Acórdão nº 02977/10.9BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

Inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial - deduzida por A………. e B………. contra as liquidações de IRS e respectivos juros compensatórios do ano de 2009, no valor global de €111.077,48 - a Autoridade Tributária e Aduaneira recorre para este Supremo Tribunal Administrativo pedindo a sua revogação, com os fundamentos que verteu nas suas alegações e que resumiu nas seguintes conclusões: «I – Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo em 30-10-2019, a qual julgou parcialmente procedente os presentes autos de impugnação judicial, intentados por A………., NIF …….. e B………., NIF ………, contra o acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respectivos juros compensatórios, relativos ao ano de 2009, já devidamente identificados nos autos, no valor de € 111.077,48 (cento e onze mil e setenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos).

II – O Douto Tribunal a quo postulou pela parcial procedência dos presentes autos, em virtude de ter considerado que o facto de existir uma limitação da tributação a metade das mais valias realizadas apenas para os residentes e não para os não residentes, cfr. n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, constitui uma restrição (ilegal) aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

III – No que respeita aos rendimentos provenientes de mais-valias, o ganho sujeito a imposto é constituído pela diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, conforme consta da alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º e do n.º 1 do artigo 43.º, ambos do Código do IRS.

IV – Sendo tal saldo apenas considerado em 50% do seu valor no caso de transmissões efectuadas por residentes ao abrigo das alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, cfr. n.º2 do artigo 43.º do Código do IRS.

V – Por seu turno, quanto aos não residentes, como é o caso dos ora Impugnantes, a tributação em sede de IRS incide apenas sobre os rendimentos obtidos em território português, prevendo o n.º 1 do artigo 72.º do CIRS a aplicação de uma taxa especial proporcional de 28% que incide sobre a totalidade do saldo relativo às mais-valias imobiliárias; e isto porque inexiste, no ordenamento jurídico, uma disposição legal semelhante ao n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS que seja aplicável aos não residentes.

VI – Sendo que, esta norma legal não viola, nem discrimina, os direitos dos não residentes, por contraposição aos residentes em Portugal, desde logo, porque os Estados-Membros da União Europeia, em matéria de impostos directos (IRS), têm competência para legislar e exercer a sua jurisdição fiscal, em conformidade com as leis tributárias vigentes no seu ordenamento jurídico-tributário, que, no caso nacional, se rege pela norma constitucional postulada na alínea i) do n.º1 do artigo 165.º da CRP (reserva de lei da Assembleia da República em matéria fiscal) VII – Da mesma forma, a delimitação do âmbito de aplicação da norma contida no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, a contribuintes residentes no território português, não implica desfavor dos não residentes, desde logo, porque a diferença de tratamento fiscal, deve ser interpretada em conjugação com o sistema geral do imposto sobre o rendimento, aplicável a residentes e a não residentes.

VIII – O facto de se prever uma tributação diferente para não residentes, no caso de realização de mais valias, justifica-se atendendo ao regime de tributação de rendimentos, em especial à diferente taxa de tributação aplicável a residentes e a não residentes. Com efeito, para os primeiros, o rendimento colectável é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias, incluindo, portanto, as mais-valias auferidas em cada ano, sujeito a uma tabela de taxas progressivas, enquanto que, para os segundos, o CIRS prevê a aplicação de uma taxa especial proporcional.

IX – Significa isto que, com a tributação por taxa liberatória, o contribuinte não residente beneficia de uma taxa proporcional que o coloca fora do alcance da aplicação de taxas mais elevadas aplicáveis aos contribuintes residentes no território português, não se vislumbrando, nesta perspectiva, qualquer desfavor dos não residentes por comparação com os residentes.

X – Até porque não se deve olvidar que a noção de “carga fiscal” é uma noção lata, eminentemente quantitativa e finalística, a qual depende, em concreto e a título meramente exemplificativo, o rendimento declarado; a eventual aplicação do coeficiente conjugal; a eventual aplicação da parcial exclusão tributária do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, as eventuais despesas que concorrem para a formação da mais-valia, a aplicação das taxas que apuram o imposto, etc… XI – Sendo que, o acórdão Hollman, referindo-se, por um lado, não à norma, mas à legislação nacional, em clara alusão global ao ordenamento jurídico fiscal e conjugando uma pluralidade de premissas, como sejam: a aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS; a constatação de que aos não residentes são aplicáveis as taxas do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS e que aos residentes são aplicáveis as taxas progressivas do artigo 68.º do mesmo diploma legal, acaba por restringir os efeitos do seu raciocínio jurídico, concluindo que uma norma, prescrita nos precisos termos do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, é violadora do Tratado.

XII – O que conduz a uma solução algo idiossincrática, de tributar de um modo mais favorável as mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes em território nacional, relativamente aos residentes - beneficiando, doravante, da redução de 50% da base de incidência; sujeitando-se a uma taxa única na maioria das situações inferior às taxas progressivas, e sem que sobre eles impenda a obrigação de cá englobar todos os seus rendimentos.

XIII – De qualquer forma, neste seguimento e em claro respeito pela orientação dada por aquele Tribunal, o legislador nacional através da Lei n.º 67.º-A/2007 de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2008) introduziu os números 7 e 8 do artigo 72.º do CIRS, actuais números 8 e 9.º deste normativo.

XIV – Com a entrada em vigor de tais normativos, tal diferenciação entre residentes e não residentes foi ultrapassada, pelo facto de os não residentes, como é o caso dos ora Impugnantes, poderem optar relativamente aos ganhos de mais valias imobiliárias pela tributação à taxa de acordo com a tabela prevista no artigo 68.º do CIRS, que seria aplicável aos sujeitos passivos residentes em território português, em que os ganhos de mais-valias são sujeitos a tributação apenas em 50%.

XV – Desta forma, com a entrada em vigor da Lei n.º 67-A/2007 de 31 de Dezembro, e com efeitos para o futuro, foi dado aos contribuintes sem domicílio fiscal em território nacional, sujeitos à tributação de mais valias imobiliárias cá obtidas, a opção de englobar os demais rendimentos, permitindo que a estes pudessem ser aplicadas condições similares às dos residentes em território nacional.

XVI – Assim, tendo ficado indelevelmente esgotado o entendimento vertido no acórdão Hollmann (aproveitado na sua fundamentação pelo Aresto do STA de 16-01-2008, proc. n.º439/06) para impedir a aplicação do regime excecional previsto na alínea a) do n.º 1 do anterior artigo 58.º do TCE, é possível afirmar que, tendo sido conferida aos não residentes em território nacional, o direito de ver a sua situação tributária tratada nos precisos termos dos residentes, não só essa vantagem fiscal excessiva se obliterou, como são agora os residentes alvo de discriminação fiscal.

XVII – Poderiam, portanto, os ora Impugnantes fazer a opção pela tributação das mais-valias pelas taxas gerais do artigo 68.º do CIRS, ao abrigo do atual n.º 9 do artigo 72.º do mesmo diploma legal, bastando para tal ter indicado a opção 9 no quadro 8-B - Residência fiscal – Não residentes, “Opção pelas taxas gerais do art. 68.º do CIRS – Relativamente aos rendimentos não sujeitos a retenção liberatória – Art. 72.º n.º 9 do CIRS”, na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS para o ano de 2009; contudo, compulsada tal declaração, constatamos que os mesmos optaram pela tributação pelo regime geral no quadro 8-B – Residência fiscal – Não residente (destaque nosso).

XVIII – A este respeito, atente-se ao entendimento perfilhado no parecer n.º 97/09, de 11.02.2009 do Centro de Estudos Fiscais e ao que se encontra vertido no Acórdão do CAAD de 22-04-2019, proc. n.º 539/2018-T, cujas soluções aqui damos por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.

XIX – De facto, pretendendo os Impugnantes que a sua situação tributária se equipare à dos sujeitos passivos residentes, legalmente nada os impediria de assim proceder, pois que se encontrava na sua disponibilidade fazê-lo (o que nunca sucedeu), nos termos já prescritos do artigo 72.º do CIRS. A administração tributária, a tal não se oporia, estribada que estava na lei.

XX – Consequentemente, não tendo os Impugnantes efectuado aquela opção, tendo, pelo contrário, manifestado expressamente que pretendiam a tributação de acordo com o regime geral, legitimada estava a administração tributária, perante a sua declaração de rendimentos, a liquidar o imposto, à taxa de 28%, prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS, considerando a totalidade da mais-valia por si realizada e não apenas 50% daquela.

XXI – Nesta senda, cumpre ainda dizer que os Impugnantes cometem abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, dado que, optaram de forma livre e consciente pela tributação segundo o regime geral dos não residentes, assim despoletando o acto tributário e depois, solicitaram a sua parcial anulação com base na pretensa ilegalidade da opção que tomaram, reitere-se, de forma livre e consciente.

XXII – Por último e não se assacando qualquer tipo de vício ou ilegalidade que seja susceptível de inquinar o acto...

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