Acórdão nº 2342/15.1T8CBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ABREU
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1.

AA e BB intentaram a presente acção declarativa, com processo comum, contra a Companhia de Seguros Allianz Portugal S.A., pedindo a condenação desta a pagar ao BPI, que intervém nos autos como parte principal, associada às Autoras, a quantia de €58.260,22 ou outra que venha a ser apurada, como sendo o montante em dívida referente ao crédito de habitação do BPI, em nome de CC e em nome da Autora.

Articularam, com utilidade, que em 13 de Julho de 2001, CC, à época casado com a Autora, AA, celebrou com a Ré um contrato de seguro de vida grupo, associado a um crédito à habitação concedido pelo BPI.

Em … de Janeiro de 2012 faleceu CC em consequência de acidente de viação, tendo deixado como sua única herdeira BB, sua filha, ainda menor, sendo que, em consequência da morte de CC, o BPI accionou junto da Ré, a apólice do seguro de vida, subscrito ao abrigo do crédito habitação, com o intuito de receber o capital ainda em dívida.

A Ré recusou-se a pagar a reclamada indemnização, invocando a alínea d) do ponto n.º 1 do artigo 3.º das condições gerais da apólice.

  1. Regularmente citada, contestou a Ré, pugnando pela improcedência da acção, alegando, para o efeito, que a situação em que ocorreram as lesões que determinaram a morte de CC não se encontrava coberta pelo seguro.

  2. Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença que, julgando procedente o pedido, condenou a Ré a pagar ao interveniente a quantia de €58.260,22, em dívida à data de 25-01-2016, devidamente actualizada, montante em dívida referente ao crédito à habitação do Banco BPI, em nome de CC e em nome da Autora, AA.

  3. Inconformada com o decidido, a Ré, Companhia de Seguros Allianz Portugal S.A., interpôs apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do recurso, proferindo acórdão, em cujo dispositivo enunciou: “Julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida e substitui-se a mesma por decisão a julgar improcedente a acção e a absolver a ré do pedido.” 5.

    É contra este acórdão, proferido no Tribunal da Relação de ..., que a Autora/AA se insurge, interpondo revista, formulando as seguintes conclusões: “1) O presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça vem interposto do douto Acórdão, que julga totalmente improcedente a presente acção, e absolveu a Ré, Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A, do pagamento, à Autora do valor do mútuo bancário em dívida à data de 25-01-2016.

    2) O douto Acórdão está ferido de nulidade, já que os Ilustres Juízes Desembargadores fizeram tábua rasa da resposta da Autora ao Recurso da Ré existindo desta forma uma nulidade nos termos e para os efeitos do artigo 615, nº 1, alínea d) ex vi do art.º 674º, n.º 1 alínea c) do C.P.C., porquanto, não se pronunciaram sobre questões que deviam apreciar, existindo por parte do Tribunal da Relação de ... omissão de pronúncia.

    3) Para além disso, o Tribunal da Relação não fundamentou suficientemente o douto acórdão recorrido, no que diz respeito à sua decisão sobre a matéria de facto.

    4) A exigência de fundamentação das decisões é essencial, na medida que é através dela que o destinatário da decisão pode avaliar os motivos que levam o Tribunal à opção por determinada conclusão.

    5) A convicção do Tribunal de 1ª Instância encontra-se coerentemente fundamentada e a valoração efectuada pelo Juiz, a partir dos depoimentos testemunhais, inscreve-se no princípio da livre apreciação da prova sem que o Tribunal “ad quem” esteja em condições - v.g. pela imediação e pelo contacto pessoal que a 1ª instância tem com as testemunhas - que permitam pôr em causa aquela convicção, livremente formada.

    6) Do ponto de vista dos elementos testemunhais e documentais que sustentam a decisão de facto na parte impugnada, diremos pois, que a mesma não pode ser alterada ao abrigo do art.º 662º, n.º 1 do C.P.C., na medida em que os autos não fornecem elementos que imponham decisão diversa da proferida pela 1ª Instância.

    7) A fundamentação insuficiente equivale à falta de fundamentação e gera a nulidade do acórdão, que desde já se invoca.

    8) A exigência de fundamentação tem natureza imperativa e constitui um princípio geral que a própria constituição consagra no seu art.º 205, n.º 1 e que tem de ser observado nas decisões judiciais, este princípio está consagrado para o processo civil no art.º 615º, n.º 1, alínea b) do Código do Processo Civil, assim também violado.

    9) As normas jurídicas violadas no douto acórdão recorrido são: o art.º 662º do C.P.C., o art.º 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, o art.º 615º, n.º 1, al. b) do C.P.C., na medida que impõem a fundamentação das decisões judiciais, e ainda os art.ºs 349º e 351º do Código Civil.

    10) Fica no âmbito de apreciação deste Douto Tribunal apreciar se a condição de facto, que ficou determinada, constitui ou não causa adequada do evento lesivo - isto é, da morte e subsequente exclusão da responsabilidade da ora Recorrida.

    11) Se o Supremo Tribunal de Justiça, como Tribunal de Revista, aplicando definitivamente aos factos o direito, não pode censurar as ilações tiradas pelas instâncias dos factos provados com base em regras da experiência, já as pode, contudo, apreciar e sindicar se elas alterarem os factos provados e não provados.

    12) Não podendo as presunções judiciais assentar em factos com elas incompatíveis, designadamente se os mesmos, após discussão e julgamento, tiverem sido dados como não provados.

    13) Não obstante ter ficado provado que o falecido CC, na ocasião do fatídico acidente era portador de uma TAS de 1,60 g/l, que esta concentração perturbava seriamente a sua atenção, os seus reflexos e a sua capacidade de prever perigos com origem no restante tráfego ou nas condições do local por onde circulava, tal como foi afirmado pelas testemunhas, contudo, não pode resultar como provado com toda a certeza que o Tribunal da Relação lhe dá, que foi por causa da taxa de álcool no sangue, que CC não conseguiu manter a viatura que tripulava na metade direita da faixa de rodagem, despistando-se em descontrolo total do veículo, porque tal não resulta nem da prova testemunhal nem, muito menos, da prova documental junta aos autos, daí que, não pode resultar como apurado o nexo causal entre tal estado e o acidente.

    14) Não está provado o nexo de causalidade entre a taxa de alcoolémia e a ocorrência do acidente.

    15) Não há factos no processo que possam sustentar que haja nexo de causalidade entre a falta de reflexos e sensibilidade do falecido e a produção do acidente.

    16) Para que tal fosse possível, necessário seria que se provasse que, caso o falecido CC estivesse na posse de todas as suas faculdades, reflexos e sensibilidade, teria conseguido evitar o acidente.

    17) Sem que se prove que a causa do acidente foi originada por alcoolismo e uso de estupefacientes, tal como consta expressamente do contrato subscrito pelo falecido, isto é, do teor de informação obrigatória constante como doc. 2 junto à Contestação da Ré contendo as “Condições Gerais” não pode a Recorrida beneficiar da referida cláusula de exclusão.

    18) Tendo a Senhora Juiz de 1ª instância, com o aplauso da ora Recorrente, concluído pela existência não comprovada de tal nexo causal, porque do apuramento do NICAV, que aponta várias causas como prováveis; o croqui que indiciava que o CC se despistou por razões desconhecidas, o próprio despacho da Excelentíssima Procuradora do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de ... que arquivou o inquérito, toda a prova testemunhal que aponta para várias causas possíveis: o encadeamento, o surgimento de animal ou outra viatura na faixa de rodagem, o nevoeiro próprio daquela zona, o condutor ter adormecido devido ao cansaço porque esteve a trabalhar durante toda a semana como motorista e com uma elevada carga horária, etc. existe um leque de causas que efectivamente poderiam, qualquer uma delas, ter sido a causa do acidente.

    19) Não obstante a taxa de alcoolémia de que o CC era portador determinar a sua falta de sensibilidade e diminuição de reflexos, não resultam provados outros factos conducentes a poder-se concluir que o despiste e consequente morte do condutor não teria ocorrido naquelas circunstâncias se não fosse o dito grau de alcoolemia do mesmo.

    20) Não fundamentou o Tribunal da Relação a consideração dos factos constantes da alínea U) dos factos provados como não provados, antes decidindo no uso de presunções judiciais e da sua livre convicção que o apagão do CC se deveu única e exclusivamente à concentração de álcool no sangue de 1,60 g/l.

    21) O factor alcoolémico é um entre um amplo conjunto de factores que pode conduzir à explicação de um determinado acidente, esclarecendo a etimologia das irregularidades cometidas e/ou agravando-a, ou nem sequer interferindo nas respectivas responsabilidades, “(…) Evidentemente que muitos, talvez a maior parte dos acidentes, não conhecem qualquer relação de causa e efeito, frente ao álcool. Pode até perfeitamente admitir-se que um dado acidente, ocorrido em caso de alcoolémia perturbadora, não seja filiável na acção alcoólica, ou, por outras palavras, que ele teria ocorrido da mesma maneira, para circunstâncias idênticas exceto no que respeita à alcoolemia, ela agora supostamente nula. (…)” cfr Fernando Manuel Oliveira de Sá, Acidentes de Viação e Alcoolismo, A Alcoolemia nos Acidentes de Viação, Coimbra 1 a 64, 140 e 188.

    22) Não sendo, na verdade, tal nexo de causalidade facto notório, que dispensa alegação e prova.

    23) Tendo assim sempre a Recorrida Seguradora de alegar e provar, para que o seu invocado direito proceda, que efectivamente se verifica alguma causa de exclusão, porque, caso contrário, e tal como resulta do teor da informação obrigatória constante como doc. 2 junto pela Ré / ora Recorrida na sua Contestação contendo as “condições gerais” onde no art.º 3º constam “exclusões”, e nomeadamente em “3.1 que ”As coberturas de risco de Morte ou de Invalidez...

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