Acórdão nº 0357/12.0BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO ANTUNES
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório I.1.

Vêm interpostos dois recursos, um pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. e outro, subordinado, por A………, Lda., ambas melhor sinalizadas nos autos, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, exarada em 17/02/2020, que julgou procedente a impugnação judicial intentada por A…….., Lda., contra o ato de liquidação e cobrança de taxa de recursos hídricos relativa ao ano de 2011, emitido pela Administração da Região Hidrográfica do Tejo I.P. (ARH Tejo, hoje APA – Agência Portuguesa do Ambiente).

I.2.

A Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. apresentou alegações que terminou com o seguinte quadro conclusivo:

  1. O presente recurso é interposto da douta sentença, na parte em que esta, pronunciando-se sobre a fundamentação do ato de liquidação e cobrança conclui: “Assim assiste razão à impugnante quando invoca a falta de fundamentação do ato de liquidação efetuada procedendo, neste caso, a presente impugnação, o que, por si só, determina a anulação do ato, que não a declaração de nulidade, como vem alegado e peticionado.

  2. Entende a ora recorrente existir manifesto lapso do juiz, mais concretamente, erro de julgamento na aplicação do direito aos factos dados como provados.

  3. Ora nos factos dados como provados, a douta sentença no A), diz que a impugnante é titular da licença provisória nº 62/08 emitida pelo Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, para manutenção de ocupação privativa de uma parcela do domínio hídrico do Estado, numa área de 2.545 metros quadrados.

  4. No ponto K), descreve o conteúdo da nota de liquidação, com referência à legislação em vigor aplicável para o cálculo do valor a pagar pela impugnante.

  5. A exigência legal e constitucional de fundamentação, visa primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa, o que foi feito no caso em apreço.

  6. Se houve impugnação, o destinatário da notificação compreendeu e bem as razões da mesma notificação.

  7. Na licença, está expressamente previsto que pela ocupação é devida uma taxa anual a pagar pela ocupação da parcela do domínio hídrico do Estado, que é e era do conhecimento da impugnante.

  8. De acordo com o Decreto-Lei nº 97/2008 de 11 de junho, para esta ocupação aplica-se a componente O, o que foi feito pela ora recorrente, indicando o valor a pagar e a base legal aplicável, e que é atualizada anualmente, e também isso foi feito, como bem explícito na nota de liquidação e cobrança.

  9. A nota de liquidação identifica: - O título de utilização dos recursos hídricos ao abrigo dos quais a nota de liquidação é emitida (Licença n.º 62/08; - Os diplomas que preveem a taxa de TRH aplicável aos distintos períodos (DL 97/2008, de 11 de Junho, na versão que lhe foi conferida pelo DL 46/2017, de 03/05); -O valor de base aplicável, a matéria tributável, a TRH devida e o período de liquidação.

  10. Nesta sede, cumpre relembrar aquele que tem sido o ensinamento da jurisprudência portuguesa quanto ao âmbito do dever de fundamentação, ínsito no art.º 125.º do CPA: “O dever de fundamentação dos atos praticados pela administração, destina-se a permitir ao respetivo destinatário compreender o conteúdo do ato e a ficar em condições de decidir, aceitá-lo ou proceder à sua impugnação, razão pela qual, os atos devem conter as razões de facto e de direito que elucidem o destinatário sobre a sorte da decisão, permitindo conhecer o itinerário valorativo e cognitivo daquela opinião.” (cfr. Ac. do TCA Sul, de 14.12.2005, proferido no proc. 06325/02).

  11. A exigência legal e constitucional de fundamentação, visa primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes um opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa, o que foi feito no caso em apreço.

  12. Resulta ainda do que ficou dito nos n.os 9 e 10 do presente recurso relativo à nossa jurisprudência, pode-se concluir que a fundamentação só é essencial para a defesa de um direito fundamental, o que no caso em análise não é o caso.

  13. O ato impugnado não enferma de qualquer ilegalidade afigurando-se, antes, manifesta a perfeita validade do mesmo e bem assim, extrair, inequivocamente, a conclusão de que o douto Tribunal a quo fez uma correta interpretação dos factos dados como provados mas um inequívoco erro de julgamento na aplicação do direito aos mesmos casos dados comprovados.

  14. Por outro lado, na notificação do ato de liquidação e cobrança está bem explícito a causa (ocupação de uma parcela do domínio hídrico do Estado em termos de exclusividade e quais os diplomas legais que suportam tal liquidação.

  15. Tal fundamentação é suficiente para que um cidadão normal, perceba e bem o alcance do ato, tanto mais, que no processo em apreço, as normas são taxativas, não havendo lugar a qualquer audiência prévia para dar a conhecer o sentido da decisão da administração, e o impugnante estar na posse dos dados para perceber o sentido do ato posto em crise, pois assinou uma licença que obriga ao pagamento de uma taxa e depois recebeu e percebeu o sentido da notificação da liquidação e cobrança da taxa relativa ao ano de 2011, tanto que a impugnou.

  16. Para realçar esta nossa posição, está o facto da sentença, de forma clara ter dado como assente, como se viu, a ocupação do domínio hídrico do Estado, título que prevê o pagamento de uma taxa e também a notificação e cobrança, com a menção aos ditames legais aplicáveis, tendo no entanto decidido de forma contrária aos mesmos factos dados como provados.

  17. A este respeito cabe ainda referir os processos de impugnação judicial nº 535/09.0BESNT, 486/10.5BESNT e 480/11.9BESNT, cujos sujeitos, pedido e causa de são iguais, inclusivamente neles é invocada pela impugnante a falta de fundação, e que foram as impugnações julgadas totalmente improcedentes.

    TERMOS EM QUE E NOS MELHORES DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, deve o presente recurso ser considerado procedente, por provado e, em consequência, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que mantenha o ato tributário de liquidação e cobrança da Taxa de Recursos Hídricos relativa ao ano de 2011 praticado pela APA, IP, assim, se fazendo a costumada JUSTIÇA.

    I.3.

    A A…….., Lda. aduziu alegações que concluiu nos seguintes termos: 1ª. Os doutos Acórdãos deste Venerando STA, de 2016.02.17 e de 2018.12.12, invocados na sentença recorrida não se pronunciaram, nem tiveram que se pronunciar sobre as concretas questões de inconstitucionalidade suscitadas pela ora recorrente no presente processo, por referência ao DL 97/2008, de 11 de Junho, e a específicas violações do disposto nos arts. 84º/2, 165º/1/v), 2 e 3 e 198º/3 da CRP; decidindo essencialmente a qualificação da “Taxa de Recursos Hídricos” (TRH), como taxa, imposto ou contribuição especial, face “ao disposto na al. i) do nº 1 do art. 165° da CRP”, o que nem sequer foi invocado no presente processo (v. arts. 20º a 25º do r.i.) – cfr. texto n.º s 1 a 3; 2ª. A definição do regime económico e financeiro dos bens integrados no domínio público – como se verifica in casu (v. alíneas A), C) e D) dos FP) - constitui matéria de reserva de densificação total da Assembleia da República (v. art. 165º/1/v) da CRP), não podendo ser – como foi – inovatória e autonomamente regulada pelo DL 97/2008, de 11 de Junho – cfr. texto n.º s 4 e 5; 3ª. O DL n.º 97/2008, que estabeleceu o regime económico e financeiro da utilização de bens do domínio público (v. arts. 84º/2 e 165º/1/v) da CRP), foi editado cerca de três anos após o termo e decurso do prazo que para esse efeito foi expressamente fixado na respectiva autorização legislativa, concedida pela Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, pelo que é manifestamente inconstitucional (v. arts. 112º/7 e art. 165º/2 e 3 da CRP) – cfr. texto n.º 6; 4ª. O DL nº. 97/2008 não indica qualquer lei de habilitação, referindo-se apenas incidentalmente à Lei 58/2005, sem identificar qualquer norma daquele diploma, ou de qualquer outro, que permitisse o exercício de tais poderes normativos, integrados na reserva legislativa da Assembleia da República estabelecida pela alínea v) do art. 165º/1 da CRP – cfr. texto n.º 7; 5ª. No caso em análise inexiste qualquer autorização legislativa (v. arts. 112º e 198º/3 da CRP), não sendo convocável para este efeito o disposto no art. 165º/1/i) da CRP (v. fls. 5 a 8 da sentença), que nada tem que ver com receitas pela ocupação de bens do domínio público (v. arts. 84º e 165º/1/v) da CRP) – cfr. texto n.º s 5 a 8; 6ª. A douta sentença recorrida enferma assim de erros de julgamento na parte em que julgou improcedente a questão da “inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 97/2008, de 11/06”, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 84º/2, 112º/7, 165º/1/v), 2 e 3, 198º/3 e 204º da CRP.

    NESTES TERMOS, Deve o presente recurso subordinado ser julgado provado e procedente, com as legais consequências.

    SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.

    I.4.

    A………, Lda. formulou contra-alegações com o seguinte quadro conclusivo: A - DA AUSÊNCIA ABSOLUTA DE CONCLUSÕES 1ª. As pretensas “conclusões” das alegações de recurso da APA não integram qualquer individualização das questões ou resumo do corpo daquela peça processual, limitando-se à “reprodução integral e ipsis verbis do anteriormente alegado no corpo das alegações (…), equivalente à ausência de conclusões, que dá lugar à rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b), (do) Novo CPC” (v. Ac. RC de 2015.11.10, Proc. 158/11.3TBSJP.C1; cfr. Ac. STJ de 2015.05.26, Proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1, ambos in www.dgsi.pt), pois não são “passíveis de despacho de aperfeiçoamento, como o não seriam «conclusões» que...

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