Acórdão nº 73/21 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 73/2021

Processo n.º 960/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora recorrente) interpôs um recurso extraordinário de revisão contra B., SA., pedindo a revogação da “[…] decisão judicial que absolveu a Recorrida do pedido, com as legais consequências, nomeadamente substituindo por outra que reconheça os vícios suscitados, incluindo a inexistência jurídica, ou se assim não se entender a nulidade insanável dos ‘atos’ praticados a partir do dia 12 de outubro de 2011, data em que o Dr. C. é suspenso pela Ordem dos Advogados, nos autos do processo comum com o n.º 15/10.0TTPRT, a que este recurso corre por apenso, ordenando sempre a sua repetição”.

Alegou, em suma, que correu termos uma ação no foro laboral (processo n.º 15/10.0TTPRT, do atualmente designado Juízo do Trabalho do Porto), na qual o ora recorrente foi autor, que culminou em sentença que absolveu a Ré B. do pedido, decisão esta confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01/06/2015, transitado em julgado em 26/06/2015. No entanto – e estamos a relatar a versão do Recorrente –, em 30/11/2017 teve conhecimento de que o advogado que o representou no referido processo até certo momento praticou atos – designadamente a intervenção em audiência de julgamento – no período em que se encontrava já disciplinarmente suspenso do exercício da advocacia. Concluiu, então, que os atos praticados pelo referido advogado no período em que se encontrava suspenso foram prejudiciais para si e comprometeram o desfecho da ação laboral em causa, sendo certo que, caso não tivesse praticado os atos nos termos em que praticou, a ação laboral em análise teria sido julgada totalmente procedente

1.1. Na sequência de algumas vicissitudes processuais irrelevantes para a presente decisão, o recurso de revisão foi apreciado por decisão singular do relator no Tribunal da Relação do Porto (processo n.º 15/10.0TTPRT-B.P1), tendo sido indeferido “[…] por falta de fundamento legal para a revisão”.

1.1.1. O recorrente reclamou, então, para a conferência, que, por acórdão de 18/11/2019, decidiu “[…] desatender a reclamação, confirmando a decisão singular reclamada”.

1.1.2. O recorrente interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/11/2019 para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

1.1.3. Por acórdão de 23/09/2020, o STJ negou provimento ao recurso.

1.2. O recorrente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – recurso que deu origem aos presentes autos –, nos termos seguintes (transcrição parcial do requerimento de fls. 150/175, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

“[…]

a) o presente recurso, que não admite recurso ordinário (cfr. artigos 67.º a 69.º, 627.º, 629.º, do CPC), é interposto do mencionado acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, em conformidade com o n.º 2 do mesmo preceito e, bem assim, com as disposições dos artigos 43.º, n.º 1, 71.º, artigo 72.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, artigo 75.º, n.º 1, e artigo 75.º-A, n.º 1 e n.º 2, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro);

b) Nos autos que se encontram apenso ao presente recurso, em suma, no âmbito de um processo comum de natureza laboral, com valor superior ao da alçada do tribunal da Relação, foi interposto recurso extraordinário de revisão contra a Recorrida B., SA, pedindo que seja “revogada a decisão judicial que absolveu a Recorrida do pedido, com as legais consequências, nomeadamente substituindo por outra que reconheça os vícios suscitados, incluindo a inexistência jurídica, ou se assim não se entender a nulidade insanável dos “atos” praticados a partir de 12/10/2011, data em que o Dr. C., é suspenso pela Ordem dos Advogados, nos autos do processo comum com o n.º 15/10.0TTPRT, a que este recurso corre por apenso, ordenando sempre a sua repetição.

[…]

d) Pelo Venerando Tribunal a quo foi negada a revista e confirmada a decisão Recorrida no sentido de que os motivos invocados pelo Recorrente não são passíveis de se subsumir às situações legalmente previstas nas alíneas b), c) e d) do artigo 696.º do NCPC, indeferindo, assim, o recurso de revisão, nos termos do artigo 699.º, n.º 1 do CPC.

d.1) Para decidir, como decidiu, o Venerando Tribunal a quo, em suma, sustenta nos seguintes argumentos: […]

II – Ora, tal decisão faz uma interpretação dos preceitos legais de forma inconstitucional, como se passa a demonstrar e que oportunamente foi suscitado no recurso de revista:

Com efeito, no que concerne a violação dos preceitos constitucionais e a violação dos princípios e normas previstos na Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, na interpretação que o tribunal a quo acabou por fazer na decisão Recorrida, os mesmos são contrários aos princípios constitucionais e as normas e princípios de direito internacional, que foram devidamente invocados no recurso de revista e que passam a descrever:

[Primeira questão assinalada:]

II.a) – O tribunal a quo interpreta os artigos 126.º, n.º 5, e 183.º do Estatuto da Ordem dos Advogados em vigor na data em que os factos ocorreram (versão anterior à conferida pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro), no sentido de que “o advogado suspenso disciplinarmente não perde a qualidade de advogado, ficando apenas inibido de continuar a exercer aquela atividade”, como entendeu o tribunal a quo, tal entendimento revela-se inconstitucional e violador dos princípios e normas consagradas na Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, nos termos que se passam a enunciar:

(cfr. conclusões X) a BB.2)

– tal interpretação, ao qual se pode articular com os artigos 61.º n.º 1, artigo 65.º n.º 1, 126.º n.º5 (medida e graduação da pena), artigo 180.º n.º 1 e 4, artigo 181.º n.º 1 al. a) e d), n.º 3 e n.º4, e o artigo 183.º n.º 1, 2 e 3 (exercício da advocacia por não inscritos) da Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro, aplicável à data dos factos, com correspondência ao artigo 66.º n.º 1, artigo 70.º n.º 1, artigo 130.º n.º5, artigo 187.º n.º 1 e 4, artigo 188.º n.º 1 al. a) e d), n.º 3 e n.º4, e o artigo 190.º n.º 1, 2 e 3 da Lei n.º 145/2015 de 09 de setembro, revelam inconstitucionais na medida em que colide com o princípio da igualdade, princípio da legalidade, da segurança jurídica e da proteção da confiança e princípio da proporcionalidade, previstos, respetivamente, nos artigos 13.º n.º 1, 9.º, 12.º, 2.º e 18.º, n.º 1 e 2 e 208.º da Constituição da República Portuguesa, bem como os princípios da “obrigação de respeitar os direitos do Homem” previsto no artigo 1, o “direito a um processo equitativo” previsto no artigo 6.º e o “direito a um recurso efetivo” previsto no artigo 13.º todos da Convenção Europeia dos Diretos do Homem (CEDH) ratificada por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13 de outubro, bem como os princípios da igualdade (artigo 1.º, 7.º, 10.º, 29.º), da legalidade (artigo 7.º, 8.º, 10.º, 28.º, 29.º), da segurança jurídica (artigo 7.º, 8.º, 10.º, 29.º) e da proteção da confiança (artigo 2.º, 7.º, 8.º, 10, 29.ºº), do acesso à justiça (artigo 2.º, 7.º, 8.º, 10.º, 29.º) todos da Declaração Universal dos Direitos do Homem ratificada pelo Estado Português e publicado no Diário da Republica, I Série, n.º 57, de 9 de março de 1978; (cfr. conclusão X) do recurso de revista adiante designada pelas siglas r.r.)

Com efeito, no que concerne a qualificar dois licenciados em direito, inscritos na Ordem dos Advogados, em que um é alvo da sanção de suspensão, com a obrigatoriedade de entregar nesta associação publica a respetiva cédula profissional e ficar impedido de exercer a advocacia, e outro na plenitude do exercício dos seus direitos, como “ADVOGADOS”, sempre violaria, desde logo, o princípio constitucional da igualdade, uma vez que são tratados de forma igual situações distintas, atendendo que quem é alvo de suspensão, impedido de ser portador da cédula profissional, não pode usar e beneficiar do título e da qualidade de “advogado”.

Importa, também, salientar que tal entendimento configura, ainda, a violação do princípio da legalidade, uma vez que contraria claramente as disposições normativas previstas nos artigos 1.º e 65.º do EOA da Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro, aplicável à data dos factos, com correspondência aos artigos 1.º e 70.º, n.º 1 da atual Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, uma vez que faz depender a qualidade de advogado do licenciado em direito que “exercem profissionalmente a advocacia”, o que não é o caso quando é aplicada a pena disciplinar de suspensão, que implica o “afastamento total do exercício da advocacia durante o período de aplicação da pena” (cfr. artigo 126.º, n.º 5 do EOA da Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro, aplicável à data dos factos, correspondente ao artigo 130.º, n.º 5 da atual Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro), ou seja tal interpretação permite colidir com o próprio Estatuto da Associação Pública.

(cfr. neste sentido acr. do STA, Proc. 048332 e 01265/15, de 28/02/2002 e 16/12/2015, acessível em www.dgsi.pt)

Por igual argumento, não pode, naturalmente, conceber-se que o mandato forense com representação e o instrumento em que é feito (procuração) não é afetado mesmo que o mandatário seja alvo da pena disciplinar de suspensão, suportando-se na interpretação (incorreta) que aos...

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