Acórdão nº 0371/18.2BEVIS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | ANABELA RUSSO |
Data da Resolução | 03 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.
A…………, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial intentada contra o acto de liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2013, no valor de € 152.559,34 euros, veio da mesma interpor recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo.
1.2.
Tendo o recurso sido admitido, o Recorrente apresentou alegações, onde conclui nos termos que infra se reproduzem: «i) A sentença recorrida confunde o efeito jurídico substantivo de suspensão de eficácia da decisão de avaliação da matéria tributável pelo método indirecto constante do art° 89.°-A da Lei Geral Tributária (LGT), em caso de exercício do direito de recurso contencioso contra tal decisão administrativa, com o efeito jurídico atribuído ao recurso jurisdicional da sentença que conhece desse recurso contencioso, em primeiro grau de jurisdição; ii) No n.º 7 do artº 89.°-A da LGT, o legislador da LGT procede a três estatuições jurídicas substantivas diferentes: uma, atribuindo a essa decisão de avaliação a natureza de acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa, subtraindo-a ao âmbito do princípio normativo geral da impugnação unitária consagrado no art.º 54.º do CPPT, a outra, arredando a decisão da avaliação da matéria colectável do instituto de revisão da matéria tributável previsto nos artigos 91.º e segs. (pedido de revisão da matéria tributável a ser apreciado na comissão de revisão nos termos do artº 92.º da LGT), e, finalmente, a terceira, instituindo o efeito jurídico da suspensão automática de eficácia da decisão administrativa de avaliação da matéria colectável, no caso de exercício do direito substantivo de recurso contencioso para o tribunal tributário; iii) Os efeitos suspensivos previstos no referido n.º 7 do artº 89.°-A da LGT versam sobre a própria decisão de avaliação da matéria tributável por métodos indirectos, impedindo a sua imediata exequibilidade, estando essa suspensão condicionada ao exercício do direito de recurso contencioso para o tribunal tributário; iv) Trata-se de um efeito jurídico que está associado necessariamente ao exercício do direito de recurso contencioso perante o tribunal tributário, pelo que enquanto o direito de recurso contencioso não se extinguir — o que só acontece com o julgamento do recurso com trânsito em julgado — a suspensão de eficácia da decisão de avaliação persiste ou mantém-se; v) A expressão tribunal tributário refere-se à espécie de tribunais que são materialmente competentes para conhecer do recurso contencioso, em todos os graus de jurisdição, e não apenas ao grau da jurisdição tributária que há-de conhecer desse recurso em primeiro grau; vi) A atribuição de efeito devolutivo ao recurso interposto da sentença de 1.ª instância, que negou provimento ao recurso, para o STA, não interfere com suspensão de eficácia da decisão de fixação, pois esta persiste enquanto o recurso contencioso não se extinguir com o trânsito em julgado da decisão jurisdicional que o julgue definitivamente, pois aquele efeito respeita à exequibilidade da sentença e não à exequibilidade da decisão de avaliação da matéria tributável que tem a sua eficácia suspensa até ao julgamento definitivo do recurso contencioso; vii) A prática do acto de liquidação, em momento em que a eficácia do acto de avaliação da matéria tributável se encontra suspensa, reconduz-se a uma violação de norma atributiva da competência material administrativa para praticar o acto de liquidação: enquanto estiver suspensa a eficácia do acto de avaliação, a autoridade administrativa não detém competência material para praticar o acto dele dependente, pelo que incorre no vício de violação de lei se o praticar; viii) A falta de competência material administrativa não respeita às formalidades do procedimento, mas antes aos poderes legais para poder praticar as formalidades legais previstas no procedimento e definir/concretizar os conteúdos dos actos nele a praticar, sejam estes de carácter vinculado ou tenham alguma margem de discricionariedade ou de indeterminação de conteúdo; ix) A natureza substantiva - e nunca de mera formalidade legal — da estatuição legal da suspensão de eficácia do acto de avaliação denota-se, claramente, na circunstância de o tempo de a suspensão poder influenciar a legalidade do exercício do direito substantivo de liquidar o imposto, por mor do instituto da caducidade do prazo de liquidação; x) Deste modo, jamais se poderá lançar mão, nesta situação, do princípio do aproveitamento do acto administrativo que subjaz ao estipulado no n.º 5 do art.º 163.º do actual Código de Processo nos Tribunais Administrativos».
1.3.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, não obstante ter sido notificada da interposição e admissão do recurso não apresentou contra-alegações.
1.4.
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer que concluiu da seguinte forma:«(…) entendemos que o efeito suspensivo atribuído ao meio processual previsto no nº 7 do artigo 89º da LGT conduz a que só com o trânsito em julgado da decisão judicial nele proferida se consolida o ato de fixação da matéria tributável objeto de impugnação (caso não seja anulado).
Atento que no caso concreto, aquando da emissão do ato de liquidação tendo por base a matéria tributável do ato impugnado, ainda este não se tinha consolidado na ordem jurídica, o que só ocorreu posteriormente com o trânsito em julgado da decisão do Tribunal Constitucional, configura ilegalidade que afeta a validade do ato tributário e constitui fundamento para a sua anulação.
A tal resultado não obsta o efeito devolutivo atribuído ao recurso interposto da decisão de 1ª instância, uma vez que embora esta tenha confirmado a validade do ato impugnado, não acarreta a perda dos efeitos suspensivos do meio processual, o que só ocorre com o trânsito em julgado da decisão final que nele venha a ser proferida.
Afigura-se-nos, assim, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, tal como lhe é assacado pelo Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua revogação e em substituição deve ser proferida decisão que julgue a ação procedente e determine a anulação do ato tributário, com base em vício de violação de lei.».
1.5. Não se verificando nos autos qualquer circunstância que obste à imediata apreciação do recurso, importa, pois, agora, decidir.
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OBJECTO DO RECURSO 2.1.
Como é sabido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a intervenção do Tribunal ad quem é especialmente delimitada pelo teor das conclusões que finalizam as alegações do recurso jurisdicional apresentado [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].
Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem.
Na sua vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
2.2.
Atento o teor da sentença proferida e as conclusões formuladas nas alegações de recurso, conclui-se que as questões a decidir são as que infra se enunciam.
2.2.1.
A atribuição do efeito suspensivo ao acto de fixação da matéria tributável, prescrita no artigo 89.º-A, n.º 7 da Lei Geral Tributária (LGT), obstará a que a Administração Tributária pratique novo acto de fixação da matéria colectável até ao trânsito em julgado da sentença que apreciou a sua validade, independentemente do efeito (suspensivo ou devolutivo) que seja fixado ao recurso jurisdicional interposto dessa decisão judicial? 2.2.2.
Em caso afirmativo, e na circunstância desse acto de liquidação ter sido praticado antes do referido trânsito, deverá o Tribunal lançar mão do instituto do “aproveitamento do acto», previsto no artigo 163.º, n.º 5 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por a ilegalidade cometida se traduzir numa mera irregularidade formal? 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. Fundamentação de facto 3.1.1.
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: A.
Em 30 de Abril de 2014 foi apresentada a declaração de IRS relativa ao agregado composto por A………… e B…………, com o código 2720-2013-I0879-03 e ao ano de 2013 - [cfr. declaração Modelo 3 que faz fIs. 263 e ss. da paginação eletrónica da SITAF].
B.
A declaração referida no facto precedente deu origem à Liquidação 2014.4002891474 onde foi apurado um rendimento global de EUR 28.12598 - [cfr. liquidação que faz fls. 422 da paginação eletrônica do SITAF].
C.
A………… e B………… foram objeto de ação inspetiva, efetuada a coberto da OI201600196 e ao exercício de 2013, no qual foi proposta a fixação de rendimento por métodos indirectos - [cfr. relatório inspetivo que faz fls. 243 e ss. da paginação eletrónica do SITAF].
D.
A fixação do rendimento teve a seguinte fundamentação: “No capítulo anterior foram descritos os factos e fundamentos para a realização da avaliação indireta do rendimento tributável em sede de IRS, aos SP A………… e B…………, que se consubstanciam no seguinte: — A verificação simultânea do estabelecido nas alíneas d) e f) do nº 1 do artigo 87° de LGT; — Não comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que foi outra a fonte do acréscimo do património conforme previsto no n° 3 do artigo 89°-A da LGT; — Ausência de movimentos financeiros justificativos, no âmbito do procedimento de...
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