Acórdão nº 205/19.0T9MTA.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I–RELATÓRIO: 1.

– No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Criminal do Barreiro – Juiz 2, Proc. nº 205/19.0T9MTA, foi proferido despacho, aos 02/07/2020, que rejeitou por manifestamente infundada, a acusação deduzida pelo Ministério Público contra os arguidos “D.–UNIPESSOAL, LDA.” e NS, pela prática, na forma continuada, de um crime de burla tributária, p. e p. pelo artigo 87º, nºs 1 e 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2002, de 05/06 e determinou o arquivamento dos autos.

  1. – Inconformado com o teor do referido despacho, dele interpôs recurso o Ministério Público, para o que formulou as seguintes conclusões (transcrição): I-Da acusação proferida constam factos integradores das falsas declarações prestadas pelas arguidas, ao declararem como trabalhadores por conta da sociedade arguida indivíduos que nunca aí desenvolveram qualquer trabalho; II-São igualmente elencados no libelo acusatório factos indiciadores do erro/engano em que a Segurança Social foi induzida, tendo introduzido tais trabalhadores em carreiras contributivas como trabalhadores por conta de outrem, pese embora tal situação não correspondesse à realidade; III-A alusão a uma atribuição patrimonial por parte da Segurança Social não pode deixar de ser entendida como uma referência ao prejuízo que a conduta das arguidas tenha gerado aos cofres daquela entidade; IV-Prejuízo esse materializável quer na atribuição de prestações pecuniárias directamente geradas pela actuação das arguidas, quer na mera inclusão dos trabalhadores no estatuto de trabalhadores por conta de outrem, passando assim a ter uma carreira contributiva geradora de benefícios patrimoniais; V-Designadamente, e a título de exemplo, são benefícios concretos que resultam do simples facto de se encontrarem inscritos na segurança social a possibilidade de pagarem, a posteriori, os montantes contabilizados como dívida à Segurança Social ou o recebimento de prestações por morte independentes da situação de dívida de contribuições em que tais trabalhadores se encontram (cfr. art.ºs 186.º e 218.º, ambos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social); VI-Ainda que se entendesse que efectivamente a narração dos factos se encontra deficitária, por via disso, deveria a acusação proferida ser rejeitada, nunca deveria ser determinado o arquivamento imediato dos autos; V- (numeração como no original) Nos termos do art.º 283.º, n.º 3. do Código de Processo Penal, a falta da narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena. isto é. dos factos integradores do tipo legal de crime tem como consequência a nulidade da dedução da acusação; VI-De acordo com o disposto no art.º 122.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a verificação da nulidade determina a invalidade do acto e dos que dele dependerem, mas não dos actos anteriores; VII-Assim, o vício de que a acusação padece não se comunica ao inquérito, mas antes aos actos subsequentes e tão só a esses; VIII-Em consequência, o despacho recorrido deveria ter declarado a nulidade da dedução da acusação e, de seguida, porque possível e necessário, ter ordenado a remessa do processo ao Ministério Público para repetição do acto sem o vício; IX-Pelo exposto, fez o Tribunal a quo deficiente interpretação e aplicação dos supra indicados normativos.

    Termos em que, concedendo-se procedência ao presente recurso, deverá ser revogada a decisão proferida, sendo a mesma substituída por outra que reconheça a suficiência da acusação ou, subsidiariamente, determine a devolução do processo ao Ministério Público para repetição do acto/dedução de nova acusação, pois que assim se fará, com o douto suprimento de Vossas Excelências, JUSTIÇA! 3.

    –As arguidas não apresentaram resposta à motivação de recurso.

  2. –Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu “visto”.

  3. –Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II–FUNDAMENTAÇÃO 1.- Âmbito do Recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

    No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: Se, por ocasião do despacho a que se refere o artigo 311º, do CPP, poderia ter sido rejeitada, por manifestamente infundada, a acusação deduzida pelo Ministério Público.

    Se, rejeitada a acusação, deveria ter sido ordenada a remessa dos autos ao Ministério Público para repetição do acto sem vício.

  4. - Elementos relevantes para a apreciação deste recurso 2.1-Aos 27/01/2020, o Ministério Público proferiu libelo acusatório contra as arguidas “D.–UNIPESSOAL, LDA.” e NS, nos seguintes termos, na parte que releva (transcrição): 1.- A sociedade arguida D.

    – Unipessoal, Lda.

    , NIF …0, NISS 2… com sede social na Av. … em Vale A..., é uma sociedade comercial constituída em 16/02/2007, tendo como objecto social a construção civil e obras públicas.

  5. - A arguida NS é, desde a sua criação e até à data de hoje, a sócia única e única gerente, de facto e de direito, da sociedade D. Unipessoal, Lda..

  6. - Nessa qualidade, era a arguida NS quem detinha os códigos de acesso, enquanto contribuinte, à plataforma informática da Segurança Social.

  7. - A sociedade arguida laborou desde a data da sua constituição e até ao ano de 2011, data em que cessou a sua actividade.

  8. - A partir dessa data a empresa encerrou e não teve qualquer actividade de facto.

  9. - No entanto, a sua sócia única e aqui arguida NS não procedeu à respectiva dissolução.

  10. - Acontece que, em momento posterior ao seu encerramento, a sociedade arguida procedeu, através da plataforma informática da Segurança Social, à comunicação da contratação de trabalhadores, apresentando as consequentes declarações de remunerações mensais.

  11. -Assim foi relativamente, além do mais, aos seguintes trabalhadores, nos períodos indicados: a.- FF, no período de Março a Outubro de 2014; b.- FS, no período de...

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