Acórdão nº 6113/17.2T8BRG.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCHAMBEL MOURISCO
Data da Resolução13 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 6113/17.2T8BRG.G1.S2 (Revista excecional) - 4ª Secção Acordam na formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Na ação declarativa com processo especial para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho que AA, intentou contra as rés CARAVELA - COMPANHIA DE SEGUROS, SA.,(Ré seguradora) e SPORTING CLUBE DE BRAGA - FUTEBOL, SAD (Ré empregadora), vieram estas interpor recursos de revista excecional, invocando o disposto no art.º 672.º n.º 1 alíneas a) e c) do Código de Processo Civil.

  1. A R. seguradora formulou as seguintes conclusões: A - Quanto ao cálculo da pensão até aos 35 anos 1 - Há uma sobrevalorização artificial e desmesurada na fixação da incapacidade específica do recorrido em 58,731%, quando a mesma parte da base de uma incapacidade genérica de apenas 19%.

    2 - Existem três majorações do cálculo da pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado: a primeira decorrente da aplicabilidade da al. b) do n.º 3 do art.º 48.º da LAT, que, em vez de fazer incidir o cálculo sobre 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, fá-lo incidir sobre 50% a 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível; a segunda, que advém da aplicabilidade da tabela de comutação específica para desportistas profissionais, abordada no art.º 5.º da Lei n.º 27/2011, de 16/06 e publicada em anexo a essa lei, que aumenta a IPP genérica de 19% fixada ao autor, para uma IPP de 39,154%, prevista para sinistrados com 27 anos de idade; e a terceira, que decorre da aplicação do coeficiente 1.5 previsto no ponto 5 das Instruções Gerais da TNI, atinente ao facto da vítima não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho, que coloca a incapacidade nuns 58,731 pontos percentuais, superior ao triplo da incapacidade inicial.

    3 - A recorrente entende ser inaplicável cumulativamente o fator de bonificação 1.5, face ao entendimento de que a aplicação da Tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/06, construída numa lógica de bonificação em relação à TNI, engloba e/ou absorve a bonificação prevista nas instruções gerais desta.

    4 - É certo que a matéria da cumulação do fator de bonificação 1.5 com a majoração que decorre da aplicabilidade da al. b) do n.º 3 do art.º 48.º da LAT, é algo que, hoje em dia, se pode considerar que é aceite em larga escala pela jurisprudência, alguma dela citada no acórdão recorrido.

    5 - Porém, a questão aqui é diferente. Não se debate a justeza da cumulação entre a majoração do art.º 48.º, n.º 3, al. b) da LAT e o fator de bonificação 1.5, mas sim o equilíbrio resultante dessa cumulação com a tabela de comutação prevista para o praticante desportivo profissional.

    6 - Em relação a este tema, o acórdão recorrido aponta os acórdãos do STJ de 17/09/2014 e 28/05/2014, como arestos em que se admite a aplicação do fator de bonificação de 1.5 com a tabela de comutação.

    7 - Mas a verdade é que inexiste qualquer acórdão, dos citados pelo tribunal a quo, que tenha aplicado a totalidade daqueles incrementos ao valor da pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado, no que se traduz numa relevante questão jurídica cuja apreciação é necessária ser efetuada por este Colendo Supremo Tribunal.

    8 - É precisamente sobre a compaginação das majorações contempladas nos referidos três diplomas legais que importa aqui dissecar.

    9 - Relativamente à pensão mais favorável ao sinistrado, no caso de IPATH, em face de uma IPP, não são precisas palavras para justificar tal situação contemplada no art.º 48.º, n.º 3, al. b) da LAT, já que a uma situação mais grave para a condição física e capacidade de ganho do sinistrado deve corresponder uma reparação superior.

    10 - A cumulação dessa situação mais vantajosa com o fator de bonificação de 1.5, respeitante à não reconversão no posto de trabalho, é também algo que já está suficientemente tratado na jurisprudência, havendo o entendimento, como se disse, que é cumulável a atribuição de IPATH à bonificação estabelecida na al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI.

    11 - O que ainda não está suficientemente debatido tem a ver com a sobreposição, às duas situações de acréscimo anteriormente referidas, da bonificação concedida pela tabela de comutação do RATPDP, sendo precisamente contra esta cumulação das três majorações que se insurge a recorrente.

    12 - A tabela de comutação visa uma mais justa apreciação da situação do sinistrado face às especificidades resultantes de uma lesão quando este é um desportista profissional, tentando, assim, colmatar as eventuais desigualdades daí resultantes relativamente a um sinistrado que não utiliza, do mesmo modo, certas partes do corpo, na respetiva profissão.

    13 - Nos presentes autos, os peritos médicos, por unanimidade, decidiram que o atleta padece de uma incapacidade permanente parcial de 19%, resultante de dois fatores: (i) No que respeita à partes moles do joelho, verifica-se uma hidrartrose crónica ou de repetição, pós-traumática, recidivante, com hipotrofia muscular superior a 2 cm, pontuada entre 7% e 15% pelo Cap. I, 12.1.4 b) da TNI, e relativamente à qual os médicos entenderam fixá-la em 10%, ou seja, nem sequer atribuíram o máximo pontuável; e (ii), no que concerne ao esqueleto (sequelas osteoarticulares), constata-se uma limitação (rigidez), na flexão, com mobilidade até 60º, pontuável entre 7% e 10% pelo Cap. I, 12.2.4.1 b), tendo os peritos médicos fixado, sob este aspeto, uma incapacidade de 9%, não tendo aqui, mais uma vez, chegado ao limite máximo previsto na tabela.

    14 - Assim, a situação de facto real atinente a este atleta, no que respeita à sua incapacidade, de acordo com aquilo que constitui a junta médica levada a cabo nos presentes autos, é a de que o autor sofre de uma incapacidade de 19%. A incapacidade de 19% é a única incapacidade que está liberta de artifícios ou ficções legais porque resulta diretamente da análise clínica e avaliação médico-legal.

    15 - Os médicos entenderam que uma incapacidade de apenas 19% causava uma absoluta incapacidade para o exercício da atividade de futebolista por causa das exigências próprias da atividade profissional em causa, no que às aptidões físicas diz respeito.

    16 - O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2014, publicado no DR de 30/06, uniformizou a jurisprudência no sentido de que a expressão "se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho", contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.

    17 - No caso dos autos, constatou-se que, dada a específica atividade do sinistrado, o seu regresso ao posto de trabalho não se revelava possível. Por outras palavras, se o autor não exercesse a atividade específica de jogador de futebol, os 19% de IPP não seriam, regra geral, incompatíveis com o seu regresso ao posto de trabalho.

    18 - Nos termos da parte final do art.º 5.º do RATPDP, se da tabela nacional de incapacidades por acidente de trabalho e doenças profissionais resultar um valor superior relativamente à tabela de comutação específica, será aquela a tabela aplicável.

    19 - Por outro lado, é com base na idade do sinistrado e na "invalidez permanente genérica" que se calcula a "invalidez permanente específica" - cfr. anexo da Lei n.º 27/2011. Caso não existisse a tabela de comutação específica, ao autor seria aplicada a IPP de 19% que, acrescida do fator de bonificação de 1.5, pela não reconvertibilidade, resultaria numa IPP de 28,5%.

    20 - Ora, sendo a incapacidade de 28,5 % inferior à resultante da aplicação da tabela de comutação específica sobre a incapacidade genérica de 19% - que atira a incapacidade específica para os 39,154% -, a tabela aplicável é a do RATPDP.

    21 - Daí que se diga que a majoração resultante da bonificação de 1.5 já se deve considerar integrada no trabalho comutativo que resulta da aplicação da Lei n.º 27/2011, e, assim, conclui-se como nas alegações do recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, no sentido de que a aplicação da Tabela anexa à Lei n.º 27/2011, de 16/06, construída numa lógica de bonificação em relação à TNI, engloba, incorpora ou absorve a bonificação prevista nas instruções gerais desta.

    22 - Extraindo-se consequências ao nível do que dispõe a CRP a este propósito, a recorrente está convicta de que solução contrária viola os princípios da igualdade e da justa reparação do trabalhador vítima de acidente de trabalho, previstos nos arts. 13.º e 59.º, n.º 1, al. f), uma vez que a cumulação do fator de bonificação com a tabela de comutação constitui um agravamento desproporcional e injustificado em face do que são os direitos dos trabalhadores em geral, não praticantes profissionais de desporto, introduzindo-se uma desigualdade social.

    23 - O diferente tratamento do que diferentemente deve ser tratado não será alcançado de forma justa, equilibrada e igualitária se se somar à majoração resultante da tabela de comutação específica a majoração da 5.ª instrução da TNI.

    24 - Assim, a pensão anual e vitalícia a pagar ao autor, a cargo da recorrente, deverá corresponder ao valor de 80.963,12 €, assim discriminado: 140.000,00 € x 50% = 70.000,00 € 140.000,00 € x 70% = 98.000,00 € 98.000,00 € - 70.000,00 € = 28.000,00 € 28.000,00 € x 39,154% = 10.963,12 € 70.000,00 € + 10.963,12 € = 80.963,12 € B - Quanto ao cálculo da pensão após os 35 anos 25 - A pensão correspondente ao período que decorrerá a partir da data em que o autor perfizer 35 anos, foi calculada, não sobre a IPP genérica, mas sobre a taxa de incapacidade agravada quer pela tabela de comutação quer pelo fator de bonificação do...

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