Acórdão nº 2603/17.5T8STB.E1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2021
Magistrado Responsável | TOMÉ GOMES |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. BB (A.) instaurou, em 06/04/2017, ação declarativa de reivindicação contra AA (R.) a pedir que lhe fosse reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua …., n.º …, na freguesia de …., em ...., e condenado o R. a restituí-lo, alegando para tanto, no essencial, o seguinte: .
O A. é dono do indicado prédio, tendo-o adquirido por compra à sociedade P.... –…, Ld.ª, compra esta registada a favor do A. segundo a apresentação n.º …, de 2016/07/21; .
Por sua vez, a referida sociedade havia comprado esse prédio a CC, filho do R.; .
Porém, o R. ocupa aquele prédio sem qualquer título que o legitime, recusando-se a entregá-lo ao A., apesar de ter sido interpelado para tanto.
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O R. apresentou contestação em que invocou a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a sociedade P.... – ..., Ld.ª, e CC, filho do R., sustentando que: .
O referido contrato visava apenas garantir o reembolso de um empréstimo de € 15.000,00 que, em outubro de 2009, aquela sociedade havia concedido ao R., por intercessão do seu antigo patrão, pai dos sócios da mesma sociedade; .
Após o falecimento desse antigo patrão, os filhos dele exigiram que o R. lhes restituísse o montante de € 7.500,00 ainda em dívida; .
Em situação de desespero, o R. recorreu aos serviços de DD, através de contato a que teve acesso por anúncio publicado no …. , para que este lhe emprestasse o dinheiro em falta; .
DD acedeu de imediato ao pedido do R., entregando um cheque à P...., Ld.ª, no referido montante de € 7.500,00, saldando assim a dívida para com esta sociedade; .
No entanto, aquando deste empréstimo, a conselho de DD e dos sócios da P...., Ld.ª, o R. assinou o contrato-promessa de compra e venda do mencionado prédio, constante de fls. 38-40, em que A. e R. figuram, respetivamente, como promitente-vendedor e promitente-comprador; .
O referido contrato de compra e venda realizado entre o filho do R. e a sociedade P...., Ld.ª, dado servir unicamente para garantir o empréstimo de € 15.000,00 concedido ao R. deve ser declarado nulo nos termos do artigo 694.º do CC e, por via disso, impeditivo da aquisição pelo A. do direito de propriedade sobre o prédio reivindicado. Invocou ainda o R. o abuso de direito por parte do A. por se ter aproveitado da situação precária e de grande necessidade do A..
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O A. respondeu às exceções deduzidas pelo R., impugnando a respetiva factualidade e sustentando que: .
A invocada nulidade do contrato celebrado entre o filho do R. e a sociedade P...., Ld.ª, não lhe é oponível, por ser terceiro de boa-fé, alheio aos aduzidos vícios do negócio celebrado entre aqueles; .
No âmbito das relações negociais entre DD e o A., a este foi proposta a aquisição do prédio em causa, para posterior venda, proposta que foi aceite pelo A.; .
Porém, o A. nunca celebrou qualquer contrato de mútuo com o R. nem com o filho deste, não agindo assim com abuso de direito. 4.
Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 128-141/v.º, de 25/02/2018, a julgar a ação procedente, reconhecendo o direito de propriedade do A. sobre o prédio em causa e condenando o R. a entregá-lo ao A., mas condenando este como litigante de má-fé.
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Inconformado, o R. recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, tendo sido proferido o acórdão de fls. 186-204, de 28/02/2019, aprovado por unanimidade, a julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
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Desta feita, veio o R. pedir revista excecional que foi admitida com fundamento na alínea b) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC, conforme o acórdão da “formação” de fls. 261-264.
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Em sustentação da revista, o Recorrente formulou conclusões, contendo, no essencial, o seguinte: 1.ª - O Recorrente arguiu a nulidade contrato de compra e venda, em sede de contestação, logo estaríamos perante uma situação de litisconsórcio necessário, em que a intervenção de todos os interessados é imposta pela natureza da relação jurídica, porque a decisão a obter só produz o seu efeito útil normal com a intervenção de todos os interessados; 2.ª – Esta aferição não pode nem deve ser feita após ou com a prolação da sentença ou do seu sentido, mas sim com a estabilização da instância e aquando da e para a formação da convicção do julgador.
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– Assim, o acórdão recorrido violou o disposto no n.º 2 do artigo 6.
o do CPC.
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– A segunda nulidade invocada e apreciada pela Relação foi a de errada interpretação da aplicabilidade do instituto do pacto comissório e da proibição que o mesmo encerra prevista no artigo 694.º do CC; 5.ª - Existiu violação do pacto comissório, pois a sentença, no seu ponto 7, dá como factos assentes que: “o negócio teve como condição que o réu, juntamente com o seu agregado familiar, permanecesse a residir no imóvel e que no dia do pagamento total do valor recebido pelo réu o imóvel ficasse desonerado daquele encargo"; 6.ª - A Relação considerou correta a qualificação feita pela 1.ª instância de alienação fiduciária em garantia, com detrimento do pacto comissório; 7.ª - O ordenamento jurídico português permite e prevê a celebração do contrato de alienação fiduciária, havendo que aferir a sua validade em confronto com a proibição legal do pacto comissório, não merecendo assim o contrato realizado qualquer tutela jurídica; 8.ª – Deve, pois, aquele contrato ser tratado como venda comissória, a qual, em função da garantia em vista, se traduz numa vantagem injustificada para o credor; 9.ª – Considerando, conforme os factos dados como assentes, que o imóvel foi vendido pelo valor de € 7.500.00, tendo o valor patrimonial de € 37.32.18, e foi transferido porque o R. precisava de dinheiro, só se poderá concluir pela não existência de equilíbrio entre o valor em divida e o valor da garantia e pelo locu-pletamento injustificado do credor, o que se traduz num verdadeiro pacto comissório.
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- Assim, a Relação violou o disposto no artigo 694.º do CC, ao não considerar nem declarar nulo o negócio de compra e venda celebrado com a P.... - ..., Ld.ª.
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- O acórdão recorrido apreciou, também, os vícios de contradição entre os fundamentos e a decisão e o excesso de pronúncia, pois dos factos considerados como provados, a 1.ª Instância não retirou as consequências jurídicas que se impunham; 12.ª – Porém, a nulidade da sentença alegada remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.
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- A decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontavam os seus fundamentos e a sua motivação, ao considerar válidos os negócios de compra e venda.
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- A Relação devia ter retirado as consequências jurídicas adequadas àquela motivação, considerando procedente a exceção perentória, tendo sido violada alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
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- Em sede de enquadramento jurídico, a sentença da 1.ª Instância considerou provado que o A. tinha "efetivamente conhecimento de que o Réu se encontrava lá a residir, ", e ainda que: "o mesmo celebrado um contrato promessa de compra e venda quanto ao imóvel; admitindo-se que, considerado o escopo do negócio, o A. tinha conhecimento que o R. teria dificuldades financeiras”; e ainda que: “estaria na sua esfera jurídica do R. vir a readquiri o imóvel”; 16.ª - Na sua motivação, foi considerado que: “o negócio celebrado com o A., cuja similitude com o contrato entre o R. e a P...., Ld.ª, é evidente, serviu para colmatar a incapacidade do R. cumprir os ter-mos do primeiro acordo, tanto mais que o valor da compra claramente não corresponde ao valor do imóvel, pois. por mais degradado que pudesse estar o prédio, dificilmente teria o valor de € 7.500,00.” 17.ª - Com base nos factos provados, ficou demonstrado que o A., ao comprar o imóvel à P...., Ld.ª, e concomitantemente ao ter celebrado o contrato-promessa de compra e venda com o R. e, admitindo a 1.ª Instância a similitude dos negócios, a necessidade de dinheiro por parte do R., o escopo do referido negócio ter sido celebrado para satisfazer as necessidades de dinheiro deste e o valor extremamente baixo da venda do imóvel, ficou evidenciado que o negócio defraudou as expetativas do R. que pretendia apenas que o prédio urbano servisse de garantia ao negócio e que o A. se aproveitou das suas fragilidades do que se vê em risco de ficar privado da casa de morada de família, onde desde há muitos anos e até à presente data reside.
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- A Relação, ao não considerar como preenchidos os pressupostos do instituo do abuso de direito, violou, na modalidade de “venire contra factum proprium”, o disposto no artigo 334.º CC.
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– O acórdão recorrido considerou que o R. não é legitimo detentor do prédio, mas os factos provados revelam que “o réu continuou a residir no imóvel, ainda que a título de arrendatário, ficando a suas expensas todos os encargos do imóvel, circunstância que revelava que o negócio firmado entre as partes era temporário e visava financiar o réu” e ainda que: “o réu reside no prédio urbano, desde data não concretamente apurada, porém há muitos anos. com a esposa” e que “após a celebração dos negócios referidos em 12, o réu continuou a habitar o imóvel, com o acordo do Autor.” 20.ª - Ficou assim assente que, ao praticar todos aqueles atos, reiteradamente ao longo dos anos, e sem ter sofrido qualquer alteração apesar das supostas transferências de propriedade que existiram o Recorrente, não agia como mero detentor.
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– O R. teve sempre e ininterruptamente o poder de facto sobre o imóvel, com o “animus” de o exercer como seu titular de um direito real sobre o mesmo, pois nunca pretendeu que o negócio celebrado com a P.... envolvesse a transferência da propriedade da sua casa de morada de família, mas sim que servisse de instrumento ao empréstimo como garantia.
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- Assim, o acórdão da Relação violou a conceção de posse prevista e acolhida pelo legislador e o disposto no artigo 1251.º do CC.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Na Relação, foi...
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