razões de interesse público – art. 311º do CCP -.
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Como o contrato celebrado não convencionou essa possibilidade, como não houve acordo das partes, nem ocorreu qualquer alteração anormal das circunstâncias que justificasse essa modificação por interesse público, não podia nem pode o Recorrido fazer uso dessa alteração de critério, por desvirtuar completamente a essência do contrato, passando, de uma forma unilateral, a colocar a Recorrente numa situação de incumprimento e numa obrigação de devolução de um valor por demais avultado.
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Ao fazê-lo, ao utilizar a capa de uma OG para alterar os pressupostos estabelecidos no AAC, o Recorrido está a violar de uma forma ostensiva o princípio da legalidade, previsto no art. 2º do CPA, por subviolação dos limites subjacentes à modificação unilateral do contrato previsto no art. 311º do CCP, em especial o limite de não poder efetuar uma alteração substancial do contrato e o limite de não criar um desequilíbrio económico em desfavor da Recorrente, colocando-a numa situação de incumprimento, tal como o art. 313º ali. a) e e) do CCP prevê.
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Por outro lado, mesmo na pior das hipóteses teóricas aqui aplicáveis, nunca se poderia reconduzir o estabelecimento de penalizações, depois do contrato ter sido celebrado, como se tratando de meros ajustamentos, quando envolvem a devolução de cerca de metade do prémio a que a Recorrente teria direito e quando, pior do que isso, são suscetíveis de determinar a insolvência de uma empresa como a Recorrente, e que o próprio Tribunal a quo admite como provável! 14. É nessa decorrência que o princípio da justiça e da razoabilidade, previsto no art. 8º do CPA, com a alteração das regras a meio de jogo e que envolvem uma forte penalização, se mostra igualmente ferida na sua essência.
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O mesmo se diga do princípio da boa-fé e da proteção da confiança, plasmado no art. 2º da CRP e art. 10º nº 1 do CPA, quando se entende que in casu foi estabelecido um diferente critério e a instituição de penalizações por força do incumprimento desse novo critério.
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A Recorrente apresentou a competente candidatura sem ter dúvidas que o indicador a cumprir deveria ser superior a 30% e que, caso este não fosse atingido, determinaria o ajustamento no montante do incentivo total.
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Além disso, essa orientação de gestão também não poderia ser aplicada ao contrato administrativo celebrado, porquanto este, à data em que aquela foi criada, já estava em execução com base numa calendarização previamente estabelecida, que não podia ser evidentemente alterada ou reformulada.
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Por último, no que respeita à falta de cumprimento por parte da Recorrida do dever de notificação da orientação de gestão à Recorrente, tal como prevista na cláusula nona, nº 1, ali. a), que o próprio Recorrido confessa não ter existido, não se percebe, confessa-se, como o Tribunal a quo não retira daí as evidentes consequências.
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Estamos perante um contrato administrativo. Se esse contrato impõe um dever de comunicação/notificação de uma orientação de gestão que ainda para mais podia gerar ajustamentos, o incumprimento desse dever por parte do Recorrido deveria determinar a inaplicabilidade desse “novo” documento ao contrato em vigor.
Conclui pela procedência do recuso com a decretação da suspensão do ato administrativo suspendendo.
O recorrido contra-alegou (fls. 307 SITAF) pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, sem que tenha formulado conclusões.
* Remetidos os autos a este Tribunal, em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer.
* Sem vistos (cfr. artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA), foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
* II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4...
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