Acórdão nº 2279/17.0T8GMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelFERREIRA LOPES
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Nos autos de promoção e protecção instaurados no Juízo de Família e Menores de ..., que dizem respeito à menor AA, nascida a .. de .. de 2017, filha de BB e de CC, foi proferida sentença que decidiu: - Nos termos dos arts. 1978º, nº 2 do Cód. Civil, e dos arts. 1º, 3º, 4º, 35º/1, g) e 62º da L.P.C.J.P., decreta-se a favor da criança AA PJ a medida de medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, sendo que nos termos do art. 38º-A, b) da L.P.C.J.P. a criança fica sob a guarda da Associação ... com vista a futura adopção.

- Como curador provisório da criança nomeia-se o director ou directora da instituição em que a criança se encontra, em conformidade ao nº3 do e nº 4 do art 62º-A da L.P.C.P., cessando as visitas dos familiares à criança, nos termos do nº 6 do mesmo artigo.

Inconformada com tal decisão a mãe da menor, BB, apelou para o Tribunal da Relação de ..., mas sem sucesso, pois que aquele Tribunal confirmou inteiramente a sentença.

Ainda inconformada, interpôs recurso de revista excepcional.

Neste Supremo, a competente Formação (art. 672º/3 do CPC), admitiu a revista excepcional, atento o relevo social da matéria em causa.

Da respectiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões (suprimem-se as I a XII que se referem à admissibilidade da revista excepcional, questão já ultrapassada): XIII) O Tribunal da Relação não se pronunciou como devia sobre uma questão levantada na respectiva alegação de recurso (a de que durante 2 anos e meio, quase 3 aproximadamente os serviços sociais pouco ou nada fizeram para dotar a mãe de competências parentais para receber a sua filha de volta, através de programa próprio para este tipo de situação - CAFAP) e, aliás, expressamente referida nas conclusões que balizavam o objecto da apelação, assim cometendo a nulidade prevista na alínea d) do n.° 1 do art. 615.° do Código de Processo Civil.

XIV) Não se pronunciou em concreto sobre o constante do recurso, nomeadamente que deviam ter sido a mãe (e os avós) ora recorrente durante o período de institucionalização acompanhados com vista a ser dotados de técnicas e estratégias relativas à parentalidade, como sendo através de programas próprios paras estas famílias - CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, programa este que consiste num serviço de apoio especializado às famílias com crianças e jovens, vocacionado para a prevenção e reparação de situações de risco psicossocial mediante o desenvolvimento de competências parentais, pessoais e sociais das famílias. (Portaria n.° 139/2013 de 02 de Abril).

XV) Que, de facto, o douto acórdão reconhece que não foi efectuado, como se lê: “Tendo sido providenciado, pelo menos, habitação, rendimentos ao agregado familiar onde se integra a progenitora, formação ao nível das competências mínimas, há que concluir que este agregado tem beneficiado de diversos apoios, desde há vários anos.

É certo que não consta dos factos provados, nem resulta dos autos, que tenha sido ministrada à recorrente uma formação específica para a parentalidade.

(...)” (sublinhado e negritos nossos) XVI) Como também aliás do probatório não consta qualquer facto a esse respeito.

XVII) Se a questão essencial suscitada pela recorrente prende-se com o facto de considerar que desde a institucionalização em ../../2017, os serviços do Estado pouco ou nada fizeram para os preparar para "receber a filha", pois a família após a institucionalização teve cerca de 2 ou 3 acompanhamentos, diga-se visitas por parte da Segurança Social e restantes entidades, durante mais de dois anos e meio, quase três, os quais foram manifestamente insuficientes. Já que o acompanhamento da progenitora e dos avós maternos efectuado pela X... (empresa municipal de habitação) e Y... desde 2001, revelou progressos substanciais, conforme consta dos factos provados nos pontos 12, 13, 14, 15 (“Houve progressos substanciais, ao longo dos 18 anos, ao nível das competência de organização de uma casa e de aprendizagem do funcionamento dos utensílios, como fogão e esquentador, sendo que tal processo foi sempre liderado pela avô materno da criança, que é quem assume o papel de gestor e principal cuidador do lar.”) XVIII) Mas após a institucionalização da AA foram muito parcos e escassos, sendo que o Y... já não acompanha o agregado familiar materno, conforme facto provado n.º 22.

XIX) Consideramos que deviam ter sido a mãe (e os avós) ora recorrente durante o período de institucionalização acompanhados com vista a ser dotados de técnicas e estratégias relativas à parentalidade, como sendo através de programas próprios paras estas famílias - CAFAP - Centro de Apoio Aconselhamento Parental, programa este que consiste num serviço de apoio especializado às famílias com crianças e jovens, vocacionado para a prevenção e reparação de situações de risco psicossocial mediante o desenvolvimento de competências parentais, pessoais e sociais das famílias. (Portaria n.° 139/2013 de 02 de Abril).

XX) In casu, e salvo o devido respeito, nenhuma destas entidades procedeu com a devida diligência, actuando de forma superficial, desconsiderando o principal objetivo que seria dotar os pais, designadamente a mãe e os avós maternos de competências parentais com vista a receber a sua filha após a institucionalização, prestando-lhe os devidos cuidados, estabilidade e segurança, constituindo violação de direitos sociais protegidos constitucionalmente (art.° 67° alínea c) d) e e) da Constituição da República Portuguesa.

XXI) Por seu turno, o art. 69°, da CRP, estabelece que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão, devendo, o Estado, assegurar especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.

XXII) Retirar-se as crianças aos pais e colocá-las numa instituição sem que, durante o tempo de "separação" nada ou muito pouco se promova junto da família.

XXIII) Questiona a Recorrente: Se o Estado defende que as crianças devem, em princípio estar junto dos Pais, e em casos de perigo pode o mesmo Estado afastá-los, não deverá o Estado durante este período de separação preparar a família para receber a filha? Ou simplesmente esquece-se porque o objectivo sempre foi a adopção? Aqui falhou, claramente o Estado, e a progenitora (e os avós maternos) tendo em consideração os enormes laços afectivos que existem estão dispostos a "ir até às últimas consequências", como sendo recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, bem como ao Tribunal Constitucional.

XXIV) Nestes termos, a questão de confiança de menor a instituição com vista à adopção é uma pois uma questão que merece tutela adequada e digna de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, pois estão em causa interesses de particular relevância social que justificam a revista excepcional.

XXV) Acresce que, o Tribunal da Relação não se pronunciou como devia sobre uma questão levantada na respectiva alegação de recurso (a de que durante 2 anos e meio, quase 3 os serviços sociais pouco ou nada fizeram para dotar a mãe de competências parentais para receber a sua filha de volta, através de programa próprio para este tipo de situação - CAFAP) e, aliás, expressamente referida nas conclusões que balizavam o objecto da apelação, assim cometendo a nulidade prevista na alínea d) do n.° 1 do art. 615.° do Código de Processo Civil.

XXVI) É ponto assente que a aplicação da medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura adopção, prevista no art.º 35, n.° l, al g) da LPCJP, para além da verificação dos pressupostos contidos no art.º 1978° do Cod. Civil, impõe que aos pais da criança sejam dadas todas as garantias e direitos de que dispõem.

XXVII) Tais garantias e direitos traduzem-se num acompanhamento junto dos progenitores aquando do processo de "separação", e quando as citadas garantias e direitos são feridos, a decisão que aplica a medida de proteção de confiança a pessoa selecionada para adoção ou a instituição com vista a futura adopção é nula, nos termos do art.º195°, n.° 1, do Cod. Proc. Civil.

XXVIII) Tal nulidade justifica-se pela violação de garantia e direitos por parte da recorrente influírem no exame e decisão das causas, já que estes não tiveram oportunidade de se restruturar, tendo um acompanhamento digno por parte dos serviços sociais, os quais, mais uma vez apenas fizeram cerca de 3 ou 4 visitas à progenitora durante mais de dois anos e meio.

XXIX) Não se coloca em questão a existência e eventual necessidade da instauração de um processo de promoção e protecção no caso em apreço, discute-se e discorda-se, isso sim, da legitimidade e legalidade da medida adoptada.

XXX) Acresce que, a situação de risco da criança não é actual ou efectiva ou, ainda que o fosse - o que apenas se concebe por mero dever de raciocínio - é hoje diversa da que ditou a instauração do processo de promoção e protecção, pois todo o Acórdão recorrido olvida esta realidade, centrando-se a decisão no reporte a factos e situações ocorridas há mais de 3 (três) anos; não se relevam nem as diferentes necessidades inerentes ao natural crescimento da menor, nem a evolução das competências parentais relativamente a tais diferenças.

XXXI) Considerar que as necessidades actuais da criança e as competências parentais da progenitora e dos avós maternos são as mesmas que ditaram a instauração do processo, constitui um manifesto erro de avaliação da situação de facto.

XXXII) O Acórdão recorrido encerra violação de lei, encontrando-se ferido de ilegalidade já que dele não resulta provado que, actualmente, a criança se encontre numa situação de risco, tal qual ela é definida nos termos da Lei n.° 147/99, de 01 de Setembro, nomeadamente no art.° 3º.

XXXIII) A ausência de fundamentação e omissão de determinação da situação de risco, identificando...

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