Acórdão nº 979/16.0T8VRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ FETEIRA
Data da Resolução13 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 979/16.0T8VRL.G1.S1 Relator: José Feteira 1º Adjunto: Cons. Leonor Rodrigues 2º Adjunto: Cons. Júlio Gomes Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça.

I Relatório 1.

AA intentou ação emergente de acidente de trabalho, com processo especial, contra Crédito Agrícola Seguros - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.

, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe: i) uma pensão anual e vitalícia de €5.670,00 correspondente a 30% da retribuição anual do sinistrado, devida desde 07/06/2016, e de €7.560,00 correspondente a 40% da referida retribuição anual, a partir da idade de reforma por velhice ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho; ii)subsídio por morte de €5.533,70; iii) subsídio por despesas de funeral de €1.844,57 e iv) indemnização por despesas de transporte/deslocação de €80,00; v) os inerentes juros moratórios.

Como fundamento e em síntese, alegou que no dia 06/06/2016, cerca das 08h00, em …., quando o sinistrado (falecido) BB se encontrava a desempenhar a atividade de trabalhador agrícola/rural, sob a direção, fiscalização e orientação da sua empregadora CC, sua filha, ao serviço e por conta dela, mais concretamente quando conduzia um trator agrícola num caminho rural/agrícola, a fim de pulverizar uma vinha, esse veículo capotou, tendo o sinistrado ficado debaixo do mesmo e sofrido lesões que lhe determinaram a morte.

O sinistrado auferia €45,00 nos dias de trabalho efetivo e a empregadora, sua filha, tinha a respetiva responsabilidade infortunística transferida para a Ré seguradora através de contrato de seguro de agricultura, genérico titulado pela apólice nº ……, com base numa retribuição diária para trabalhadores de €45,00 pelo que a retribuição anual é de €18.900,00.

A Autora é a única beneficiária do sinistrado na qualidade de seu cônjuge.

  1. Contestou a Ré seguradora, alegando, em síntese, que aceita que o empregador havia transferido a sua responsabilidade infortunística, pelo salário anual de € 16.425,00.

    Não aceita a caracterização do sinistro como sendo de trabalho, porquanto o falecido, BB, não se encontrava a sulfatar vinhas na propriedade da tomadora do seguro denominada de "..............", encontrando-se antes a prestar um favor a DD, a título gratuito, indo com o seu trator aplicar sulfato numa vinha deste, pelo que o acidente não ocorreu em nenhum dos locais de risco, propriedades identificadas na proposta e na apólice, razão pela qual, também por essa via, não lhe pode ser assacada responsabilidade.

    Acresce a circunstância do sinistrado ser pai da sua entidade empregadora/tomadora do seguro (jovem agricultora) e este elemento não se encontrar expresso no contrato de seguro celebrado.

  2. Fazendo-se uso do disposto no artigo 127º n.º 1 Código de Processo do Trabalho (CPT), foi proferido despacho mandando intervir na causa a entidade empregadora, CC, também filha da Autora e do sinistrado, face à disparidade entre o valor da retribuição alegado e o aceite pela Ré seguradora.

    A empregadora contestou (articulado admitido após recurso do despacho que o considerou extemporâneo, e que julgou procedente a apelação), alegando, em suma, desconhecer as circunstâncias em que ocorreu o acidente. Na altura, o sinistrado encontrava-se a desempenhar a atividade laboral de que se encontrava incumbido numa propriedade pertencente à demandada, denominada “..............”. Aceita que o sinistrado, seu falecido pai, prestava atividade nas suas propriedades agrícolas, auferindo a retribuição de €45,00 diários por cada dia efetivo de trabalho, durante todo o ano. Essa atividade consista em sulfatar as vinhas.

    Conclui que devem ser os pedidos julgados de acordo com a prova a produzir quanto aos factos essenciais que constituem a causa de pedir, tal como estão descritos na petição inicial.

  3. Elaborou-se despacho saneador onde se fixou a matéria assente e se elaborou base instrutória.

  4. Procedeu-se a audiência de julgamento e proferiu-se sentença que culminou com a seguinte decisão: «Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência, absolve-se a R. seguradora dos pedidos formulados pela A. e condena-se a R. empregadora a pagar à demandante as seguintes quantias: - pensão anual e vitalícia no montante de € 5.670,00 (cinco mil seiscentos e setenta euros) devida desde 07/06/2016 (equivalente a 30% da retribuição anual auferida pelo sinistrado de € 18.900,00) e no valor de € 7.560,00 (sete mil quinhentos e sessenta euros) devida à demandante a partir da sua reforma por idade ou pela verificação de doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho.

    - subsídio por morte, previsto no art. 65º nºs 1 e 2 da LAT no valor equivalente a 1,1 IAS (de € 419,22 à data do óbito do sinistrado) e que ascende a € 5.533,70 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos).

    - subsídio por funeral que ascende a € 1.844,57 (mil oitocentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos), nos termos do disposto no art. 66º do mesmo diploma legal. Sobre estas quantias acrescem os respectivos juros de mora nos termos do art. 135º do C.P.T.

    - a título de deslocações obrigatórias a este Tribunal, o valor de € 80,00 (oitenta euros), pelo qual a R. empregadora é igualmente responsável e sobre os quais incidem igualmente juros de mora – cfr. art. 135º do C.P.T. – desde a realização do auto de não conciliação (cfr. fls. 134) – 18/05/2018.

    Custas pela R. entidade empregadora, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.

    Fixa-se aos autos o valor de € 84.746,04 – cfr. art. 120º do C.P.T.».

  5. Inconformada com esta sentença, a Ré/interveniente CC interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 10 de setembro de 2020, com fundamentação que reputamos de essencialmente diferente, decidiu, por unanimidade, nos seguintes termos: «Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87º do CPT e 663º do CPC, acorda-se em alterar a matéria de facto nos termos supra ditos, mas sem influência na causa, e em julgar totalmente improcedente o recurso.

    Custas a cargo da recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza».

  6. De novo inconformada, agora com este acórdão, dele veio a Ré/Recorrente CC interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando no final das suas alegações, as seguintes conclusões: 1ª Nos presentes autos, a beneficiária (viúva) intentou uma acção especial emergente de acidente de trabalho contra Crédito Agrícola Seguros – Companhia de Seguros de Ramos Reais.

    1. Como causa de pedir naquela acção, invocou que no dia 06/06/2016, cerca das 8 h, em …, quando o sinistrado (falecido) se encontrava a desempenhar a actividade de trabalhador agrícola/rural, sob a direcção, fiscalização e orientação da sua empregadora CC, sua filha, ao serviço e por conta dela, mais concretamente quando conduzia num caminho rural/agrícola um tractor agrícola, afim de pulverizar vinha, este veículo capotou, tendo o sinistrado ficado debaixo do mesmo e sofrido lesões que lhe causaram a morte.

    2. A referida entidade empregadora tinha a respectiva responsabilidade infortunística laboral transferida para a Ré Seguradora, através de contrato de seguro de agricultura, genérico, titulado pela apólice nº ……..

    3. Citada a Ré Seguradora, apresentou contestação em que aceita a transferência para si da responsabilidade infortunística, mas não aceita a caracterização do acidente como de trabalho, alegando que o sinistrado se encontrava a prestar um serviço a DD, a título gratuito, indo o seu tractor aplicar sulfato numa vinha deste; além de alegar que o acidente não ocorreu em nenhum dos locais de risco, propriedades identificadas na proposta e na apólice.

    4. Após julgamento, foi proferida douta Sentença, que condenou a ora Recorrente e absolveu a Ré Seguradora porque, segundo a decisão, o sinistro ocorreu num prédio rústico denominado “..............” que não consta do mapa de inventário anexo ao contrato de seguro, pelo que concluiu no sentido de que aquele local não se encontrava incluído nos locais de risco abrangidos pela apólice e, como tal, determinou a exclusão da respectiva cobertura, concluindo, assim, a Sentença por absolver a Ré Seguradora dos pedidos.

    5. Não se conformando com o teor de tal decisão, por manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão, a ora Recorrente, invocou a nulidade da Sentença, porquanto o Tribunal deu como assente que o sinistrado conduzia o veículo num caminho rural e depois em sede de fundamentação, afirmou que o acidente ocorreu num prédio rústico, denominado “..............”.

    6. Por douto Despacho o Tribunal da 1ª Instância deu nova redacção ao ponto 5 da factualidade assente passando a constar de tal ponto que o caminho rural estava inserido no prédio “..............”.

    7. Não se conformando com tal alteração e respectiva nova redacção dada ao ponto 5º da factualidade assente, a Recorrente interpôs recurso de Apelação para o Venerando Tribunal da Relação.

    8. Por douto Acórdão, que ora se recorre, o Venerando Tribunal da Relação alterou tal ponto 5º da matéria de facto assente, dando-lhe a seguinte nova redacção: “No dia 06/06/2016, cerca das 8 horas, em …., quando o sinistrado BB se encontrava a desempenhar a sua actividade, por conta e sob fiscalização e orientação da sua entidade empregadora CC, ao conduzir num caminho público rural um tractor agrícola de matrícula ..-..-EU, afim de pulverizar vinha, este veículo capotou ficando debaixo do mesmo e sofrido lesões”.

    9. Sucede, porém, que o Venerando Tribunal da Relação com o deferimento do recurso do ponto 5º da matéria de facto, alterando o local do acidente, que se provou ter sido num...

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