Acórdão nº 0108/20.6BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – A Universidade da Madeira, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso excecional de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30 de setembro de 2020, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Vice-Presidência do Governo Regional e dos Assuntos Parlamentares da Região Autónoma da Madeira da sentença do TAF do Funchal - que julgara procedente o pedido de prestação de informações formulado pela requerente, intimando a requerida a, no prazo de 10 dias, prestar a informação requerida (morada completa e actual de todos os alunos da melhor identificados pelo nome e NIF no requerimento de 10 de Julho de 2019, referido em A) do probatório -, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a intimação.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: a) a recorrente requereu à requerida lhe prestasse informação sobre “as moradas atuais e completas” de seus alunos, que identificou pelo seu nome e número de identificação fiscal; b) Fê-lo no contexto do exercício da sua actividade para-tributária de liquidação e cobrança de tributos, concretamente propinas/taxas de frequência de alunos que frequentam os ciclos de estudos que ministra; c) Tal actividade material é-lhe conferida pela lei (cfr. arts. 16º, 17º e 29º da LFES e 115º/1- al. b), 11º/1 e 108º do RJIES), como a recorrente integra a administração tributária (cfr. art. 1º/3 da LGT); d) Atento a tal contexto, a questão dos autos [acesso à informação administrativa/tributária, concretamente no sentido de obter as moradas atuais e completas, por parte de outras entidades que integram a administração tributária] - tem grande relevância jurídica e social; e) Tem relevância para além dos limites estritos dos presentes autos: é matéria com grande potencialmente de ser replicada noutros autos de intimação e noutros pedidos de informação a uma parte da AT; f) E tem grande relevância jurídica e social; g) Uma vez que, dos termos do julgamento realizado pela 2ª instância, decorre, de forma implícita mas inequívoca, a afirmação subjacente de que parte da administração tributária não deve exercer a suas competências tributárias por falta de informação mínima requerida; h) Ou que não pode exercer tais atribuições e competências legais ou, ainda, que tal exercício deve e pode ser dificultado ou impedido por outra parte da mesma AT; i) Um tal resultado, que decorre do acórdão recorrido, bule de forma gritante e ostensiva, com a unidade e congruência do sistema jurídico; j) Dado que não é plausível que parte da AT possa, de forma indevida, paralisar a actividade tributária doutra parte dessa mesma AT; k) A questão a submeter a julgamento reveste-se de importância fundamental para a recorrente, para o largo acervo de idênticas instituições do ensino superior no país e para a comunidade jurídica; l) Pois que importa estabelecer uma correta interpretação conforme à Constituição do sigilo fiscal, seus limites no cotejo a unidade do sistema jurídico; m) A intervenção do Tribunal ad quem é claramente necessária para uma correta, adequada e melhor aplicação do direito no caso concreto; n) Uma vez que a solução jurídica vertida no acórdão recorrido é incorrecta, inadequada e não constitui a melhor aplicação do direito ao caso concreto; o) Deve a presente revista excepcional ser admitida, com as legais consequências, o que se requer; p) O acórdão recorrido é, a vários títulos, ilegal; q) A informação requerida à recorrida foi a ipsis verbis referida na conclusão a); r) Tal informação – a morada completa e atual de alunos da recorrente - não é idónea a ser protegida pelo dever de sigilo, previsto no artigo 64º da LGT; s) Essa informação não constitui, de per si, qualquer elemento sobre a situação tributária dos contribuintes, alunos da aqui recorrente; t) Em momento algum, a dita informação se refere ou reporta quaisquer dos seus bens, receitas, as despesas, as deduções ou despesas; u) Os elementos ou dados que a AT, incluindo a recorrente (cfr. art. 1º/3 da LGT) trabalha, não têm todos eles a mesma natureza, como é doutrina e jurisprudência inequívoca e como é da natureza das coisas; v) As moradas completas e atuais dos alunos são, de forma ostensiva, pela sua natureza e atento a critérios de normalidade, públicos; w) Pois que, com grande grau de probabilidade, são livremente acessíveis por recurso a outras vias jurídico- institucionais; x) Nomeadamente por simples consultas dos serviços públicos de registos predial, civil, comercial, automóvel, etc., que visam dar conhecimento público também desses elementos; y) Deste modo, o sigilo fiscal previsto no art. 64º da LGT não se aplica a tais tipo de elementos, normativo que o acórdão recorrido infringiu; z) Ainda que se possa entender que tais dados – as moradas completas e atuais dos alunos da recorrente – sejam qualificados como dados estritamente fiscais, os mesmos tem uma natureza, em si mesma, neutral.

aa) Em particular no que respeita à expressão personalizada de uma situação tributária; bb) E dado que externam por si só um simples facto, qual seja a morada; cc) De tal facto neutro não decorre nem pode decorrer, por que não é apto a tanto e a que título seja, qualquer revelação de qualquer capacidade tributária dos contribuintes em questão; dd) Tais dados - porque não reflectem a nenhum título a situação tributária dos contribuintes - podem e devem ser revelados à recorrente; ee) Porquanto não está a coberto do disposto no art. 64º da LGT, norma que o acórdão recorrido uma vez mais infringiu; ff) Ainda que assim se não entenda – e portanto se considere que aqueles factos neutros estão sob a alçada do sigilo fiscal -, nem assim a interpretação propugnada pelo acórdão recorrido se afigura correta; gg) Tal interpretação do art. 64º/2 al. b) da LGT é totalmente desproporcionada e ínvia, não devendo ser adotada; hh) Com efeito, a recorrente integra a AT (cfr. art. 1º/3 da LGT), que exerce actividade tributária no domínio dos seus tributos (propinas) relevante para a realização dos seus fins públicos (cfr. arts. 16º, 17º e 29º da LFES e 115º/1- al. b), 11º/1 e 108º do RJIES) e que para esse efectivo exercício carece, de forma instrumental, de ter acesso às moradas completas e atuais dos seus alunos, que também são contribuintes; ii) Neste quadro, a recorrente e a recorrida integram ambas a AT (cfr. art. 1º da LGT), estando aquela circunscrita à “liquidação e cobrança dos seus tributos e à medida dos seus poderes” (cfr. arts. 1º/3 e 64º/2 – al. b), in fine, da LGT); jj) E, ao invés do entendido pelo acórdão recorrido, não nos encontramos no domínio duma cooperação dessa AT ― com outras entidades públicas, como prevê o art. 64º/2 – al. b) da LGT, entidades essas externas e estranhas a mesma AT; kk) Estamos aqui no domínio das inter-relações orgânicas internas, no interior e no seio da própria AT (cfr. art. 1º da LGT), donde decorre que à recorrente são aplicáveis todas as regras de protecção do sigilo também se lhes aplica de forma direta; ll) Nenhuma coerência lógica tem a interpretação do art. 64º/2 – al. b) da LGT realizada pelo Tribunal a quo, pois que uma tal protecção só é dotada de operatividade e de utilidade para verdadeira e própria cooperação da AT com outras entidades externas à própria AT; mm) Ao assim não ter entendido, o Tribunal a quo infringiu as normas antes invocadas; nn) Ainda assim, a norma do art. 64º/2- al. b) da LGT não é puramente remissiva, ao ponto de exigir uma outra norma jurídica expressa, que estabeleça novo dever de informação; oo) Uma tal interpretação, como a defendida pelo Tribunal a quo, não considera a unidade e coerência do sistema jurídico (cfr. art. 9º/1 do Código Civil); pp) Nem a normal colaboração inter-orgânica no seio da própria AT, de modo a que os poderes tributários possam ser exercidos; qq) Ademais a atuação material da recorrente neste domínio efectiva-se medida dos seus poderes tributários, nomeadamente no previsto nos arts. 16º, 17º e 29º da LFES e 115º/1- al. b), 11º/1 e 108º do RJIES; rr) Deste acervo normativo decorre o conjunto de poderes instrumentais, preparatórios, pressupostos, necessários e imprescindíveis ao concreto e efectivo exercício dessa mesma actividade legal e vinculada; ss) Os quais sem a informação requerida a realização dos fins públicos cometidos a recorrente não podem ser realizados e prosseguidos; tt) Só uma interpretação que atente à unidade do sistema jurídico, como impõe o art. 9º/1 do CC, permite harmonizar o exercício da actividade que a lei comete à recorrente com o sigilo fiscal; uu) Ao assim não ter entendido, o Tribunal a quo infringiu as indicadas normas; vv) Por outro lado, a...

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