Acórdão nº 786/19.9T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I.

RELATÓRIO M. P. intentou acção de processo comum contra Herança Aberta e Indivisa por Óbito de M. N..

PEDIDO: a condenação da ré a: a) reconhecer a existência do contrato de prestação de serviço doméstico que caducou face ao falecimento da Empregadora ; b) no pagamento do total de €149.422,80 (a título de férias vencidas e não gozadas a quantia de €22.156,20; a titulo de subsidio de férias a quantia de € 22.156,20; a titulo de sanção por férias não gozadas a quantia de €38.269,80; a titulo de subsidio de Natal a quantia de €14.099,40; a titulo de folgas por gozar a quantia de €23.275,20; a titulo de horas extras a quantia de €15.066,00; a titulo de indemnização equivalente ao subsidio de desemprego a quantia de €14.400,00); c) nas quantias que lhe liquidarem em execução de sentença pelo trabalho efectuado em dias de feriado; d) nos juros vincendos desde a notificação / citação.

CAUSA DE PEDIR: a autora foi admitida, através de contrato de trabalho de serviço doméstico verbal, a tempo inteiro e indeterminado, em Julho de 1985, para trabalhar ao serviço da falecida M. N., exercendo as funções de empregada doméstica de segunda – feira a sexta – feira, das 08h 30m até ás 18h00m, mediante retribuição mensal equivalente a € 224,00 euros, incluindo todas as refeições, ficando alojada em dependência, fora da casa de habitação da empregadora, destinada para o efeito, mobiliada pela Autora, obrigando-se esta a prestar à ré a sua actividade destinada a satisfação das necessidades próprias do agregado familiar daquela, constituído pelo falecido marido, a saber, arrumo da casa de habitação, limpeza da mesma, fazer as camas, confeccionar as refeições como o pequeno almoço, almoço, lavagem e tratamento da loiça e da roupa. Sem interrupções e limite contratual de tempo, sob as ordens, direcção autoridade e fiscalização da Ré, exerceu essas ditas funções de 04 de julho de 1985 até ao dia 29/01/2019, altura em que recebeu uma carta a denunciar do contrato, por caducidade, em virtude do falecimento da sua empregadora. À data da cessação do contrato de trabalho, auferia a retribuição mensal de €671,40, correspondendo €581,40 ao salário base e a quantia de € 90,00 euros ao subsidio complementar.

A autora nunca gozou férias, de 1985 a 2019, por culpa da ré, porquanto sempre lhe atribuiu tarefas diárias na lide da casa e outras, como fazer comida a tomar conta de animais. Pede a título de compensação o triplo da retribuição correspondente ao período em falta de €38.269,80, atinentes aos anos de 2000 até 2019 (quanto aos restantes anteriores anos não dispõe de documento idóneo para provar a culpa da Ré, como é exigido legalmente) e, ainda, a quantia de €22.156,20 a título de férias vencidas e não gozadas (33 meses à última remuneração de €671,40), e igual quantia de € 22.156,20 a título de subsidio de férias (33 meses à remuneração de €671,40).

A Ré também nunca lhe pagou qualquer subsidio de Natal até 2006, devendo-lhe a quantia de €14.099,40, (€671,40 por 21 anos).

Laborou todos os dias dos anos de 1985 até ao ano 2015 de segunda-feira a domingo, não lhe tendo a Ré proporcionado o gozo das folgas pelo trabalho efectuado no dia do descanso semanal, reclamando o pagamento inerente a 1040 dias de folga, o equivalente a €23.275,20 (€671,40: 30 dias = € 22,38 /dia).

A Autora ao longo dos anos 1985 a 2015 executou trabalho para além das 8h diárias e das 40h semanais, durante cerca de 3 meses (época da Páscoa e das vindimas) em cada ano, trabalhando nesse período, em cada ano civil, mais de três horas diárias, reclamando a esse título €15.066,00.

Trabalhou também em dias de feriado ao longo de 25 anos – 1985 a 2015-, reclama por isso o seu pagamento a liquidar em execução de sentença.

Não obstante a Autora receber de acordo com o salário mínimo nacional, a entidade empregadora não efectuava as contribuições de acordo com essa remuneração e por essa conduta privou a Autora em obter o subsídio de desemprego, facto que lhe está a causar extremas dificuldades de sobrevivência e transtornos, omissão essa geradora de indemnização por danos patrimoniais, devendo por isso ser condenada no pagamento de indemnização equivalente ao subsidio de desemprego na quantia mínima de € 400,00/ mês, e pelo menos durante 36 meses, a que teria direito o equivalente a 14.400,00. CONTESTAÇÃO: admite-se ter vigorado o contrato de trabalho aludido pela Autora de empregada doméstica, mas apenas com efeitos a 01-10-1999, conforme contrato de trabalho celebrado por escrito e que juntou aos autos. Antes a autora apenas lhe prestou alguns trabalhos rurais/agrícolas indiferenciados, à jorna e como independente, e de forma intermitente e errática. Invoca, em todo o caso, a excepção de prescrição relativamente a eventuais créditos respeitantes a essa anterior relação. Alega, ainda, que no âmbito do celebrado contrato de trabalho escrito, a Autora foi admitida ao serviço da Dª M. N., nele se tendo feito menção das condições, incluindo sobre os descontos para a Segurança Social. Sempre satisfez à autora o pagamento de todas as remunerações contratadas e a que a autora tinha direito, nada devendo. Os descontos efectuados foram os combinados no contrato, i.e., 21% a cargo da empregadora e 8% a cargo da trabalhadora, que não conferem direito ao subsídio de desemprego. Ainda a admitir-se a hipótese de não gozo de férias, do não recebimento de subsídio de Natal e do trabalho suplementar, sempre esses créditos, vencidos há mais de 5 anos, reportados a 22/01/2019, estariam prescritos (337º,2, CT). De resto, a Dª M. N. apenas se deslocava á Quinta cerca de 2 meses no ano, vivendo o resto do ano no Porto. Sendo, pois, a autora livre de organizar o seu tempo como queria durante o resto do ano, vivendo, aliás, alojada, com o seu marido e filha, num espaço urbano à parte que lhe foi cedido e situado na Quinta e onde cultivava uma horta para seu consumo dela e criava animais para consumo doméstico da autora e seu agregado. Organizando o tempo como bem entendia, nunca tendo ocupado o palacete/moradia da Dª M. N., apenas ali trabalhando nas épocas em que a proprietária ali se deslocava e de forma mitigada dado que a aquela, nas suas estadias, se fazia acompanhar de outra empregada, a Sr. A. T.. De resto, a alegada prestação de trabalho suplementar não está minimamente circunstanciada (no tempo e no tipo de tarefas que o justifiquem).

Seguiu-se a prolação de despacho saneador, no âmbito do qual se procedeu à identificação do objecto da lide e à enunciação dos temas de prova.

Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): “Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente, declarando-se que entre Autora e Ré vigorou um contrato de trabalho de serviço doméstico e, em consequência, decide-se: 1.- Condenar a ré “HERANÇA ABERTA E INDIVISA POR ÓTIBO DE M. N.”, a pagar à aurora M. P.

, a quantia de €1.686,68 (mil seiscentos e oitenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos), a título de subsídio de Natal respeitante ao período de 01/10/1999 a Dezembro de 2006, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação da ré para a acção e até integral pagamento.

  1. -Absolver do pedido a ré quanto ao demais peticionado.

    Custas a cargo da autora e da ré, na proporção do decaimento e vencimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a autora - 527º, nºs. 1 e 2 do Cod. Proc. Civil.” FOI INTERPOSTO RECURSO PELA AUTORA -CONCLUSÕES: Conclusões : ( 6 ) – SOBRE MATÉRIA DE FACTO . ( 639º. Nº 1 ) C.P.C.

    I - Conforme estabelece o Artº. 640º,nº 1,al.a) do C. P. Civil , o concreto ponto de facto que considera a Recorrente incorretamente julgado é, desde logo ; · Quanto ao facto nº 1 , 1.

    “ A Autora prestou trabalho para a autora da Herança Ré, Dª. M. N., como trabalhadora rural independente, sem vinculo permanente, à jorna e assim pago ao dia, desde o inicio de 1980 a 30/09/1999. “ · Conclusão Primeira - O Tribunal tinha todas as provas para dar como provado que a Autora celebrou com a Ré, contrato individual de trabalho verbal de prestação de serviços domésticos em Julho de 1985, que formalizado em 1999.

    E, ao não ter considerado a existência de contrato verbal de prestação de serviço doméstica · No mínimo resultou pela prova enunciada ( documentos e depoimento de parte e testemunhos ) a existência de contrato individual de trabalho a tempo inteiro, ainda que agrícola, desde 1985 até 1999.

    Ora, Parece á Recorrente decisão errada, ( Tribunal ) Considerar provado no ponto nº 1 que “ Autora prestou trabalho para a autora da Herança Ré, Dª. M. N., como trabalhadora rural independente, sem vínculo permanente, à jorna e assim pago ao dia, desde o início de 1980 a 30/09/1999.

    Mas que o Tribunal não o considerou ( contrato laboral ) atenta as considerações que o Mm.Juiz teceu.

    ** Conclusão segunda :Só por errada valoração da prova e de deficiente análise critica do documento nº 4º, e 5º , é que pôde dar como provado, que a Autora prestou trabalho para a autora da Herança Ré, Dª. M. N., como trabalhadora rural independente, sem vínculo permanente, à jorna e assim pago ao dia, desde o início de 1980 a1999.

    Fundamentou o Mm. Juiz; “ como trabalhadora eventual no período de Julho de 1985 a 31/10/1999, uma relação de trabalho rural, independente e sem vínculo permanente, no âmbito da qual a Autora prestou actividade de trabalhadora agrícola para Ré, à jorna ou à jeira, como trabalhadora eventual, desempenhando a sua actividade, por conta e em benefício da Ré, quando esta, em função das tarefas agrícolas que importava realizar, a chamava para esse efeito, relação laboral esta que cessou a 30/09/1999; “ Do qual não se pode concordar; 1º O próprio documento ( Docº. nº 4 da Pi. ) é demostrativo que a Recorrida trabalhou a tempo inteiro e todos os dias , veja-se o documento que a titulo exemplificativo, consta; Que no ano … trabalhou … e recebeu ; a) 1985/240 dias,recebeu a remuneração de € 658,41, b) 1986/360 dias,recebeu a remuneração de € 1.137,26, c)...

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